Clarificando posições sobre a Autonomia dos Açores (1)

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Opinião

As questões da Autonomia dos Açores, na sua perspectiva conceptual e histórica, aparecem por vezes envoltas em dúvidas, que convém muito clarificar. Tenho reflectido sobre a matéria na presente fase em que ensino na nossa Universidade e tal reflexão tem-me sido útil para eu próprio compreender alguns aspectos de tais questões. Vou aqui referir as minhas opiniões, na convicção que se tratam disso mesmo, portanto sujeitas a discussão e até a mudança, pelo surgimento de novas realidades ou alteração de pontos de vista.
É comum falar-se de várias campanhas autonomistas, a primeira das quais teria ocorrido nos finais do século XIX. Quer-me parecer que houve nessa altura duas campanhas, a primeira das quais deu origem ao projecto apresentado em Cortes por Aristides Moreira da Mota e que foi logo acoimado de separatista e na prática abandonado. A Comissão encarregada de preparar o novo projecto para que os novos Deputados a eleger levassem a Lisboa, foi já muito mais moderada na sua ambição autonomista, mas ainda assim as pretensões formuladas não encontraram eco em São Bento. Foi portanto um decreto do Governo, por sinal chefiado pelo nosso conterrâneo Hintze Ribeiro, publicado no dia 2 de Março de 1895, estando o Governo, como então se dizia, em “ditadura”, isto é, com as Cortes encerradas, após mais uma dissolução, que abriu o caminho para que os distritos insulares pudessem, mediante votação local, adoptar o sistema autonómico. Assim se fez no distrito de Ponta Delgada, abrangendo as ilhas de São Miguel e de Santa Maria, e mais tarde no de Angra do Heroísmo, que incluía as ilhas Terceira, Graciosa e São Jorge. O distrito da Horta nunca se movimentou em tal sentido. Quanto ao distrito do Funchal, foi  nos primeiros anos do século XX que avançou para a aplicação do sistema administrativo autonómico.
A Autonomia concedida pelo famoso diploma de 2 de Março era de natureza meramente administrativa e ficava ainda assim àquem das pretensões, já de si mesmas bem modestas, para não ferir susceptibilidades centralistas, de cá formuladas; mas foi saudada como uma grande conquista e era-o de facto, permitindo “a livre administração dos Açores pelos Açorianos”, como preconizavam os seus promotores; no entanto, não se ultrapassava a dimensão distrital, correspondendo ao isolamento existente entre as várias ilhas do Arquipélago.
As primeiras eleições das Juntas Gerais confirmaram o poder de quem de facto o tinha na época nas nossas ilhas, os grandes terra-tenentes e os comerciantes de grosso trato; basta ver a composição das mesmas e ter em conta as limitações existentes na lei sobre o direito de voto, que era muito restrito. 
Cedo começaram a surgir as bem conhecidas dificuldades financeiras dos corpos administrativos distritais. As reclamações de novas receitas não encontravam despacho favorável em Lisboa, onde se estava assistindo ao fim da Monarquia e depois à implantação, no meio de grande instabilidade, da República. A chamada Segunda Campanha Autonomista, nos anos 20 do século passado, procurou dar visibilidade nacional aos problemas insulares, envolvendo também a Madeira, donde a organização da Visita dos Intelectuais, da qual, entre outras, veio a originar-se a obra de Raul Brandão, “Ilhas Desconhecidas”, ainda agora citada, muito merecidamente, nas suas descrições naturalistas da paisagem açoriana, mas descrevendo uma sociedade arcaica que hoje, felizmente, já não existe nos Açores.
O saldo de todas as diligências então realizadas foi muito limitado. No Congresso da República os Deputados e Senadores eleitos com uma base de índole regionalista, procurando superar as habituais querelas partidárias, ficaram a bradar no deserto, sem conseguirem fazer triunfar as suas justas reclamações. E não foi por falta de profissões de fé no acendrado portuguesismo das populações ilhoas, que até se chegou ao ponto de se afirmar o separatismo como “ coisa de gente doida”, gabando-se, em discurso no Senado, o General Simas Machado de ter mandado encerrar o jornal Açoriano Oriental durante alguns dias, no exercício do cargo de Alto Comissário da República, durante a I Guerra Mundial, por ter publicado um artigo saído num outro periódico das nossas comunidades nos Estados Unidos da América defendendo a independência dos Açores...
Foi já em plena Ditadura Militar que se conseguiu fazer publicar o Decreto de 16 de Fevereiro de 1928, dando algum alívio à situação financeira das Juntas Gerais; mas foi sol de bem pouca dura, pois Salazar assumiu a pasta das Finanças em Abril seguinte e pouco depois pôs cá fora o diploma que ficou conhecido como o “Terramoto Autonómico”:  a pretexto de confirmar a Autonomia dos distritos insulares, sobrecarregava-os  com novas despesas fixas, tolhendo grandemente a sua capacidade de iniciativa. Veio mais tarde o Estatuto dos Distritos Autónomos das Ilhas Adjacentes, que acabou com a eleição directa dos procuradores às Juntas Gerais, incluiu nas mesmas funcionários do Estado, a título de procuradores natos, deu ao Governador do Distrito, nomeado de Lisboa, o poder de nomear o Presidente da Junta Geral e ainda o de suspender as deliberações dela, caso as considerasse inconvenientes. Sem mais aquelas, as ilhas do Distrito da Horta foram também abrangidas pelo regime autonómico, agora reduzido a quase nada.
Em resumo: tanto a primeira como a segunda Campanha Autonomista reduziram as suas pretensões ao domínio meramente administrativo; tiveram em ambos os casos dimensão apenas distrital; só obtiveram ganho limitado de causa através de diplomas de governos ditatoriais; mesmo tendo alcançado a eleição de representantes parlamentares comprometidos com a Autonomia, por fora dos partidos políticos de âmbito nacional, não conseguiram estes obter apoio para as suas pretensões no Parlamento. 

   João Bosco Mota Amaral*
* (Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado 
Acordo Ortográfico)     

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