Diário dos Açores

Segredos bem guardados

Previous Article José Couto: De atleta modelo a treinador consagrado
Next Article Porto das Lajes das Flores volta a estar operacional e já recebeu o “Monte da Guia” Porto das Lajes das Flores volta a estar operacional e já recebeu o “Monte da Guia”

A riqueza dos nossos mares ultrapassa a dimensão estratégica da ZEE açoriana, a quantidade dos recursos piscícolas e de outros seres vivos e minerais cuja investigação será, certamente, desenvolvida nos próximos tempos.
O oceano que banha estas ilhas proporcionou, ao longo de cinco séculos, viagens bem e mal sucedidas nas ligações entre as Carreiras das Índias e das Américas, de onde os exploradores europeus transportavam especiarias, têxteis e porcelanas, ouro, prata e preciosidades.
Na encruzilhada do Atlântico, estas ilhas foram escaladas por navios, cuja riqueza transportada a bordo era cobiçada por corsários e piratas que atacavam e extorquíam sobretudo a carga mais valiosa.
A fragilidade das embarcações confrontava-se com intempéries e a inexistência de portos seguros contribuía para afundar nas profundezas do mar tripulantes e mercadorias.
Ao longo de cinco séculos, há notícias de cerca de um milhar de naufrágios nos mares açorianos e centenas de mortes (só em 1796, o afundamento da fragata francesa “Astreia”, junto ao porto de Santo Amaro do Pico, provocou 138 mortos).
O Arquivo de Naufrágios Documentados nos Açores (ANDA), atualizado em Setembro de 19991, revela que a primeira nau que se afundou no arquipélago chamava-se “Santa Maria de La Luz”. Foi em 1526 e o acidente ocorreu em local desconhecido.
Mais tarde, em 1554, o galeão espanhol “La Maria” naufragou junto à ilha do Pico com 2 milhões de pesos.
Uma dúzia de anos depois, uma nau de origem e nome desconhecidos afundou-se com 300 tonéis com 60 mil cruzados. O mesmo aconteceu em 20 de outubro à nau espanhola “Nuestra Señora de Guia” que transportava 200 mil ducados em ouro, prata e pérolas.
É muito extenso e minucioso o ANDA, pelo que se deduz que os mares do arquipélago encerram um abundante e rico património subaquático que importa conhecer, visitar e preservar. É essa a opinião defendida pelo arqueólogo Alexandre Monteiro,  quando afirma:“as cerca de oito centenas de naufrágios das águas açorianas constituem um santuário intemporal do património cultural subaquático”.
Nas últimas décadas, a prospeção e investigação arqueológica conheceu avanços significativos.
Os resultados permitiram criar nos nossos mares cinco parques arqueológicos subaquáticos. No entanto estão identificados 35 locais de visitação que podem ser frequentados por turistas e empresas que se dedicam ao turismo subaquático.
Mais três novos centros vão ser criados nas ilhas de São Jorge, Pico e Faial, onde ao longo de quatro séculos ocorreram vários naufrágios, como comprovam os gráficos anexos, retirados do trabalho daquele investigador.
Aquando das primeiras investigações realizadas na Baía de Angra para detetar e acautelar achados patrimoniais referidos por diversas fontes históricas temia-se que essa divulgação desse origem ao surgimento dos chamados “caçadores de tesouros”.
Felizmente, as autoridades regionais em ligação com investigadores e arqueólogos elaboraram legislação tendente a acautelar esse património, “testemunho do papel dos Açores na história europeia enquanto «encruzilhada do mundo» na navegação transcontinental ao longo de muitos séculos.”2 E Monteiro acrescenta: “os Açores são, hoje, inquestionavelmente, um dos sítios mundiais de maior potencial arqueológico. O número e o tipo das embarcações naufragadas, durante cerca de cinco séculos, é imenso e nele se inclui muitas variedades de navios à vela do período da expansão colonial que nunca foram estudados por arqueólogos navais.”
Recentemente decorreu um seminário transnacional com especialistas dos Açores, Madeira, Canárias, Cabo Verde e Senegal, ao qual, infelizmente, não se deu grande destaque informativo.
A Secretária Regional da Educação e Assuntos Culturais, presente no evento, manifestou a intenção de, através de imagens de vídeo, facilitar o acesso ao património subaquático a quem não têm oportunidade ou capacidade para mergulhar e visitar esses locais.
Esse será um processo que permitirá divulgar não só a nossa história trágico-marítima, mas o elevado valor dos bens transportados por 250 navios naufragados, como sejam “a prata, o ouro, ou a porcelana, a maior parte deles em quantidades até agora ainda não recuperadas  pelo menos oficialmente  em todas as operações de caça ao tesouro levadas a cabo em todo o mundo.”3
A exploração do património subaquático constitui mais um importante contributo para a indústria turística. Desenvolve-la a par da observação de cetáceos, da pesca desportiva, do mergulho e de outras atividades náuticas e desportivas em que se incluem as regatas e os passeios em botes baleeiros, trará um grande contributo à diversificação da oferta do destino Açores.
Já muito se evoluiu, é verdade, também por iniciativa dos próprios visitantes. Os trilhos pedestres, as caminhadas a pé, a subida às montanhas e outras atividades lúdicas surgiram recentemente para irem de encontro às preferências dos visitantes estrangeiros.
Temos um mar imenso por companhia que nos surpreende no bom e no mau tempo.
Importa conhecê-lo também na vertente arqueológica de modo a resgatar e conhecer os segredos da história de cinco séculos que envolveu os Açores nas encruzilhadas Atlânticas.
1Monteiro, Alexandre, “Carta Arqueológica Subaquática dos Açores -Metodologia, resultados e sua aplicação na gestão do património subaquático da Região Autónoma dos Açores”, in 3º Congresso de Arqueologia Peninsular, 21 a 27 de Setembro de 1999. Porto: ADECAP/Universidade de Trás-os-Montes.
2https://culture.ec.europa.eu/pt-pt/cultural-heritage/initiatives-and-success-stories/european-heritage-label/european-heritage-label-sites/underwater-cultural-heritage-of-the-azores-portugal
3Monteiro, opus cit.

*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com

José Gabriel Ávila*

Share

Print

Theme picker