Diário dos Açores

Santa Maria: com pouco (ou nada) a perder

Previous Article Previous Article Ponta Delgada vai ser Capital Portuguesa da Cultura em 2026

A convite da LPAZ, uma associação de valorização e promoção do património aeronáutico Açoreano, celebrei este sábado o dia internacional da aviação civil na única ilha dos Açores que não conhecia: Santa Maria.
Há mais de 20 anos que venho aos Açores e, apesar de ter as minhas ilhas preferidas (neste momento passaram de 8 para 9), Santa Maria nunca ficava de caminho.
Ser palestrante na conferência da LPAZ obrigou-me a refletir sobre essa falha que é tanto minha, como das circunstâncias. É a ilha mais próxima do Continente, é a ilha mais antiga, a que mais respira aviação, a que tem melhor tempo, enfim, tantas razões... mas nunca calhou. Faltam ligações diretas e práticas de Lisboa para Santa Maria, falta disponibilidade de lugares na única rota inter-ilhas existente para Ponta Delgada, falta uma ligação marítima de passageiros, enfim faltam opções interessantes e exequíveis que integrem a ilha mais oriental no resto do arquipélago.   
Em termos aéreos e de ligações para fora do arquipélago, os Açores têm duas ilhas liberalizadas desde 2015 (São Miguel e Terceira), três ilhas semi-liberalizadas (Faial, Pico e Santa Maria) e o resto (sem ligações sem escalas para o Continente). Enquanto Faial e Pico chegam a ter 12 voos e 6 voos diretos por semana para Lisboa, respetivamente, nos meses de maior procura, Santa Maria conta apenas com dois voos por semana durante o ano todo.  E, mesmo assim, alguns são “indiretos”, ou seja, num dos trajetos, o Airbus A321LR da Azores Airlines, economicamente pensado para fazer voos de 5-6 horas, descola de Santa Maria para um voo de 10 minutos até Ponta Delgada antes de regressar a Lisboa. O custo desta pequena operação é ecologica e financeiramente desastroso e não há compensação financeira do Estado ou carbónica dos passageiros que apague esta pegada.
O protecionismo – ou o semi-protecionismo – tem destas armadilhas: por vezes, de tanto querermos proteger, destruimos e “despreparamos” o protegido para a vida, aniquilando sem intenção todo o seu verdadeiro potencial. É o espelho do dilema que qualquer pai e mãe atravessam quando os seus filhos viram adolescentes e jovens adultos, mas ainda vivem no lar familiar: queremos protegê-los, mas em demasia não os prepara para a vida.
O mote da minha palestra em Santa Maria era: como conetá-la melhor com o mundo. Porque com o espaço e com o além, já sabemos que está. Comecemos, por isso, pelo princípio: ligar melhor Santa Maria ao Continente. Pelos estudantes, os professores, os familiares e os amigos, pelos trabalhadores da NAV, pelas reuniões de trabalho, pelos turistas e afins. Comecemos por ter o avião, as frequências e os horários certos. Comecemos por dar o incentivo e apoios certos. Uma rota pode ser deficitária para uma companhia e não para outra. Pode sê-lo quando operada com um tipo de avião, mas não com outro. Neste pobre e triste quadro de duas ligações semanais semi-diretas e semi-liberalizadas para o Continente (leia-se, Lisboa), Santa Maria está a perder. E não é por falta de dinheiro: o orçamento de Estado da República de 2023 prevê 9 milhões de euros para as ligações Continente-Faial, Pico e Santa Maria. É por falta de melhor gestão e de melhor solução para os recursos disponíveis.
É tempo dos poderes políticos testarem um novo modelo e aplicarem uma reflexão sobre como estimular e assegurar a conetividade aérea que se pretende e que esta ilha tanto necessita. Ter a coragem e a sabedoria de não dar o peixe, mas ensinar a pescar. Santa Maria parece-me ser a ilha certa para ensaiar este novo conceito. Confiem... de aviação, percebe ela.

Pedro Castro*
*Diretor da Sky Expert Consulting

Share

Print

Theme picker