Diário dos Açores

Educação e Busca de Sentido: Uma reflexão com base em Viktor E. Frankl (II)

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(Continuaçãodo texto publicado neste Jornal, “Diário dos Açores”, no dia 18 de dezembro de 2022, páginas 4 e 5).

Sobre a monstruosidade dos e nos campos de concentração, no caso em Auschwitz” o Autor afirma: “Só quem esteve lá é que sabe”. (Frankl, 2012, p.22). Como diz o provérbio: “Só quem passa é que sabe dar o valor”. Aqui o Conhecimento é uma Axiológica, atravessada pela carne. As pessoas entravam, e tudo era feito no sentido da sua despersonalização. Afirma ViktorKrankl: “Mas eu era o número 119.104 e passava a maior parte do tempo a cavar e a colocar carris para linhas férreas.” (Frankl, 2012, p. 23).
“Auschwitz”.
“Sabíamos que nada tínhamos a perder exceto as nossas existências ridiculamente nuas.” (Frankl, 2012, p. 30). [negritos nossos]

A vida no campo de concentração era dura e punha à prova os prisioneiros.
Afirma ViktorFrankl: “Aqueles de entre nós que eram médicos aprenderam, desde logo, uma: “Os manuais mentem!” (Frankl, 2012, p. 31). Os manuais escolarizam e não expressam a realidade da vida, tal como é vivida, sentida e pensada. Por isso Médicos e Filósofos como Karl Jaspers nunca quiseram uma Ciência desligada da vida e da Filosofia, cortaram – ou não chegaram a aderir – com/ao positivismo, que é diferente da positividade e facticidade com que a vida inevitavelmente se dá. O Rigor da Filosofia não está na maneira como Husserl dizia. A Filosofia não é uma Ciência de Rigor, mas é um Conhecimento com Rigor. O Rigor está na vida, como a que foi vivida e suportada, com Sentido, por ViktorFrankl e milhões de outras pessoas nos campos de concentração. Aguentemos a Vida e para quem crê, pedir a ajuda de Deus, de Jesus Cristo e a Luz do Divino Espírito Santo, tão adorado (Terceira Pessoa da Santíssima Trindade) nestes Açores e na Diáspora e tão aprofundado por Agostinho da Silva.
O Sentido é também um a priori. “Escreve ViktorFrankl: “Com base em convicções pessoais, que mencionarei mais tarde, fiz a mim mesmo a promessa firme, no meu primeiro dia no campo, de que “não correria para a vedação”. Esta era a frase usada no campo para descrever o método mais popular de suicídio – tocar na dedação de arame farpado eletrificada. (Frankl, 2012, pp: 32-33).
Toda a narrativa vai no sentido de mostrar a anormalidade mas também as vias de normalidade dentro da anormalidade. Afirma ViktorFrankl:

“Penso que foi Lessing que disse uma vez “Há coisas que nos levam forçosamente a perder a razão, caso contrário é porque já a perdemos”. Uma reação anormal a uma situação anormal é um comportamento normal. Até mesmo os psiquiatras esperam que as reações de umas pessoas numa situação anormal, tal como ser internado num asilo, sejam anormais em proporção com o grau da normalidade” (Frankl, 2012, p. 45.) [negritos nossos]

Ora, esta passagem revela a força do discernimento da Cultura para compreender fenómenos mentais. A verdadeira Cultura e as Coisas do Espírito são fundamentais para compreender os fenómenos da mente. Considero que atualmente há um fenómeno de psicologização da Escola cuja compreensão e resolução estão mais no domínio da Cultura, da Filosofia e da Literatura. Generaliza-se uma perceção que é – ou pode ser – prejudicial à compreensão saudável da Educação. É preciso encontrar o Sentido e as razões dos fenómenos e dos processos educativos. Urge educar a educação e isso exige uma Filosofia da Educação, exige o confronto sério e humano com a vida, em existência e coexistência.
A referência a Lessing é já um ato de Cultura bem como a outros escritores.   
         E sobre a Liberdade humana escreve ViktorFrankl: “O Homem pode preservar um vestígio de liberdade e independência espirituais, até mesmo em condições tão terríveis de stress físico e psíquico.” (Frankl, 2012, pp: 75-76).
    Mas também num campo de concentração pode vir ao de cima o melhor do ser humano em caridade e compaixão, mas também pode vir o pior de em vez de partir o pouco de naco de pão, tirá-lo sem humanidade. E esta ideia é bem vincada por ViktorFrankl, a de que não se pense de que no campo de concentração tudo é generosidade. No campo de concentração existe o que acontece cá fora, tanto há compaixão como egoísmo feroz. E Isso diz muito da natureza do Ser Humano.

    Narra ViktorFrankl:

    “Nós, que vivemos em campos de concentração, podemos recordar homens que iam de caserna em caserna para confortar os outros, oferecendo-lhes o último pedaço de pão. Podem ter sido poucos, mas constituem prova suficiente de que tudo pode ser tirado a um homem, menos uma coisa: a última das liberdades humanas – a possibilidade de escolhermos a nossa atitude em quaisquer circunstâncias, de escolhermos a nossa maneira de fazermos as coisas” (Frankl, 2012, p. 76). [negritos nossos]

Estas afirmações vão ao mais fundo e profundo do Saber, da Caridade, da Ontologia Educacional, vão à decisão de nos fazermos a nós mesmos, no mais íntimo de nós e a partir do mais íntimo de nós, na decisão íntima de Sermos. A Nossa Dignidade pessoal é um Sacrário Interior onde ninguém toca, só Deus. Afinal, o núcleo decisivo da nossa liberdade não é exterioridade, mas interioridade. Somos o Sol da nossa Consciência e é aí que se decide a mais profunda educação de nós, em nós e para nós e, indiretamente, é (In)Visível na sua manifestação de ser. Por isso a possibilidade é ser, não as possibilidades do ser, mas o ser das nossas possibilidades. Essa conceção, como vivência, tem uma força muito poderosa.
Estamos, pois, perante uma “decisão interior”, que vai ao mais íntimo de nós.
          Escreve ViktorFrankl:

 “(…). Em última análise torna-se evidente que o género de pessoa em que o preso se transforma era o resultado de uma decisão interior e não exclusivamente das influências do campo. Portanto, de uma forma fundamental, qualquer homem pode, mesmo em tais circunstâncias, decidir o que será feito dele – mental e espiritualmente. Pode manter a dignidade humana mesmo num campo de concentração. Dostoiévski disse uma vez: “Há só uma coisa que eu temo: não ser digno dos meus sofrimentos”. Lembrei-me com frequência destas palavras depois de tomar conhecimento daqueles mártires cujo comportamento no campo, cujo sofrimento e fome testemunho do facto de a derradeira liberdade interior nunca se poder perder. Pode dizer-se que foram dignos dos seus sofrimentos; a forma como suportaram o seu sofrimento foi um genuíno feito interior. É esta liberdade espiritual - que não pode ser roubada – que torna a vida algo com sentido e finalidade.” (Frankl, 2012, pp: 76-77). [negritos nossos]

É curioso notar o seguinte: sendo ViktorFrankl um Ser Humano excecional genial Médico Psiquiatra, que foi, apoia-se na Filosofia e na Literatura, neste caso em Dosoiévski e esta é uma dimensão essencial que pretendemos destacar, são as Humanidades Humanas, a Cultura na sua Pureza, que pode ajudar a compreender a Complexidade da Pessoa humana. Por isso o Autor afirmou “Os manuais mentem”. A ciência de manual não fala da experiência profundamente vivida e falada. Toda a escolarização redutora em rigor nada diz do fundo mais profundo do ser humano. E tomar consciência disso é um ato cultural, fundamental para a Verdadeira Educação, a educação como despojamento e, igualmente, empenhamento, com discernimento.
Há uma ideologia perigosa que é de pensar a vida sem o sofrimento, mas outra ideologia monstruosa é infligir o sofrimento, este é um procedimento bárbaro. Mas no sentido saudável o sofrimento é inerente à vida. Afirma ViktorFrankl: “O sofrimento é uma parte inextirpável da vida, tal como a morte e o destino. Sem o sofrimento e a morte, a vida humana não está completa.” (Frankl, 2012, p.77). Palavras duras, mas que falam da dureza da vida, tal qual a vida é.
E acrescenta, nesta lição dolorosa do sofrimento, não o sofrimento infligido, mas o sofrimento que a própria vida nos traz. Afirma ViktorFrankl: “A forma como um homem aceita o seu destino e todo o sofrimento que ele acarreta, a forma como carrega a sua cruz, concede-lhe bastas oportunidades – mesmo nas circunstâncias mais difíceis – para dar um sentido mais profundo à sua vida. Para manter-se corajoso, digno e altruísta.” (Frankl, 2012, p. 77).
É tempo de recuperar os Valores e o Sentido, desde logo na Educação. A Educação só forma com Princípios e Valores. Esse é um Desígnio para os nossos Tempos.

(Continua).
Nota: Texto publicado originalmente, quase na totalidade, na Revista Nova Águia, nº 30 – 2º semestre 2022, pp: 162-170).

Referências Biobibliográficas:
Frankl, Vitor (2012). O Homem em Busca de um Sentido. Córdova: Lua de Papel.
Fraga, Gustavo (1968). Depois do XIV Congresso Internacional de Filosofia. Coimbra: Livraria Almedina.
Medeiros, Emanuel Oliveira (2018). José Enes e Gustavo de Fraga. Pastores da Verdade na Luz do Ser. Lisboa: MIL. (Dedicado à minha amada Mãe, Leontina).

Emanuel Oliveira Medeiros
Professor Universitário*
*Doutorado e Agregado em Educação e na Especialidade de Filosofia  da Educação

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