Diário dos Açores

Costa, o Ciclone Anti-Açores

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Opinião

«A geografia, para nós, vale outro tanto como a história, e não é debalde que as nossas recordações escritas inserem uns 50% de relatos de sismos e enchentes. Como as sereias temos uma dupla natureza: somos de carne e pedra. Os nossos ossos mergulham no mar.»
                            Vitorino Nemésio 


Açores. Somos, enquanto região, do extremo mais ocidental ao mais oriental, maiores que Portugal Continental de norte a sul; responsáveis em larga medida pelo facto de o país possuir uma das maiores Zonas Económicas Exclusivas do planeta; possuidores da primeira cidade europeia no Atlântico, bem como primeira urbe nacional elevada pela UNESCO a Património Mundial da Humanidade; geo-estrategicamente relevantes vai para 6 séculos, antes por mar e ,desde o primeiro quartel do século passado, pelo ar; todavia o facto de sermos 9 ilhas longínquas (240 mil habitantes mais um milhão de almas na Diáspora) faz com que inevitavelmente padeçamos dos males do centralismo. E de que maneira. Nos últimos anos mais do que alguma vez na História da democracia.
O extraordinário consulado de António Costa levou o desprezo pelos cidadãos das ilhas a níveis inauditos. Quando fomos avassalados pelo Covid, Costa e o seu então escudeiro Pedro Nuno Santos decretaram que a TAP continuaria a voar entre Continente e Ilhas em nome da “coesão e continuidade territorial”. Nesta tonitruante demonstração de como ser forte com os fracos e fraco com os fortes (a mão estendida de Costa à Europa e as cartinhas piedosas a implorar cifrão não podem jamais ser esquecidas), o todo-poderoso primeiro-ministro do burgo desautorizava, liminar, um pedido expresso do seu comparsa Vasco Cordeiro, o então líder do Governo Regional. Note bem o caro leitor: há ilhas às quais a pandemia poderia nunca ter chegado, territórios como Corvo, Flores, Santa Maria, São Jorge, Graciosa - ilhas de baixíssima densidade populacional e parcos cuidados médicos. Mas nem sequer o rosa que une Costa e Cordeiro nos mesmos congressos e alegada ideologia lhes valeu. Curiosamente, quando o mesmo Estado veio distribuir apoios aos empresários para que garantissem o salário mínimo nacional durante aquela conjuntura económica particularmente tenebrosa, Açores e Madeira ficaram a ver navios. A decisão, presume-se, deve ter sido a uma 3ª feira e a Coesão Territorial só contará às segundas, quartas e sextas.
Onde nem sequer navios se viram foi nas Flores, ponto mais ocidental da Europa, ilha cujo porto foi arrasado pelo Furacão Lorenzo (em 2019) e na qual até hoje se aguardam os prometidos milhões destinados à sua reconstrução, deixando 3700 habitantes à míngua regular de víveres e combustíveis.
Se uns foram prometidos outros estavam elencados no Orçamento de Estado. Os contribuintes açorianos continuam a suportar os 10 milhões de euros em Obrigações do Serviço Público relativas a 2023, destinadas a assegurar as rotas aéreas que dão prejuízo (por serem para ilhas menos centrais e menos habitadas). Entretanto, o presente e condenado Orçamento empurra com a barriga, faz de conta que não se passou nada, e prescreve ‘mais’ 10 milhões para 2024. Mas, para solucionar as OSP relativas à CP (na casa dos dois mil milhões de euros - a que se acrescentam os quase 900 milhões em novos comboios encomendados pelo sereníssimo Galamba), já houve como.
Na TAP, este desgoverno capitaneado por Costa – que borregou mais vezes do que um comandante com acne no seu primeiro voo com destino ao Funchal – delapidou qualquer coisa como 3,2 mil milhões de euros. Curiosamente, mais 100 menos 200 euros, o equivalente à Dívida Pública dos Açores. Mas nunca conseguiu os 3 milhões (repito, por extenso, três) prescritos, assinados, fotografados e filmados com pompa e circunstância (dois ministros atrás) que deve à Universidade dos Açores. Já agora, duvido, mas se Costa porventura tiver curiosidade em saber como os Açores chegaram a esse valor de Dívida Pública, poderá sempre bater à porta de Carlos César e perguntar - agora que tem mais tempo livre e tudo. Afinal, o PS governou a Região durante 24 anos (!) até a geringonça se ter virado contra o geringonceiro. 
A propósito, estou certo de que o facto de Madeira e Açores serem Regiões Autónomas geridas por cores que não combinam com o rosa não terá tido qualquer influência nas decisões de Sua Excelência o Primeiro-Ministro-Que-Já-Não-É. Deve ser mesmo, só pode, por um gritante azar dos Távoras que as mais elementares obrigações do Estado permanecem por cumprir, com esquadras de polícia, repartições públicas e cadeias em ruínas; as obras do Cais NATO – no porto de Ponta Delgada - a aguardar um mísero despacho desde 2017; a substituição dos cabos submarinos, do anel de comunicações inter-ilhas por efectuar; a discriminação dos cidadãos das ilhas no programa REGRESSAR ser flagrante, impedindo aos emigrantes açorianos e madeirenses que pretendam voltar ao país o acesso a um regime fiscal mais favorável bem como a uma linha de crédito para apoiar o investimento empresarial (uma medida, acrescente-se, tão inconcebivelmente separatista como obtusa, sobretudo tendo em conta o elevadíssimo número de emigrantes oriundos dos dois arquipélagos); etc. 
Em suma, e em relação aos compromissos assumidos e/ou devidos para com as Regiões Autónomas, o comportamento dos governos socialistas poderia ser resumido em duas palavras e com aquela pompa de Rodrigues dos Santos: “falharam… TODOS”.
Talvez o caso mais gritante de má-fé, puro desdém e premeditação, seja o que Costa tentou fazer com a Lei do Mar, colocando nas mãos da sua maioria absoluta no Parlamento a retirada pura e simples aos Açores e à Madeira dos poderes de gestão partilhada dos respectivos mares. Repito, partilhada. O mesmíssimo se preparava relativamente à Lei do Espaço, desde que se começou a falar da ilha de Santa Maria como possibilidade para o lançamento de foguetões. E estou seguríssimo de que - se o governo não tivesse caído e fosse entretanto descoberto petróleo nas ilhas - Costa lembrar-se-ia de imediato da Lei do Subsolo - que provavelmente obrigaria os meus pais a perfurar o quintal, embalar o crude, e enviá-lo posteriormente em Correio Azul, a expensas próprias, directamente para o Terreiro do Paço (ou para o Chefe de Gabinete, o que fosse mais prático a Lisboa).
Perante tudo isto, e só por curiosidade mórbida, o que fizeram agora mesmo os figurões do PS-Açores? Sim, ainda os mesmíssimos ilustres que foram forçados a abandonar o poder na Região. Simples. Cheirando-lhes a trufa em Pedro Nuno Santos, declararam o seu apoio ao previsível novo líder do PS-Pai. Afinal, o que são os interesses do povo que os elegeu ou mesmo o sabor a fel das humilhações passadas perante um futurozinho acautelado? 
A primeira memória da minha vida é de dia 1 de Janeiro de 1980. Tinha 3 anos. A casa onde vivia com os meus pais foi arrasada pelo terramoto. Morreram dezenas de pessoas, houve milhares de desalojados. Vivemos durante largos meses numa tenda. A Autonomia tinha meros 4 anos quando a tragédia sucedeu. A reconstrução de Angra do Heroísmo (cidade duas vezes capital do Reino), apenas 3 anos volvidos elevada pela UNESCO a Património Mundial da Humanidade, foi seguramente o primeiro grande desafio do então imberbe Governo Regional. A forma extraordinária como a solidariedade, organização e entreajuda funcionaram, permanece um orgulhoso testemunho de Açorianidade. Acredito que integro uma geração que cresceu com essa honra e esses princípios. Ser tratado como um cidadão de segunda é, portanto e logicamente, insultuoso e inadmissível.
Costa e os inefáveis Pedro Nuno e Galamba foram simplesmente vergonhosos para as ilhas portuguesas. Encontro um fraco consolo quando penso nos meus muitos amigos continentais. É que felizmente o resto do país não se pode queixar. Excepto, claro, da Educação. Bom, e da Saúde. Da Habitação, também, sim. Ah, dos Transportes. Da Cultura. Da Defesa. Das Finanças. Pronto, e da Justiça. Mas é só.


Luís Filipe Borges*
*Argumentista e Comediante

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