(Conclusão dos textos publicados neste Jornal, “Diário dos Açores”, no dia 18 de dezembro de 2022, páginas 4 e 5, (I) no dia 23 de dezembro, na página 9 (II)) ).
O Espírito é o plano superior e com a sua força conseguimos, de facto, superar dores, sofrimentos, - não voluntários - que sem o dinamismo do Espírito seria muito difícil. A força interior é sempre determinante, “a elevação espiritual”, que, no fundo, é a forma humana. Em relação aos presos, entre os quais ele estava, era fundamental, segundo, Viktor Frankl, “transmitir-lhes força interior, de levá-los a divisar um objetivo futuro capaz de os motivar” (p. 82). E mais adiante acrescenta: “O preso que perdesse a fé no futuro – o seu futuro – estava condenado. Ao perder a crença no futuro, perdia igualmente o controlo espiritual; deixava-se decair e ficava sujeito a um definhamento físico e mental.”. (Frankl, 2012, p. 83).
É fundamental a fé no futuro e a vontade de vencer, mas que se mantém sempre, o dinamismo e a renovação da esperança é fundamental. Aqui não se trabalha por objetivos que podem falir e fazer definhar, trabalha-se por finalidades e sentido que se prolonga numa vida, tem a duração de uma vida, podem ser revistos e refeitos, mas manter sempre a chama acesa, o facho de luz que vai triunfar, procurar sempre na dinâmica da vida descortinar o que queremos entregar à morte e, para quem crê, entregar para a Vida Eterna. Pessoalmente, coloco o problema de Deus, o caminhar com Deus. É preciso uma Educação com Valores e ter o Sentido dos Valores Culminantes. Tudo isso aumenta a capacidade de resistência, a Capacidade de Ser.
Afirma ViktorFrankl: “As palavras de Nietzsche, “Aquele que tem uma razão para viver pode suportar quase tudo”, poderiam ser o lema de referência para qualquer esforço psicoterapêutico e psico-higiénico relativamente aos presos. Sempre que havia oportunidade para isso, era necessário dar-lhes uma razão – uma meta – para as suas vidas, de maneira a fortalece-los para enfrentarem as terríveis condições da sua existência.” (Frankl, 2012, p. 85). Urge mudar, para melhor, uma atitude em relação à vida, um propósito. Mas os desafios para a vida não podem ser genéricos e igual para todos. Escreve ViktorFrankl: “Esses desafios e, portanto, o sentido da vida, variam de pessoa para pessoa e de momento para momento. Assim sendo, é impossível definir o sentido de uma maneira geral. As questões sobre o sentido da vida não podem nunca ser respondidas por meio de declarações genéricas” (Frankl, 2012, p. 86). O Sentido da Vida não é vago e abstrato, mas algo muito preciso e concreto, “cada situação exige uma resposta diferente” (p.86). Ora pode ser mais adequado a “ação”, outras vezes pode ser mais adequado a “contemplação”. Diria que também pode ligar ação e contemplação. Ora a sociedade e a educação sofrem de ativismo. É preciso uma Educação pluridimensional e realizada com Sabedoria, orientada com sabedoria.
Descortinar o sentido do sofrimento. E uma vez mais ViktorFrankl apoia-se na Literatura, numa voz da Literatura: Rilke falou de “enfrentar o sofrimento” como outros falariam de “enfrentar o trabalho”. Enfrentar o sofrimento, mesmo confessando” “Expulsei-o à custa das lágrimas”, (cf. p. 87, disse um preso a ViktorFrankl. No fundo, por mais duro que seja, do que se tratava era de enfrentar o sofrimento, trabalhar o sofrimento, para melhor o aguentar e superar, um modo de se libertar, até onde é possível dizê-lo.
É curioso, e muito significativo, como este Grande Médico Psiquiatra – ele mesmo um Filósofo nato - vai encontrar na voz dos filósofos e dos literatos – da Filosofia e da Literatura - a autoridade para o ajudar num caminho íngreme e penoso. É claro que este sofrimento é abominável e monstruoso, a todos os títulos desumano e cruel. Mas há aqui algo sério. É que o sofrimento é inerente à vida humana. E o pior de tudo é dulcificar a vida e a educação e as pessoas deixam de estar preparadas para o difícil, o árduo e o esforço. E nada há de verdadeiramente grande sem sacrifício e sem sofrimento, este é o paradoxo. Tenhamos em mente o desporto de alta competição e o léxico que os desportistas proferem. E é Educação, Educação com Valores, Educação do Caráter. Esta educação está por fazer, dentro dos direitos humanos, esta educação que edifica está por fazer.
A Educação implica conhecimento, desde logo o conhecimento de nós. Era a divisa de Sócrates: “Conhece-te a ti mesmo”. Considero que os ensinamentos científicos de ViktorFrankl são essenciais para o nosso conhecimento como pessoas e para o conhecimento da educação, para a essência da Educação. Sem seiva a educação é um simulacro e um vazio. Ora, justamente, a “Logoterapia” visa evitar o perigoso “vácuo existencial”. A Vida é, a Vida tem sentido. Da vida e na vida encontramos imensas possibilidades de sentido. A logoterapia confronta o sujeito consigo mesmo, não é uma dulcificação. Afirma ViktorFrankl: “Ora bem, na logoterapia o paciente pode permanecer sentado mas tem de ouvir coisas que por vezes são muito desagradáveis de ouvir” (Frankl, 2012, p. 101). A logoterapia centra-se no futuro. Isto não significa que não há passado, até a matéria dura do passado pode ser posta a luzir para o futuro.Cortar com o passado seria decretar um estado de alzeimer, as dores do passado têm de se transfigurar em luz, em capacidade de resistir e de persistir. A resistência faz parte da vivência, que deve superar o que impede a vida, que é sempre mais forte quando o espírito é forte e se fortalece, dando Sentido. O homem é doador de sentido. Nesta aceção há uma afinidade possível com a fenomenologia. Não apenas no sentido passivo da consciência, mas no sentido ativo, na ação que é geradora de ser, que transforma as possibilidades em ser. Fazer algo que tenha ou ganhe sentido, com dureza, pureza e beleza.
O sofrimento do passado pode abrir luz e humanidade para o futuro, o Ser é uma entidade dinâmica que colhe realidade e luz do passado, do presente e projeta o futuro. Não podemos ficar imobilizados no passado, mas nele vislumbrar coisas que nos poderão ser úteis para a vida no presente e no futuro. Esta é uma reflexão que a logoterapia nos proporciona porque enfatiza o Sentido, ora o sentido pode ser em termos topológicos e na aceção de significação. A Logoterapia orienta-nos no sentido exterior e interior, sem que seja a única corrente nem o único meio a fazê-lo. Mas há aqui uma evidência de vida que é mais do que uma evidência científica, isto é, há a evidência de uma pessoa, de um genial Médico Psiquiatra – um Filósofo nato -que viveu na pele os horrores do campo de concentração ao mesmo tempo que tinha nos ombros a responsabilidade de fazer com que os outros presos descobrissem o sentido da vida, ou melhor, um sentido para a vida, pequenos grandes sentidos para a vida.
Um Professor bem formado deve estar preparado para as dimensões psicológicas na sua função, sem nenhum reducionismo psicologista. Vejo com muita ponderação os psicólogos e os assistentes sociais nas escolas. São necessários, sim, enquanto agentes que direcionam a sua ação para a educação e não gabinetes para onde são dirigidos os alunos por qualquer diagnóstico aparente, criando rótulos e estigmas. É preciso ter muito cuidado. Se é verdade que as instituições estão cada vez mais patológicas, a Saída é a Educação, com a ajuda, instrumental, de todos os outros saberes e meios que possam fazer com que a escola seja uma escola. A Escola é fazer crescer e ajudar a Ser.
Ora, a “Logoterapia”, é para ajudar a fazer crescer e ser, fazer com que a pessoa-sujeito extraia das suas potências matéria de sentido e significação para a sua vida. O sofrimento é duro, é, mas é uma nuvem negra que esconde atrás de si o sol que vai raiar e dar força e coragem no amanhecer. Voltemos ao Ser das Possibilidades. Tirar partido de tudo o que nos acontece, potenciar, “polir a taça” como um dia uma pessoa muito amada me disse. Nunca mais esqueci. E assim a ação foi coroada de êxito, na representação da taça.
Vejamos, agora, alguns tópicos.
“A Vontade de sentido”.
Afirma ViktorFrankl:
“O sentido é único e específico na medida em que tem de ser preenchido, e pode ser preenchido, somente por ele; só então assume um significado de satisfazer a sua própria vontade de sentido.” (pp: 102-103). E mais adiante escreve: “Os seres humanos são capazes, no entanto, de viver e até de morrer em nome dos seus valores e ideias!” .” (p.103). Seria bom que as instituições educativas fossem indutoras de valores de promoção individual e de solidariedade mas vejo que há uma competição e egoísmo ferozes que estão na origem de guerras e conflitos. O melhor do ser humano não está a ser trabalhado e potenciado. De outro modo como perceber, em toda a escala, os fenómenos de bullying e ciberbullying? É já preocupante. É preciso recuperar ideais de Rousseau para contrapor à realidade de Hobbes, que defendia que “o homem é o lobo do homem”.
Noodinâmica.
Afirma ViktorFrankl: “Convém dizer que a busca de sentido por parte dos seres humanos pode causar tensão em vez de equilíbrio. Não obstante, essa tensão é precisamente um pré-requisito indispensável da saúde mental. Arrisco-me a dizer que nada há no mundo capaz de ajudar tão eficazmente uma pessoa a sobreviver, até mesmo nas piores condições, como o conhecimento de que a sua vida tem um sentido. Há muita sabedoria nas palavras de Nietzsche: “Aquele que tem um razão para viver pode suportar quase tudo.” (p. 107).
(…)
Voltemos ao problema central do sentido. Afirma ViktorFrnakl: “Nos campos de concentração nazis, pudemos ver que aqueles que estavam conscientes de terem uma tarefa a realizar tinham mais possibilidades de sobreviver. Conclusões idênticas foram, entretanto, alcançadas por outros autores de livros sobre campos de concentração e resultaram igualmente de investigações psiquiátricas realizadas em campos de prisioneiros de guerra da Coreia do Norte e Vietname do Norte”. (p. 107). Ora, essa reflexão é da maior importância para o preenchimento do nosso ser e compreensão do que mantém desperta a consciência humana. Numa escala menor, é o que acontece com todo o ser humano, estar e sentir-se ocupado, mas, acima de tudo, sabendo que a sua vida tem um sentido. Que Alegria.
A Vida Tem um Sentido. Vai do Ser para o Ser Mais, por oposição ao niilismo, que é mau conselheiro. O Poder da Vida e do seu Sentido. O “Sentido potencial”. A tensão tem uma função essencial à “saúde mental” e à educação. Afirma ViktorFrankal: “Aquilo de que o Homem necessita não é a homeostasia mas aquilo a que chamo “noodinâmica”, ou seja, a dinâmica existencial de um campo polar de tensão, no qual um polo é representado por um sentido a ser preenchido e o outro pela pessoa que tem de o preencher.” VitorFrankl cita Schopenhauer, entre outros.
Afirma ViktorFrankl. “Numa palavra, cada pessoa é questionada pela vida; e à vida cada um pode apenas responder sendo responsável. Deste modo, a logoterapia encara a responsabilização como sendo a própria essência da existência humana.” (Frankl, 2012,p.111).
E não serão – ou devem ser - a Educação e a Cultura essas atividades humanas de consciencialização e corresponsabilização?
Nota: Texto publicado, mas íntegra, originalmente, na Revista Nova Águia, nº 30 – 2º semestre 2022, pp: 162-170.
Referências Biobibliográficas:
Frankl, Vitor (2012). O Homem em Busca de um Sentido. Córdova: Lua de Papel.
Fraga, Gustavo (1968). Depois do XIV Congresso Internacional de Filosofia. Coimbra: Livraria Almedina.
Medeiros, Emanuel Oliveira (2018). José Enes e Gustavo de Fraga. Pastores da Verdade na Luz do Ser. Lisboa: MIL. (Dedicado à minha amada Mãe, Leontina).
Emanuel Oliveira Medeiros
Professor Universitário*
*Doutorado e Agregado em Educação e na Especialidade de Filosofia da Educação