Diário dos Açores

Açores sem rumo: uma gigantesca fábrica de gente pobre

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Os Açores são uma região sem rumo; passam-se os anos e a tendência de todos os indicadores é consistentemente negativa. A última estatística divulgada, pelo Instituto Nacional de Estatística e pelo Serviço Regional de Estatística dos Açores, mostra que de 2010 até hoje o PIB per capita baixou de 75% para 65.8% do valor médio correspondente para a Europa.
Depois de tantos milhões de euros despejados na economia dos Açores, divergimos em 10 anos quase 10 pontos percentuais em relação à média europeia. Regredimos na pobreza, nas desigualdades sociais, no desempenho académico; e fazemo-lo há demasiado tempo, com uma elite, política, académica e empresarial, incapaz de inverter o estado lastimável das coisas e a assistir impotente ao nosso caminhar para uma pobreza cada vez mais acentuada.
Na educação, o pilar do desenvolvimento futuro de qualquer sociedade, o desempenho dos nossos jovens, quer frequentem o ensino público, quer estudem em colégios particulares pagos a “peso de ouro”, é simplesmente medíocre, com várias escolas a nem sequer chegarem a uma média de 10 nas disciplinas fulcrais, e sem uma única das escolas a conseguir atingir um 14 de média.
Multiplicam-se há anos seguidos e sem sucesso vários programas de apoio e não se pára um segundo para ver como é feito em países onde o desempenho é de excelência; países que assentam a base do ensino na estabilidade, onde os programas escolares e os livros se mantêm pelo menos por 10 anos, sendo as alteração largamente discutidas e reflectidas antes de serem implementadas; na disciplina, sendo o professor uma autoridade respeitada na sala de aula; na exigência, onde os alunos só passam se atingirem o mínimo de 14, ou seja, o BOM.
A universidade vive em permanente estado de agonia financeira, o que lhe retira a capacidade de implementar parcerias de colaboração científica com universidades de referência nos Estados Unidos da América e na Europa, de contratar melhores professores no mercado internacional e de investir na criação dos “clusters” industriais de que os Açores necessitam para o seu futuro desenvolvimento; como sejam os”clusters” do mar, da exploração dos recursos em mar profundo, das obras marítimas, do estudo dos fenómenos sísmicos, das tecnologias digitais, etc.
Não refiro propositadamente a plataforma de lançamento de satélites em Santa Maria, porque muito recentemente a Suécia anunciou que vai instalar uma semelhante numa zona remota e desabitada a Norte, o que por razões de segurança se torna muito mais adequado. Tem-se insistido neste programa, ignorando inúmeras chamadas de atenção de muita gente para os perigos que uma plataforma destas poderá representar para as populações de Santa Maria e São Miguel, e sem nunca se ter percebido que todo este programa tinha como único objectivo arranjar financiamento extra para as universidades técnicas do Continente e para as empresas dedicadas à indústria espacial nas zonas de Coimbra, de Aveiro e do Minho, sendo dedicado aos Açores simplesmente o local de onde se lançariam os satélites, sem que isso trouxesse qualquer desenvolvimento industrial ou científico à Região.
O Laboratório Regional de Engenharia Civil continua sem ter dotação financeira para se tornar um laboratório para todas as engenharias e de, com isso, desempenhar um papel fundamental na criação dos mencionados “clusters”.
Relembre-se que a Irlanda decidiu há mais de 20 anos pela criação de dois “clusters”, o da indústria digital e o da indústria farmacêutica; adaptou os seus cursos de engenharia ao que era requerido pelas empresas de renome mundial nestas duas áreas, desenvolveu parques industriais adjacentes aos campus universitários, e assim tornou-se uma das economias mais pujantes na Europa.
Os programas para bolsas de doutoramento são insuficientes para que se consiga a captação de uma quantidade considerável de alunos de doutoramento; não se aposta na criação de um gabinete jurídico na Administração Regional para apoio efectivo à emissão de patentes, e não se preparam as estruturas de apoio para a fixação de “start-ups” na Região.
A balança de pagamentos tem sido sempre negativa, importando-se quase tudo, mesmo produtos que poderiam ser cultivados localmente; não se aposta num objectivo estratégico de diversificação da actividade agrícola para substituir as importações de produtos frutícolas, hortícolas, etc.
A política agrícola assenta principalmente na obtenção da subsidiação inscrita nos programas da União Europeia para a fileira do leite, como forma de resolver o problema crónico do esmagamento do preço do leite pago ao produtor consistentemente feito pela indústria transformadora; não se prepara o sector para vencer a concorrência pela qualidade do seu leite, diversificando para uma oferta superior ou mesmo apostando numa alargada reconversão biológica, nem se prepara a conquista de outros mercados, apesar de se apregoar insistentemente a qualidade superior que este tem em relação aos demais.
A grande maioria dos empresários vivem em completa e crónica dependência dos subsídios do Governo Regional e do endividamento bancário para cobrir a parte que lhes estaria acometida nos investimentos que fazem; instalou-se uma cultura e um “modus faciendi” de um comum rendeiro; perdeu-se o espírito do empreendedor que deveria estar subjacente à génese do empresário.
A valorização dos trabalhadores das empresas é praticamente inexistente, sendo a percentagem do salário mínimo já superior a 35% do total de trabalhadores por conta de outrem. E não há a menor vontade de alterar esta realidade, porquanto da recente crise de falta de mão-de-obra para a indústria do turismo, a solução apresentada pelos empresários ao Governo Regional foi a de aligeirar a entrada de quadros não qualificados provenientes de África, da Ásia ou da América Latina, em detrimento de ensaiarem um aumento da remuneração mínima como forma de reter os seus funcionários e de aliciar novos trabalhadores.
Elegeu-se a desertificação e a falta de coesão das ilhas dos Açores como um dos problemas principais a resolver, mas não se fomenta a oferta turística integrada do arquipélago, e concentra-se a maioria das entradas de turistas, por via aérea ou marítima, em Ponta Delgada.
Apostou-se assim numa estratégia que deteriora a qualidade da oferta em São Miguel, pela quantidade exagerada de turistas que acolhe nos períodos de pico de actividade, deixando quase ao abandono as restantes ilhas que sofrem de uma dupla insularidade; vejam-se as recorrentes queixas dos empresários do Triângulo quanto à falta de ligações aéreas ao exterior.
Quer-se fixar a população jovem às suas ilhas, mas as empresas não a empregam nem apostam na sua qualificação profissional; como consequência tem-se uma taxa de desemprego jovem permanente acima dos 10%, o que corresponde sensivelmente a 5’000 jovens que vêm as suas vidas adiadas; acredite quem quiser que se consegue mantê-los nos Açores.
A classe política insiste recorrentemente no tema do aprofundamento da Autonomia, tema totalmente opaco e irrelevante para a grande maioria da população, acabando sempre na pretensão de reforçar as transferências monetárias ao abrigo da Lei das Finanças Regionais, redundando por isso num aumento da dependência da República.
Pede-se mais dinheiro, sem que se diga para o que se quer esse dinheiro, nem como se se pretende diminuir a dependência financeira a médio ou longo prazo com a aplicação desses reforços no desenvolvimento estrutural e sustentado do tecido económico de todas as ilhas dos Açores.
A mentalidade da “mão estendida” espalhou-se de forma transversal a toda a sociedade, e a exagerada dependência do dinheiro que vem de fora, ou dos subsídios atribuídos pelo Governo Regional tem sido o “cancro” que tem corroído a capacidade de “sonhar grande” das gentes dos Açores, tornando-as num povo sem ambição.
Esta mentalidade fez dos Açores a região mais pobre de Portugal e da Europa; as nove ilhas são assim uma gigantesca “fábrica de gente pobre”.
Gostava muito de ter uma perspectiva mais animadora neste início de novo ano, mas infelizmente não tenho visto qualquer sinal positivo para a inversão deste rumo; nem da classe política, nem dos governantes, nem dos empresários nem das elites académicas.
Votos de bom ano a todos e de que em 2023 se comece finalmente a inverter este rumo que nos trouxe à mendicidade.

Nuno Ferreira Domingues *

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