Diário dos Açores

O que é a Lusofonia - Parte 1 - 20 anos de colóquios de 2002 - 2022

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1. Mitos da Lusofonia

Aprendi a coabitar com lusofalantes, dos Orientes exóticos em Timor “Que o Sol em nascendo vê primeiro” que mitos salazarentos criaram, aos levantes menos excêntricos que a revolução do 25 de abril (1974) esqueceu. Pugno pelos filhos que falam português qualquer que seja o país em que nasceram. Encontrei na Austrália mais estrangeiros interessados em apoiar a preservação da língua portuguesa do que nativos. Criamos mundos e redescobrimos outros, sem identificar a mesquinhez desta maneira de ser que nos faz sentir, simultaneamente, grandes e pequenos, talvez maiores ou menores do que somos. Agora que o desafio do séc. XXI nos confronta, maior que um Adamastor, importa afirmar o que imodestamente nunca fizemos, nem quando o Português era a língua franca do comércio do mundo. Precisamos de manter viva a língua e precisamos de todos, que forem capazes por artes e engenhos, de assumir iniciativas arrojadas: sem ser em busca de louvaminhas, vã glória e fama fugaz. É preciso gente dedicada. Não precisamos de iniciativas arrojadas, mas revolucionárias, mesmo que os formatos sejam os tradicionais: seminários, Colóquios, capazes de captar ouvintes e leitores com a língua que queremos nossa. Mesmo que sejam políticos bem-intencionados, não queremos as vãs e bem-sonantes palavras eleitoralistas que um qualquer vento dos votos levará, queremos trabalho e o cumprimento de décadas de promessas. Língua é cultura, não tem preço. Queremos uma política da língua, que permita a divulgação ampla para manter a independência política, cultural e linguística. Só assim manteremos acesa a chama com que falamos dos Algarves D’el-rei que já esquecemos, às Índias de Vice-reis que nossas nunca foram, a Timor de quem olvidamos a existência durante cinco séculos, a Goa, Malaca, e Macau de que só nos lembramos quando queremos ser beneficiários da herança portuguesa. A essência é manter a língua e a cultura vivas, não interessa onde nem como. (in Mitos da Lusofonia Revista Agália 2002).

1.2. Cidadania da Língua Portuguesa. Lusofonia Agonia, 2022

Surgiu há anos uma proposta do Embaixador José Augusto Seabra para a criação da Cidadania da Língua Portuguesa que contém os germes do sucesso inerentes a todas as propostas radicais e inovadoras num país de tradicionalismos avessos a mudanças. Para quê, esta cidadania? Para que os lusofalantes, independentemente de outros idiomas que comunguem, possam identificar-se como uma entidade única e universal. Quem são, o que fazem, o que pensam e sentem, qualquer que seja o local a que chamam terra mãe. Será que as línguas crioulas ou Pidgin e as indígenas se sobrepõem às outras? Porque o ensino do português é oficial quererá isso implicar que suplanta as línguas nativas? Quando seremos capazes de admitir que a língua a que chamamos nossa só pode sobreviver se enriquecida por outras? Dura lição. Se não aceitarmos a realidade multilingue das comunidades lusófonas, poderemos ter uma língua com o futuro do esperanto. Estas são as perguntas que aqui se põem e que alguém – que não eu – terá de responder. São fundamentais para a sobrevivência da Língua Portuguesa, qualquer que seja o sotaque ou a origem. (in Lusofonia Agonia 1, Revista ELO online 2002-11-15)

1.3. Mitos da Lusofonia 2 Out. 2003

Na abertura do 2º Colóquio  (outº 2003 Bragança), tentei alertar contra os fundamentalistas que preservam a visão estática da língua e se opõem a inovações e alterações. Por outro lado, existem movimentos ativos que podem levar a que a variante Brasileira se emancipe. A verificar-se (será uma questão de tempo) a emancipação da variante brasileira, a europeia estará condenada. Dez milhões (e Galiza) não são suficientes para fazer frente a uma língua autónoma com 200 milhões. É preciso que se entenda, que não somos donos da língua ou do Português puro. Os tempos não estão para purezas ou puritanismos, todos falam Português, diferente de Norte a Sul, de Leste a Oeste. A uniformização linguística, a redução ao mesmo denominador comum é castrante, inibe e retrai a natural expansão e o conceito mais abrangente da Lusofonia que professamos. São lusofalantes os que têm o Português como língua-mãe, de trabalho ou de estudo, vivam onde viverem, nacionais ou não dum país lusófono. É a Lusofonia que defendo para que a Língua sobreviva sem se fragmentar em variantes que, isoladamente pouco ou nenhum relevo terão. Se as aceitarmos sem discriminarmos ou menosprezarmos, o Português poderá ser com o Inglês uma língua universal colorida por milhentos matizes da Austrália aos EUA, às Bermudas e à Índia. Jornal Primeiro de Janeiro, FEV.º 2006

3. Lusofonia e diversidades culturais, Nov. 2007

Com a chegada dos patronos Malaca Casteleiro (Academia de Ciências de Lisboa) e Evanildo Bechara (Academia Brasileira de Letras) em 2007, passamos a uma fase mais atuante, como membros da sociedade civil numa área que o poder político descura e evita. Apraz-nos, dentro da nossa subsídio-independência, constatar o apoio de politécnicos e universidades, que premeia o esforço abnegado e dedicado duma mão cheia de pessoas que acreditaram na vitalidade dum projeto sem paralelo no âmbito da Lusofonia, noção abrangente sem distinção de credos, raças, nacionalidades ou outros fatores de distinguo, permitindo congregar esforços, criando sinergias. Falta convencer os PALOP de que não somos uma quinta coluna dum novo Império cultural, antes pelo contrário. Devemos aceitar a Lusofonia e as suas diversidades sem exclusão.  (in Diário de Trás-os-Montes novembro 2007)

4. Dias de Melo e Daniel de Sá no 9º Colóquio, Abr 2008

O 9º Colóquio da Lusofonia ocorreu na Lagoa em 2008. Motivo de enorme interesse era a presença (além de outros) dos escritores Dias de Melo e Daniel de Sá, que autografaram as suas obras na sessão de abertura. Dias de Melo com 83 anos escrevia, não só sobre os baleeiros que o tornaram célebre, mas sobre o basalto da sua ilha natal. Um escritor revolucionário que sente o pulsar das gentes, na sua atitude de escutar tudo e depois traduzir para livro, ele que é basalto e mar como muitas das gentes tradicionais do Pico. A sua obra continua muito olvidada.
Iria lutar pelos que desconheciam o valor literário do que tinham. Ser-me-ia mais fácil como “estrangeiro.” Haviam passado muitos anos e luas sobre as minhas cavalgadas na crista das ondas e do mundo. Nem me lembrava como tudo começara ou porquê, se fora uma fuga premeditada ou mero acidente de percurso, que surgem quando menos se espera. Certo é que as amarras nunca tinham sido fortes à portuense terra onde o cinzento e o granito me viram nascer, num pós-guerra de incertezas. Encarregara-me de colorir a vida, com a cultura doutros e tornara-me resiliente como a pedra granítica das berças. Aqui, no solo telúrico, lanço as sementes do novo projeto. Quem sabe se não o último? Andavam todos ocupados na lufa de se manterem no poder e olvidados estavam dos autores insulares, que andava a traduzir, e trazê-los à merecida ribalta. Assim meti as mãos ao teclado e fiz o primeiro escrito sobre a literatura açoriana.
A Universidade dos Açores passa, à margem dos escritores açorianos como quem tem vergonha dos seus filhos. Estes Encontros visam repor a justiça que merecem e o destaque que devem ter. Sem desmerecer as mais de 3 dezenas de apresentações, ressaltam-se as que honravam Daniel de Sá. Foi com espanto que os presentes o viram na cerimónia de autógrafos, dado ser um recluso, mas acedeu a partilhar o palco e a responder aos que falavam da sua obra.


*Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713

Chrys Chrystello*

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