No rescaldo da política temos de assinalar dois acontecimentos da maior importância em 2023: o caso do Primeiro-Ministro Carlos Costa, do PS, e o Presidente do Governo dos Açores José Bolieiro, do PSD, pois ambos estão demissionários, o 1.º por demissão a seu pedido o que levou à queda da Assembleia da República, e o 2.º por demissão indireta e também a seu pedido através do requerido ao Presidente da República para a dissolução da Assembleia Legislativa dos Açores.
O Primeiro-Ministro demissionário agarra-se afincadamente ao parágrafo da Procuradora-Geral da República; temos de concluir que se o parágrafo tivesse sido escrito por um juiz seria diferente, ele não teria pedido a sua demissão. E isso é confuso: ele quer que esqueçamos que o seu Chefe de Gabinete, mesmo ali ao seu lado e grande amigo de longa data, detinha em vários envelopes mais de setenta mil euros. Se isso acontecesse a um simples cidadão, com certeza que ele concluiria o óbvio: é impossível que tal retrato não tenho sido feito pelo mesmo fotógrafo. Todos os portugueses imaginariam que os dois sabiam muito bem o que estavam fazendo, e que esse modus operandi de envelopes com dinheiro no centro oficial dum órgão de soberania servia para alguma coisa ilegítima: para ser distribuído por quem participou num cambalacho qualquer, ou seria para se receber aos poucos. Esse facto, dinheiro distribuído em envelopes no gabinete ao lado do Primeiro-Ministro, traz-nos à memória, embora com diferenças, um outro Primeiro-Ministro que recebia empréstimos de amigo e também em envelopes. Não se compreende o motivo do Primeiro-Ministro por se sentir ofendido – quando foi a centímetros do seu gabinete que se encontrou algo impensável. E se se encontrasse idênticos envelopes e conteúdos num gabinete dum magistrado? O Primeiro-Ministro seria o primeiro a dizer que a justiça estava ferida de morte, mas que cabe às instituições judiciais resolver estes assuntos. Ou seja, o Primeiro-Ministro querer fazer-se de Menino Jesus numa situação dessas é esquecer que o político, além de ser, tem de parecer; se fosse apenas o cidadão o caso era irrelevante; como político e de soberania merece toda a atenção e toda a crítica.
O Presidente do Governo dos Açores perdeu as eleições de 2020, tinha apenas 21 deputados contra os 25 do PS. Mas usando o modelo adotado em 2015pela “geringonça” do PS nacional, o PSD juntou os 3 deputados do CDS e os 2 do PPM, perfizeram um total de 26 deputados. Convenceram o IL com um e o Chega com dois deputados e conseguiram o número máximo da maioria em 57 que é 29 deputados. O PS, com o BE com 2 e um do PAN, ficou com 28 deputados. Estava feita uma maioria parlamentar do PSD contra a minoria do PS. Tudo estava montado para dar certo ou errado: se não existisse o rompimento do acordo de incidência parlamentar, o sistema de governo garantiria a manutenção do Governo. Mas, ninguém esperava que a maioria absoluta do PS a nível nacional caísse e, menos se esperaria, pela mão do próprio Primeiro-Ministro; e isso foi suficiente para o IL e o Chega, mas sobretudo aquele, rompesse o acordo para aproveitar a ocasião. O PSD ainda tentou assegurar-se em função de regras financeiras em vez de políticas; mas o descalabro nacional teve um impacto tsunami nos Açores e isso era uma oportunidade única de impedir a política regional de fazer política destinada continuamente a eleições. O PSD, sempre atrás da inteligência do CDS, não soube gerir: quando já tinha perdido a maioria, o PSD vivia ainda como se a tivesse. O Presidente do Governo não soube ler os acontecimentos; não no fim, mas do princípio ao fim. No princípio: não soube fazer o que Carlos César fez em 1996 (quando se tem pouco, devemo-nos rodear de quem nos acrescente mais a esse pouco; Bolieiro fez exatamente o contrário). No meio: nunca é tarde para recomeçar um dia novo. E no fim antecipado: porque tinha o único meio político verdadeiramente legítimo e poderoso para acabar com a crise, pedindo desde logo a sua demissão (como fez Alberto João Jardim…), mas preferiu morrer às mãos do CDS que, com 3 deputados, era, foi e é ainda, Vice-Presidente.
Grande diferença entre os dois: o Primeiro-Ministro, naquele momento, para dar um sinal mais, tinha de pedir a sua demissão e fê-lo imediatamente; o Presidente do Governo em vez de pedir a demissão avocando assim as atenções sobre si próprio, entregou-as à oposição. Pelo que, entre os dois, não é difícil escolher qual seja o político do ano pela negativa. Um é improvável pelos envelopes de dinheiro no gabinete junto do seu; o outro é improvável porque prefere a concórdia do que a coragem política. Entre ambos, pois, escolho Bolieiro para o político do ano: prefiro a fraqueza política à fraqueza do metal. Em fevereiro o PSD vai perder votos/deputados, e o PS vai ganhar mais dois deputados e, por isso, vai ganhar e formar governo. Se estiver enganado nessa projeção, o que a sustenta continuará certa num ponto essencial: o melhor de António Costa foi pedir imediatamente a sua demissão, salvando assim o PS; o pior de José Bolieiro foi não pedir a sua demissão, assim avocou todos os riscos na coligação PSD-CDS-PPM, que, aliás, já se coligaram para as eleições, e assim apresenta-se unido a uma união que não existe.
Arnaldo Ourique