Diário dos Açores

A arte de ser moquenco

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Uso-a de vez em quando. Perguntei se na Terceira é usada e dizem-me que não.  Uma das minhas palavras favoritas do dia-a-dia micaelense é moquenco. Cresci a entender o moquenco como o tipo que finge que não está atento mas que está a topar tudo e a tirar notas. É aquele que se finge. Em certo sentido, podia ser o anti-micaelense, conhecido por falar alto e de forma desabrida sobre tudo.  Mas não. O moquenco é uma versão do micaelense. É o micaelense silencioso. Todos os micaelenses têm um amigo moquenco.  “Por que não dizes nada?”, perguntamos-lhe. Responde: “porque nada tenho a acrescentar”. (Mentira. Tem muito a acrescentar mas não diz).
É de desconfiar de um moquenco que comece a falar muito de um momento para o outro, de forma aparentemente sincera. Não é um exteriorizar de sinceridade. É apenas uma forma ocasional de ser moquenco.
Há muita gente que não topa o moquenco. Julga que é apenas uma questão de timidez.  Até ao momento em que alguém, um especialista em moquenquice, diz:  “Ui. O Alberto? O Alberto é um grande moquencão. Cuidado com ele!”
Quero crer que o moquenco ilhéu tem especificidades. É mais malino. É - também se diz - um mula.  Traz uma astúcia morna apurada em séculos de isolamento. Podia ser o sonso mas a palavra sonso é insuficiente para classificar o moquenco.  O moquenco é o sonso destas ilhas. Há, em conjunto com muitos de verbo fácil, uma linhagem de moquencos que fizeram o arquipélago.
Só nos Açores e na Madeira a palavra moquenco é usada para caracterizar uma pessoa com traços de manhosice.  Fátima Sequeira Dias, no seu muito divertido “Dicionário Sentimental da Ilha de São Miguel”, alerta: “Não podemos ter confiança no ‘moquenco’ porque ele não contará as novidades que almejamos saber, e até fingirá não as conhecer, quando, afinal, se não foi um dos seus protagonistas, esteve perto do acontecimento. Imperdoável”. Cá está: não conta, não partilha. Finge que não sabe mas sabe.
Encontrei uma definição de moquenco numa entrada do “Vocabulário popular do Arquipélago da Madeira”. Moquenco é aquele que “ouve pouco ou finge não ouvir”. Só a segunda parte será verdadeira em São Miguel. O moquenco é aquele que finge não ouvir mas ouve tudo ou quase tudo. Guarda depois a informação num arquivo ao qual só ele tem acesso.
O “Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa” não traz a palavra moquenco mas sim a palavra moquenquice, que significa  um “gesto que traduz escárnio” ou uma “forma de falar com o objectivo de enganar, iludir alguém = lábia”. Ora, a especialidade do moquenco micaelense é a omissão. É o não dizer. É o não afirmar que se sabe ou que se fez. Também há outro significado nacional para “monquenquise”: “Ausência, total ou não,  de vontade de trabalhar”. Podemos, nos Açores, dizer que o moquenco trabalha e muito a sua monquenquice. Ia usar a palavra matreirice mas não assenta. Monquenquice não tem não sinónimos à altura.
É provável que ser moquenco constitua um traço genético. Uma marca que vem da família. O que pode originar diálogos como este:  “O Alberto é um bocado moquenco”.   “O que é que querias? O tio, o Rogério, já era um moquencão de primeira!” (Reparemos que há um ranking. Um apuro).
Hoje em dia vigora a ideia de que tudo se resolve com um comprimido. O moquenco não se salva. Uma vez moquenco, para sempre moquenco. Ir ao psiquiatra e perguntar “Dr. Fragoso, o meu filho é moquenco. O que podemos fazer?” O psiquiatra, se for moquenco, vai ficar em silêncio e só vai dar uma resposta à terceira consulta.

Nuno Costa Santos *

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