“É estranho que a famosa bazuca não tenha chegado às empresas açorianas, zero!”
Diário dos Açores

“É estranho que a famosa bazuca não tenha chegado às empresas açorianas, zero!”

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Rodrigo Rodrigues, empresário de turismo

Como é que analisa o Verão turístico nos Açores? Correspondeu às expectativas?
Este foi um Verão de retoma. Depois de dois anos sem viagens, ou quase, era expectável que este fosse um bom Verão, em geral. 
Quanto a ser um ano bom, já não acho garantido, pois tivemos os primeiros três meses maus devido à pandemia, e ainda não é seguro quanto aos últimos três meses, pelo menos em algumas ilhas, em que as ligações aéreas reduzem substancialmente.
Gostava ainda de referir uma grande melhoria da operação da SATA Air Açores, que teve impacto muito positivo nas ilhas sem ligações diretas ao exterior, ou com poucas ligações.
Não devemos confundir um bom ano, que assim o seja, com a recapitalização das empresas. 
É estranho que a famosa bazuca não tenha chegado às empresas açorianas, zero!
Acho que continua a ser urgente essa recapitalização, mas parece-me que o que vai acontecer, mais uma vez, é a “recapitalização” da Administração Pública, em vez de chegarem as ajudas às empresas e às famílias.

Receia que haja nova crise no sector com a inflação e aumento das taxas de juro, retraindo as populações?
Esta é uma crise diferente, pois tem uma origem concreta, a guerra na Ucrânia. 
Julgo que as pessoas vão cortar no consumo, pois por exemplo as prestações bancárias vão disparar nos próximos meses, mas as viagens serão menos afectadas. 
Depois de dois anos de privação, existe uma necessidade de sair, e conhecer novos mundos, que é difícil de parar. 
Penso que se a crise não for demasiado longa, nós aqui nos Açores não sentiremos outro retrocesso nos próximos anos.

Fez investimentos nesta área na ilha do Pico, mantém os que já tinha na ilha Terceira. Continua apostado no turismo açoriano?
Só no turismo açoriano, mas sempre com uma visão arquipelágica, sem bairrismos nem outros disparates. 
Tenho investimentos na Terceira e no Pico, o que me tem obrigado nos últimos anos a olhar para a realidade de cada ilha, que é distinta entre todas elas, até por vezes entre freguesias da mesma ilha. 
Quando me perguntam porquê ir para o Pico, respondo que é uma ilha incrível em paisagens, cultura, vinho, gastronomia, gente e hospitalidade, e onde ainda se estragou muito pouco. 
Um bom exemplo para aquilo que devemos fazer em termos de desenvolvimento turístico é ir aumentando a oferta, mas integrando-a na paisagem. 
Os Açores, no geral, têm um potencial turístico ilimitado ao nível da qualidade, mas limitado na quantidade, basta pensar nisso, para seguirmos no bom caminho, com uma estratégia de sustentabilidade económica e social, mas sobretudo ao nível dos recursos naturais, matéria-prima inigualável e irrecuperável, nesta grande indústria que é o turismo. 
Sou um apaixonado pelas ilhas todas, que conheço bem. Gosto de acreditar que sou uma espécie de esboço, de fraca qualidade, daquilo que Nemésio chamou de açorianidade.

O Presidente do Governo dos Açores apelou esta semana para que os empresários cativem mais os trabalhadores no sector, pagando melhor. Como interpreta este apelo?
Essa é uma tentação política quase irrecusável. 
No geral também concordo, para termos bons colaboradores temos de pagar bem e dar boas condições de trabalho. 
Mas vamos à questão mais profunda: Não existem “bons colaboradores” no mercado em número suficiente para suprimir as necessidades das empresas. 
Nem do ponto de vista das qualificações, mas pior, do ponto de vista da vontade, motivação e do brio profissional. 
Nós, se quisermos segurar os nossos colaboradores mais importantes, com maior produtividade, e é aqui que está o cerne da questão, temos de lhes dar condições, ou vão para outra empresa no mesmo dia. 
O problema é que se tem criado uma ilusão nos últimos quarenta anos de que não é necessário trabalhar de forma séria e produtiva, que no fundo tanto faz, de uma forma ou de outra as coisas resolvem-se. 
Criamos uma cultura de falta de ambição, que foi agudizada nos anos de pandemia, e que faz com que muita gente acredite ser possível não trabalhar. 
Duas notas a terminar este tema: enquanto as prestações sociais, justas e necessárias, não tiverem um cariz estritamente temporário com a finalidade única de integração, ou reintegração, no mercado de trabalho, não será possível termos população activa qualificada, que permita aumentar a produtividade das empresas, os resultados, e com isso, e não ao contrário, os salários; ainda lembrar que o salário mínimo, e bem, cresceu nos últimos cinco anos, cerca de 40 por cento, aumentando todas as outras categorias imediatamente a seguir, por uma questão de justiça dentro das empresas.
Em resumo, falta alertar que sim, também ao nível dos empresários, não todos felizmente, é necessário formar, desafiar e apelar à valorização das carreiras. 
Nesse sentido percebe-se o apelo do Presidente do Governo, desde que não se trate de sacudir a água do capote.

Como vê o regresso do Governo à ATA?
Vejo com naturalidade. Aliás fui o primeiro que se insurgiu publicamente aquando da saída do anterior Governo da ATA. A promoção turística é da responsabilidade da Região, é financiada com fundos do orçamento regional, e essencialmente europeus, mas sempre numa vertente de contratação pública. 
Não se pode é pedir aos empresários, que de forma voluntária venham assinar os contratos públicos que os governantes decidem celebrar. 
Como fui interveniente no processo depois da saída do anterior governo, não me vou alongar neste tema, mas fica uma nota para o desempenho dos meus colegas de Direção e especialmente da Direcção Executiva, que aguentaram muito para além do razoável, e com isso, foi possível concretizar uma série de acções que levou ao sucesso que assistimos neste Verão. Não vi nem ouvi uma palavra de gratidão. 
E não, não são precisas mais do que uma ATA para se garantir a boa promoção para todas as ilhas, se formos por aí, não vamos longe, e todas as ilhas terão direito à sua própria “ATA”, financiadas pela Região.

O problema das acessibilidades, marítimas e aéreas, poderá condicionar a expansão do sector? O que é que se tem de fazer para melhorar as acessibilidades?
Condiciona sempre, pois somos nove ilhas no meio do Atlântico. O que nos torna mais exóticos, é também o que nos torna mais difíceis do ponto de vista das acessibilidades. Temos de seguir o caminho trilhado: aumentar a captação de novas rotas internacionais, consolidar as existentes, e concentrar o esforço que os açorianos fazem na SATA, na melhoria permanente, como já se sentiu este verão, das ligações internas. 
Temos de ser realistas, haverá sempre uma porta de entrada principal, e eventualmente uma segunda. A partir daqui temos de ter grande capacidade de distribuir pelas nove ilhas os fluxos turísticos oriundos do exterior, com frequência e preço. 
O Inverno IATA também não pode ser descurado, e já se nota uma falta de voos gritante para o que agora se inicia.

jornal@diariosdosacores.pt
 

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