Diário dos Açores

2023: Recessão e “ondas de choque”

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Rui Almeida

Sendo tempo de renovação para uns, de afirmação para outros, de radical mudança para outros tantos, a viragem de ano é, seguramente para todos, um momento psicológico de esperança.
Os indicadores são, porém, muito claros: que do ponto de vista internacional, quer a nível doméstico, os tempos que se seguem são de recessão, de acrescidas dificuldades conjunturais para os países, a economia, as famílias, os cidadãos.
Importa partir destes pressupostos que os últimos doze meses moldaram, para que as surpresas sejam mitigadas e a ansiedade controlada. O conflito no leste da Europa produziu um efeito “butterfly” generalizado, promovendo a solidez da economia oriental (sobretudo a chinesa, e para mais em ano de congresso do seu partido único), e a degradação progressiva e consistente das relações financeiras no ocidente, com o agravamento das taxas de juro, os condicionalismos nas trocas comerciais e os bloqueios gerados por “chain reactions” nem sempre a uma voz, nem sempre totalmente justas, nem sempre com a necessária visão proativa que permitisse salvaguardar muitos milhões de cidadãos das onda de choque, sobretudo de médio e longo prazo, delas resultantes.
Este é o quadro para o “réveillon”, feliz expressão francesa que personifica o sonho e a esperança, ma que, neste caso, marca apenas administrativamente a viragem de dezembro para janeiro.

Política regional: coligação (mesmo) para quatro anos

Enquanto no país se desmorona o edifício maioritário sonhado por António Costa para uma governação quase sempre a uma só voz, com irritantes e mal disfarçados tiques de autoritarismo e arrogância quanto-baste (de que a sua entrevista à revista “Visão” é exemplo cabal, um dos piores exercícios de comunicação política dos últimos largos tempos, em Portugal…), na região há uma curiosa mimetização do Partido Socialista, remetido, de há dois anos a esta parte, a uma (o)posição a que não estava habituado há quase duas décadas e meia.
Situação e oposição obrigam a estratégias e protagonismos muitos distintos, e dos sucessivos comportamentos do PS regional resultam duas conclusões: a de que, internamente, é premente uma renovação de “quadros pensantes”, de inteligência política e emocional acima da média, que possam fazer esquecer tristes figuras de alguns dos seus dignitários em cenários nobres (o comportamento sistemático de alguns dos deputados socialistas na Assembleia Legislativa Regional é disso o melhor - ou pior… - exemplo), e, talvez ainda mais importante, um reposicionamento perante o eleitorado, com propostas claras, inequívocas, verdadeiramente alternativas à “governação coligada” de direita, que reponham o PS como forte e consistente alternativa de centro-esquerda e o preparem efetivamente para as eleições regionais de outubro de 2024.
Porque é isso que sucederá: a coligação vai mesmo governar quatro anos (pelo menos) nos Açores. É hoje claro, e sê-lo-á em 2023, que é muito mais o que une os seus integrantes do que o que os separa.

Num quadro como o lançado à aprovação da ALRA há pouco mais de dois anos, importa a componente prática, de permanente negociação e equilibro interno, de capacidade de geração de pontes e pontos de contacto, de diplomacia no executivo e para fora dele.
E, neste particular, talvez mais ninguém, no atual quadro político-partidário açoriano, estivesse à altura de o conseguir, como José Manuel Bolieiro. A “diplomacia de filigrana” que o Presidente do Governo dos Açores tem revelado e aplicado (e que corresponde, de resto, às suas apetências e características pessoais) é a “arte escondida” que tem mantido a estabilidade a coligação. Artur Lima e Paulo Estevão não são personagens fáceis, têm uma clara agenda pessoal e política na região e, em muitas situações, são entraves fortes (também pela sua personalidade), a uma mais fácil e entendível articulação do tridente governamental. Bolieiro já cedeu várias vezes, mas em muitas outras foi forçado a “levantar a voz” e a mostrar a veia presidencial fundamental.


Com a aprovação do Plano e Orçamento para 2023, dissipam-se todas as dúvidas (porque este era o “timing” mais difícil a ultrapassar pelo executivo no parlamento): o atual Governo dos Açores seguirá até às “Regionais” de 2024, para espanto de alguns e irritação de outros tantos. Mas, seguramente, numa demonstração de que, em política, ainda é mais-valia a capacidade de diálogo, de concertação, de articulação e de cedência.


Comunicação Social: 2023 decisivo para a RTP Açores


A RTP Açores é um pilar da autonomia regional. Assume um papel determinante na unificação territorial e tem trilhado um caminho nem sempre fácil de afirmação como a marca mais significativa na comunicação social açoriana.


O próximo ano é determinante para, em termos estratégicos, se perceber a verdadeira dimensão competitiva e o real posicionamento da rádio e da televisão regionais num espetro alargado ao digital e num meio que não vive apenas de câmaras, microfones, luzes e cursores. Vive, essencialmente, de pessoas. De Talento e de talentos.


A estação regional não pode continuar a ver migrar alguns dos seus principais nomes jovens ou menos jovens, sem corrigir a pecha nos recursos humanos. Terá, no próximo ano, de aumentar a sua capacidade de pressão e persuasão junto das instâncias centrais, sob pena de, a um imenso investimento em recursos físicos e técnicos, não corresponder a valorização humana dos seus quadros. Que passa, evidentemente, pela sua constante e crescente motivação.


Acresce um desafio enorme, que apenas deve ser protagonizado por quem tenha experiência e vocação interna para o fazer: o de repensar a televisão e a rádio nos Açores. Quem a vê, quando o faz, com que motivações? Qual a estratégia de médio e longo prazo para a informação e a programação? Com que talentos? Como valorizar a marca, olhando para o todo mas, essencialmente, para as partes e para os pormenores? Como (continuar) a potenciar e a maximizar o digital, tão importante para a “décima ilha” dos Açores?…


Um desafio interessantíssimo, que o Diretor da estação nos Açores, Rui Goulart, tem competência para levar adiante. Mas ele próprio sabe que não o pode fazer sozinho e, às vezes, é importante (fundamental, mesmo), apostar nas companhias certas. Com a necessária tolerância para com uma estrutura que tem de se redaptar para os novo desafios, e com a inteligência emocional essencial para reconhecer que este é o momento para o fazer.


“Homem do Ano”: Paulo Moniz


Marca a agenda no exterior da região. Com a sua experiência e, essencialmente, com o reconhecimento do que é fundamental em cada momento, Paulo Moniz ganha posição de destaque entre o seu grupo parlamentar na Assembleia da República, seja em matérias autonómicas, seja na capacidade oratória e argumentativa.


Mas o deputado em questão eleva o debate político a uma dimensão ética a que poucos chegam: no modo como se exprime, na certeza e no estudo dos temas que aborda, na qualidade das intervenções e na defesa dos Açores e dos açorianos. Há uma linha que distingue a sua ação: a da cidadania e urbanidade, emparceirada com a segurança e o conhecimento.


Paulo Moniz estará na AR em 2023, mas é claramente o nome, nas hostes social-democratas, que emerge para outro tipo de missões. Muitos gostariam de o ver no Parlamento Europeu, como uma autorizada voz da região, tão debilitada na sua efetiva representação em Bruxelas e Estrasburgo. Mas uma importante franja coloca-o em primazia para cargos bem mais significativos intra-muros. Em qualquer dos casos, o melhor “ativo” da política açoriana, com muito, ainda, para mostrar e lutar em defesa do seu arquipélago.


Impossível!…


Um abraço forte às leitoras e aos leitores do “Diário dos Açores”.

Um abraço de coragem, de resiliência, de capacidade de luta pelos objetivos individuais.

Olhar em frente e perceber que o impossível é apenas mais difícil, não é apenas uma ajuda para um melhor ano: é uma linha de rumo, uma luz no horizonte, um caminho certo para o futuro.


Rui Almeida *

Jornalista/Apresentador de Televisão

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