Diário dos Açores

A Economia grisalha

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Reúnem-se, diariamente, às portas do café do bairro. São desempregados de longa duração, produto das falências geradas pelos “anos da troika”. Nunca mais encontraram emprego compatível com as suas aptidões e saberes. Alguns ainda vivem do subsídio de desemprego, outros à custa dos salários das esposas.
Ninguém condena a sua inatividade, porque é voz comum que as empresas preferem gente nova, pagar salários mínimos ou de início de carreira, normalmente financiados pelo erário público, em programas de curta duração que alimentam a pecha da precariedade.
Conversam-fumam-conversam e assim passam as horas, os dias e os anos, segurando paredes ou lamentando-se que “já não prestam para nada...”, “já ninguém faz caso deles...”, até que  chegue o tempo da “reforma por invalidez”.
São “inválidos” à força. A economia consumista repudiou-os do sistema e, de um momento para o outro, viram-se na berma da estrada da sociedade a quem deram a sua vitalidade e engenho.  
Os novos idosos são um grupo em constante crescimento.
Nos Açores a população com 65 ou mais anos de idade atinge 39.115 habitantes (16,5% da população residente) fruto do envelhecimento generalizado.
Entre 2011 e 2021, essa faixa etária cresceu cerca de 21%, em linha com o registado a nível nacional.1 E a tendência é para aumentar.
As implicações desta situação complexa que afeta toda a Europa podem ser analisadas sobre diversos prismas.
Num pequeno arquipélago como o nosso, onde  há “uma elevada  concentração populacional em três ilhas do arquipélago - São Miguel, Terceira,e Faial–que, em conjunto, representam 85% da população”2, os constrangimentos são ainda maiores. Em 2021, dos 19 concelhos da Região, registou-se, um elevado aumento do índice de envelhecimento nos concelho das Lajes do Pico -o mais elevado (202,1),
da Calheta de São Jorge (190,4), das Lajes das Flores (186,0) e de Velas (166,8),  com tendência para agravamento.
O problema do envelhecimento demográfico não é novo e vários são os estudos académicos, chamando a atenção para esse fenómeno de que dependem o crescimento económico, o bem-estar e a saúde das populações. “Entre 2010 e 2020 o PIB per capita em paridade de poder de compra (PIBpc PPC) diminuiu de 75,0% para 67,3% (dados de 2020 provisórios) em relação à média da União Europeia.”3 E o PIB per capita nos Açores mantinha-se inferior à média nacional (17.121 euros por habitante nos Açores e 19.431 euros por habitante no país) - o segundo mais baixo de Portugal.
No Plano e Orçamento para 2023 aprovados esta semana pelo Parlamento Regional existem  medidas destinadas aos idosos e apoios repetidamente proclamados e publicitados para atenuar os constrangimentos desse grupo etário. No entanto, parece-me estar subjacente a essas medidas a ideia arreigada e ultrapassada da “invalidez”, da incapacidade e inutilidade de quem atingiu essa etapa da vida, cansado ou inadaptado ao desempenho de outra qualquer atividade laboral.
Não vislumbro uma estratégia política e social que envolva várias áreas governamentais e que aposte na prevenção da saúde, no envelhecimento ativo, na troca de experiências e na solidariedade intergeracional, na formação contínua para essa faixa etária, nem na aquisição de novas competências profissionais para os mais novos, como a formação de cuidadores, ou a disponibilização e proximidade de cuidados de saúde diferenciados que proporcionem aos idosos uma cada vez maior longevidade, no seu meio familiar.
O “Idosos em casa/Novos idosos”(2 milhões de euros)  pode ter essa intenção, no entanto as verbas do COMPAMID (8 milhões de euros) e os investimentos previstos em instalações de alojamento para idosos, refletem políticas do passado muito questionáveis, que colidem com o envelhecimento ativo proposto no Livro Verde do Envelhecimento. Essa diretiva foi aprovada durante a Presidência Portuguesa da UE, para consulta pública, mas nem uma palavra ou uma orientação se cita desse documento no Plano para 2023, embora o PRR contemple verbas para implementá-lo.
Longevidade e envelhecimento ativo são dois grandes objetivos estratégicos da União Europeia.
Estima-se que o desafio demográfico nas próximas décadas é de tal como complexo que deveria envolver na elaboração de programas de ação e objetivos bem definidos, várias áreas da governação, a sociedade civil, o tecido empresarial, a comunidade académica e as instituições culturais e religiosas.
Sei que me estou a repetir, nas não me canso de o fazer para que o problema não atinja, fatalmente, a sociedade das gerações vindoura.
Há novos conceitos e respostas diferentes para os desafios demográficos.
O Livro Verde do Envelhecimento faz uma análise muito detalhada de como fazer face a esses desafios. Entre as propostas concretas que podem ser seguidas se os responsáveis tiverem a lucidez e a determinação que se exige, refere que “O apoio à participação de pessoas idosas no mercado de trabalho poderia ser mais encorajado, nomeadamente através da concessão de incentivos fiscais aos empregadores que recrutam trabalhadores mais velhos.”
O Empreendedorismo sénior é outra proposta que “pode prolongar a vida ativa, reduzir o desemprego na velhice, melhorar a inclusão social das pessoas idosas e estimular a inovação através de empresas start-up. Pode igualmente fomentar a aprendizagem intergeracional e assegurar a transferência de conhecimentos.”4
Ainda recentemente realizou-se em Salamanca o Congresso sobre a Economia da Longevidade.
Segundo o jornalista do Expresso André Rito que acompanhou os trabalhos, uma das possibilidades de revigorar o sistema financeiro é apostar na Economia da Longevidade, pois “estima-se atualmente que este sector já ultrapasse os 90 mil milhões de euros, prevendo-se que até 2050 atinja os 300 mil milhões.”
A Economia “grisalha” pode passar a ser o negócio do futuro, desde que os responsáveis políticos e empresariais entendam que o envelhecimento não constitui um peso nem para a segurança social, nem para os orçamentos do Estado e das Empresas.
O Envelhecimento ativo pode responder à tão apregoada falta de mão de obra, desde que os idosos, com a sua experiência se sintam integrados e valorizados nos seus salários pelas empresas e pelo ambiente social que os rodeia.
Mas para isso há que apagar da mente de muita gente, a ideia desumana de que o idoso é um peso morto para a família e para a sociedade e como tal deve ser enclausurado dentro de lares, muitos dos quais, são autênticos “caixotes do lixo” da sociedade.
Essa mentalidade deve ser banida, a todo o custo, com projetos e estratégias de envelhecimento ativo que constitui uma alternativa ao nosso “inverno” demográfico.
1         http://base.alra.pt:82/iniciativas/iniciativas/XIIEPpDLR045.pdf
2        Proposta do Plano da RAA para 2023
3        idem
4 https://ec.europa.eu/info/sites/default/files/com_2021_50_f1_green_paper_pt.pdf

 

José Gabriel Ávila*
*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com

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