Diário dos Açores

Pensamentos descontentes

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1. Uma visita sem história
Quem pretender fazer a história da última visita oficial do Governo à Ilha do Pico,  não poderá socorrer-se do comunicado oficial do Conselho, reunido em 12 de outubro na Vila de São Roque. O documento, ao contrário do que era usual desde as Presidências de Mota Amaral, ignora, pura e simplesmente, o que foi proposto pelo Conselho de Ilha e não responde às questões apresentadas.
Pode, portanto, concluir-se que o Executivo de Bolieiro só pretendeu apresentar os projetos da orla marítima do cais do Pico e da variante à Madalena e protelou decisões sobre questões reivindicadas pela população e parceiros sociais, nomeadamente: o início das obras de ampliação do Aeroporto do Pico, a construção de um novo Centro de Saúde no concelho das Lajes tal como defendia o manifesto eleitoral do PSD-Pico e uma melhoria substancial dos cuidados de saúde diferenciados, num polo hospitalar, em articulação com o Hospital da Horta.
Sobre o aeroporto e a saúde, Bolieiro preferiu não acicatar os ânimos do outro lado do canal, pois os  faialenses estão muito mais unidos e são determinados e contundentes nas suas reclamações.
As reivindicações apresentadas pelo Conselho de Ilha sobre o aumento do aeroporto do Pico foram secundarizadas, propositadamente ou não, pela redução das verbas do OE destinadas a compensar a SATA das obrigações de serviço público nas ligações entre Lisboa e os aeroportos de Santa Maria, Faial e Pico, cujo montante, no corrente ano, está estimado em 10 milhões de euros.
No meio da polémica foi afirmado, mas não provado, que se trata de rotas deficitárias e que a redução dos apoios estatais à mobilidade poderá fazer perigar algumas das ligações nas rotas não liberalizadas.
Para esclarecer tudo isto há grande vantagem que a administração da SATA esclareça a opinião pública sobre:
1. Qual o montante do défice contratualizado com o estado para o cumprimento das obrigações de serviço público entre as três “getways” dos Açores (Sta Maria, Pico e Faial) e entre Ponta Delgada e Funchal;
2. Quais os aeroportos com rotas deficitárias, em que épocas do ano e qual a percentagem de lugares disponibilizados;
3. Se há prejuízos na operação, como justifica a SATA o aumento do número de voos na época alta? Será que tem benefícios? Quais?
Vai sendo tempo da R.A. Açores, perante a opinião pública, justificar as suas reclamações, com recurso ao articulado da Constituição e do Estatuto, para que não se julgue tratar-se de desaguisados entre governos de diferentes cores partidárias.
A nível interno, as decisões governamentais não tem sido consensuais e afetam sobretudo as ilhas “mais pequenas”. Recentemente o Presidente do Parlamento afirmou nas Flores que “a Autonomia Regional tem falhado na coesão [pelo que] urge encontrar “caminhos e soluções, para que possamos ter mais sucesso neste desígnio autonómico”.
    Há dias, numa audição parlamentar à indigitada Presidente do C.A. do Hospital da Horta, entendeu-se, perfeitamente, por que é que não é implementado o Centro hospitalar Faial-Pico.
A gestora referiu que a unidade hospitalar faialense abrangeria uma população de 35 mil habitantes, mas nenhum deputado procurou saber que medidas seriam tomadas para facilitar os cuidados de saúde diferenciados dos utentes da vizinha ilha do Pico, nem a própria se pronunciou sobre tão crucial problema nem sobre a tele-medicina. Pelo contrário, ficou-se pelas boas relações  entre o Hospital e o Centro de Saúde local, como se não houvesse utentes de outras ilhas.
Enquanto o Hospital da Horta for o centro de gravitação obrigatória dos utentes do canal e o SRS impedir outras opções noutros destinos, contrariando direitos da saúde, nenhum picaroto, nem nenhum dirigente político, do poder ou da oposição, logrará melhorar o sistema vigente.
Bolieiro e o seu governo (já antes acontecera o mesmo) confrontados com essa antiga centralidade distrital procuraram ignorar a problemática da saúde, como se ela se resumisse apenas à falta de instalações e não à oferta de melhores cuidados diferenciados e aos respetivos meios humanos, que tão necessários são a uma população envelhecida e com reduzida mobilidade.
A Ilha do Pico merece mais e melhores respostas, tal como garante o Estatuto Político Administrativo: “acesso universal, em condições de igualdade e qualidade, aos sistemas educativo, de saúde e de protecção social”. 1

2. Uma Presidência em declínio?
 O Presidente da República, concluído o mandato das “selfies”, reiniciou-se se como comentador da atualidade sócio-política, função que desempenhou na TV antes de concorrer a Belém.
Marcelo nem sempre se tem saído bem, muito embora as suas opiniões se baseiem em princípios éticos e morais que importa relevar.
Exige-se ao Presidente que promova e defenda a constituição e os direitos nela consagrados, e que seja o garante da unidade do Estado, como primeiro magistrado da Nação. No entanto, dispensa-se que se pronuncie por tudo e por nada, sobre questões que ultrapassam as suas competências presidenciais.
A Constituição determina que compete ao PR “Pronunciar-se sobre todas as emergências graves para a vida da República”2 provavelmente p porque o excesso de comentários banaliza a função do Chefe do Estado e o poder democrático reparte-se também pela  Assembleia da República, pelo Governo e pelos Tribunais.
A “imprudência” de Marcelo na abordagem aos abusos sexuais na Igreja Católica portuguesa trouxe-lhe, certamente muitos dissabores, pelo que é de esperar um recuo estratégico nos comentários públicos.
Lamento, no entanto, que o Presidente da República raramente se pronuncie, publicamente, sobre questões respeitantes à Região Autónoma dos Açores.
O caso recente da sua visita à Califórnia de não ter integrado na comitiva nenhum representante da Autonomia Regional, ou a controvérsia sobre a lei do mar, deveriam ter merecido o pronunciamento público de Marcelo. Mais não fosse para dizer aos açorianos que promove a cooperação entre outros órgãos de soberania e a Região na “correção das desigualdades derivadas da insularidade”(Const. Artº 229).
O presidente tem a prerrogativa de dirigir mensagens ao Parlamento Regional (Const. Artº 133, d), mas só o fez presencialmente, em deslocações, quando o processo autonómico merece também um público acompanhamento do Chefe do Estado. É tempo de Marcelo Rebelo de Sousa considerar os Açores, não como um destino atlântico idílico e atraente, mas como uma Região Portuguesa ultraperiférica e marítima, com graves problemas de desenvolvimento que se agudizam com o envelhecimento e o declínio demográfico.
Este cenário negro é motivo suficiente para uma atenção redobrada no atual cenário de guerra que se instalou na Europa e que pode repercutir-se estrategicamente na nossa ZEE e no Atlântico Norte.
1Estatuto político Administrativo da RAA, artº3, j)
2Constituição da República, artº134, e)


*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com

José Gabriel Ávila*

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