Diário dos Açores

Lavoura sem governo

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Notícias inquietantes têm sido difundidas recentemente relativas aos, ainda, sectores mais relevantes da economia açoriana, nomeadamente a agropecuária e as indústrias transformadoras do leite. Digo ainda, porque parece que muitos dos intervenientes, hoje denominados por stake holders, que começam no produtor e suas associações ou cooperativas passando pelas indústrias e acabando nos governantes, ou disfarçam muito mal, ou parece quererem condenar a lavoura e as indústrias que dela dependem à morte lenta e agonizante, quem sabe na demanda de outras atividade económicas mais atraentes e modernas como o turismo que passou a ser a panaceia para todos os nossos males.
Num período de grande incerteza, com custos de produção incrementados por aumentos sucessivos do preço dos fatores de produção e energia, quando esforços no sentido da sua mitigação deveriam ser o propósito dos intervenientes, o que de facto ocorre são guerras fratricidas que não beneficiam mais do que meia dúzia de indivíduos cujas intenções e ambições fazem perigar o futuro desta atividade económica, com impactos tremendos, não só para todas as famílias que dependem do negócio, mas também para a economia regional cuja fragilidade é sobejamente conhecida.
 Uma tendência reiterada para a autodestruição, sobretudo quando um rumo é traçado, aparentemente, com bons resultados, todavia é alvo de uma permanente oposição, que se poderia classificar como verdadeira sabotagem, cujos propósitos são difíceis de descortinar, mas, claramente, distantes dos interesses da maioria.
Um bom exemplo deste movimento suicida, é o fenómeno que rodeia a Unileite (União das Cooperativas Agrícolas e de Lacticínios da Ilha de São Miguel). Em 2019 foi eleita, democraticamente, uma nova administração, liderada por Pedro Tavares, Pedro Costa e Nemésio Almeida. Curiosamente, na Cooperativa do Bom Pastor, aquela que apresenta maior número de delegados votantes às eleições da Unileite, foi a lista opositora que saiu vencedora, liderada por Vitoriano Falcão, Paulo Jorge Pacheco e Ricardo Pereira.
Num cenário ideal, estas duas administrações, poriam de lado as divergências pré-eleitorais e trabalhariam ambas em prol dos interesses dos seus cooperantes e por consequência de todo o sector agropecuário, uma vez que são instituições que desempenham um papel da maior relevância na proteção dos interesses dos agricultores. Contudo, o que se assistiu desde o primeiro dia foi exatamente o oposto, ou seja, uma guerra aberta com ataques permanente por parte da administração da Cooperativa do Bom Pastor à Unileite, com efeitos nefastos para todos os intervenientes, exceto, provavelmente, para quem promove o conflito.
Em 2019 estas duas instituições partiam de circunstâncias muito distintas e desde então têm caminhado em sentidos opostos. Se por um lado a Unileite vinha de uma situação financeira muito difícil, com crónicos défices de exploração e dívidas volumosas, estagnada quanto à visão de mercado e demasiado dependente de um só cliente, nomeadamente a Prolacto, com quem comercializa leite a baixo valor acrescentado, factos que no seu conjunto faziam perigar o seu futuro, por outro lado a Cooperativa do Bom Pastor partia de uma situação económica e financeira invejável, isenta de dívidas, com património e com uma atividade comercial pujante e assente em inúmeras representação de grandes marcas que confiavam naquela instituição, para tal contribuindo decisivamente a aquisição da então NSL Agroquímicos. Viveram-se anos de prosperidade e de crescimento sem paralelo na história daquela casa.
Desde as citadas eleições e respetivas tomadas de posse, tem-se vindo a assistir a um processo de saneamento financeiro da Unileite, fruto de decisões difíceis e impopulares, que prejudicaram a imagem e reputação dos corpos dirigentes, todavia essenciais para que a instituição pudesse prosseguir viva. Importantes medidas foram tomadas no que respeita à valorização dos produtos, um caminho difícil e lento é certo, mas positivo e necessário para o aumento do valor acrescentado, via diferenciação, e na melhoria das metodologias de distribuição e comercialização.
A tomada de posições negociais duras com a Prolacto e com o Governo Regional na proteção dos interesses da Unileite foram marcos fundamentais para o êxito dos exercícios contabilísticos dos últimos anos, que permitiram um recente aumento do preço de compra de leite ao produtor, que se antevê poder ser uma tendência de futuro, sempre e quando se mantenham políticas de rigor e boa gestão.
O futuro dos produtores só se poderá assegurar num quadro de competitividade económica no qual as indústrias transformadoras, necessariamente, têm que viver financeiramente saudáveis, de modo a proporcionar a justa compensação a quem, dia-a-dia ordenha as suas vacas, algo que, finalmente, parece começar a ocorrer na Unileite.
Em contraciclo a este processo de racionalização, saneamento financeiro e projeção comercial, parece viver a Cooperativa do Bom Pastor, na qual se observa uma galopante decadência do negócio e dos seus resultados.
Para quem tiver a curiosidade e a paciência de analisar o Relatório e Contas de 2021, só poderá assustar-se e pensará como terá sido possível, em tão-somente 3 anos, transformar superavit em défice e ativos em passivos que em 2021 já ultrapassavam os 14 milhões de euros.
Perante este cenário, é legítimo pensar-se se estas políticas de gestão se baseiam em medidas populares que garantem a boa vontade dos cooperantes no imediato, mas que comprometem o futuro. Será que os cooperantes têm a verdadeira consciência de que as facilidades de hoje vão, impreterivelmente, conduzir às dificuldades no amanhã? Terá que vir alguém para tomar as tais medidas impopulares, de quem ninguém gosta, para garantir a subsistência desta tão importante cooperativa?
Uma gestão profissional e isenta é o caminho seguro para que todos passam aceder a fatores de produção a um custo justo, não só no imediato mas sempre, parece porém que as políticas estão focadas somente no imediato e “amanhã quem vier que feche a porta”.
É esta administração da Cooperativa do Bom Pastor quem pretende liderar os destinos da Unileite. Para o efeito promoveu manifestações, Assembleias Gerais destitutivas (inéditas até então), eleições atrás de eleições, mudanças de estatutos com uma notória disposição antidemocrática e por fim, de acordo com a sentença do Tribunal Judicial de Ponta Delgada um provável crime de falsificação de documentos e determinou a anulação das eleições realizadas a 31 de janeiro.
Será este o modelo que a lavoura necessita? Será este o padrão a seguir em ordem a garantir o rendimento de milhares de pessoas que dependem desta atividade e de uma região que tem na agropecuária a sua principal fonte de receita?
Há tão só duas semanas, uma lista composta pelas mesmas pessoas que foram eleitas numas eleições consideradas irregulares, e saiu vencedora com 7 votos de vantagem para assumir a administração da Unileite. Dias após esta escolha, o Tribunal Judicial de Ponta Delgada pronunciou-se, como anteriormente foi referido, anulando as eleições da Cooperativa do Bom Pastor, pelo que todos os atos subsequentes da administração que daí resultou foram considerados nulos.
Nas eleições para os corpos dirigentes da Unileite, os delegados da Cooperativa do Bom Pastor, cuja legitimidade deixou de existir por força da anulação do ato eleitoral que os elegeu, votaram e contribuíram decisivamente para o desfecho que veio a verificar-se. Será isto possível?
A questão que se coloca neste momento é se as forças vivas da sociedade, da governação, da justiça e sobretudo da lavoura vão assobiar para o lado e ver a caravana passar, ou se pelo contrário se trará alguma decência a todo este processo, anulando-se umas eleições para a administração da Unileite, feridas de morte por irregularidades prévias.
Que alguém traga algum “governo” à lavoura.

Por: A.M.L. *

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