Diário dos Açores

D. Armando: Por uma Igreja renovada

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A Homilia do Novo Bispo dos Açores, na Eucaristia solene realizada na Sé de Angra, constitui um documento pastoral notável.
D. Armando Domingues, teve a “ousadia” de transmitir ao Povo dos Açores, crente e não crente, praticante ou praticante o seu entendimento sobre o que dever ser um Pastor que caminha, lado a lado, com a população destas ilhas - “gente genuinamente boa e simpática, (...) tão corajosa e resiliente que nem as forças incontroláveis vindas do interior da terra ou do mais secreto do mar alguma vez venceram”. E acrescentou: “Aqui sente-se que a fé é constitutiva da vida, dos costumes e da história e que, sem ela, os Açores não seriam o que são” (…) “sente-se que Deus é de casa, é da família, está nos perigos como na festa, explica-se Amor na solidariedade com o próximo, basta ver a devoção ao Espírito Santo, ou Misericordioso nos fracassos e pecados na piedade crística do Senhor Santo Cristo ou Bom Jesus dos Milagres. É um Deus que dança com todos e até dá pão a todos, pela mão de irmãos, mesmo que estes fiquem de mãos e arcas vazias!”1
Uma mensagem alegre, empática, plena de humanismo cristão, baseado no Evangelho.
A Homilia é um documento programático que irá nortear a atuação do 40º Bispo dos Açores e - atrevo-me também a dizê-lo – deveria também fazer pensar os 17 bispos ali presentes, bem como o clero e os fiéis.
A abertura ao outro, quem quer que ele seja, é uma das suas prioridades que passa por “Acolher, escutar respeitosamente, descobrir a riqueza que há em quem pensa de forma diferente, animar a todos, trabalhem ou não connosco, sejam mais ou menos crentes”. Não de forma sectária ou prosélita, como recomendou recentemente o Papa Francisco a catequistas, mas anunciando o Evangelho, e “desperta[ndo] o dom de cada um”(...) “sem imposições”.
Ele próprio dá o exemplo ao anunciar ir manter a porta sempre aberta ao diálogo com quem quer que seja: “A minha porta e coração estarão sempre abertos para todos, seja na casa episcopal ou em qualquer casa em outras ilhas. Que não se diga que o bispo está muito ocupado”.
A evangelização é uma prioridade que “não pode ser feita apenas por uns poucos sábios, mas por todos os batizados.” Referência clara ao clericalismo tão criticado pelo Papa e melhor explicado na entrevista concedida à RTP-Açores. Essa pecha abrange o clero, mas os próprios leigos e retira-lhes criatividade e capacidade de, por si próprios, tomarem iniciativas.
Outra prioridade elencada por D. Armando é a sinodalidade: “Não é uma técnica nova, - explica - mas uma experiência de reciprocidade, onde a diversidade é riqueza, a partilha de sonhos uma necessidade e a unidade um milagre. (…) O Espírito Santo é o grande protagonista da sinodalidade e só Ele nos pode levar a perceber o que Deus tem a dizer de novo à Igreja.”
A terceira prioridade da ação pastoral do Bispo é a Juventude no ano em que decorrem em Lisboa as Jornadas Mundiais da Juventude.
É um momento de tal modo importante para o rejuvenescimento da Igreja açoriana que solicita aos responsáveis eclesiais e a todos os movimentos juvenis que se envolvam na preparação e no acontecimento, “pois não há renovação na Igreja nem na sociedade, sem o protagonismo dos jovens. Nunca digamos que eles não sabem ou não querem… caminhemos com eles!”.
Este e outros apelos revelam o pensamento profundamente evangélico e verdadeiramente conciliar e sinodal do novo Bispo.
Ele sabe interpretar o aggiornamento de João XXIII e a renovação eclesial do Papa Francisco, como muito poucos bispos o fazem, atendendo a que a sua formação académica foi sujeita às restrições impostas às Universidades e aos teólogos conciliares pela Sagrada Congregação da Doutrina da Fé, no pontificado de João Paulo II.
Essas imposições contradizem “a riqueza da diversidade” e a liberdade evangélica, mas fizeram escola na educação académica ministrada em muitos Seminários e Universidades Católicas, deixaram marcas profundas na mentalidade de gerações de sacerdotes que se enclausuraram num ritualismo bafiento, num cristianismo de sacristia, avesso aos homens e ao mundo pós-moderno a que a Igreja não soube analisar nem responder.
Um retrocesso enorme contrariou o espírito conciliar do Vaticano II em favor de uma teologia doutrinária e apologética que marcou o estilo e a prática pastoral de sacerdotes e de professores de Seminários formados em Roma.
Esse recuo doutrinário afetou reputados teólogos conciliares, afastados do ensino ou desacreditados pela Cúria Romana: B.Haering, Hans Kung, Karl Rahner, Chenu, Yves Congar, Balthasar, Daniélou, Schillebeeckx, e outros defensores da Teologia da Libertação como Gustavo Gutierres e Leonardo Boff.  
Em resultado disso vieram então ao de cima as vozes de teólogos e bispos conservadores, como Monsenhor Marcel Lefèbvre que acabou formando um grupo dissidente (Fraternidade de Pio X) e que, ao proceder à nomeação de seus próprios bispos, foi excomungado por João Paulo II (1988).
Em 1984, João Paulo II permite que os bispos diocesanos celebrem a missa em latim, segundo o rito anterior ao concílio e, em 1985, convoca um sínodo extraordinário sobre o concílio. Foi substituído o conceito de Povo de Deus pelo de Igreja comunhão e Corpo de Cristo, relevou-se a importância da santidade e da cruz na Igreja em oposição à visão cristã do mundo preconizada pela Gaudium et Spes2 e o Código do Direito Canónico revisto foi considerado o documento/tradução das constituições e decretos conciliares. Assistiu-se a uma regressão ao tempo pré-conciliar, ou como afirmam alguns, a uma contra-reforma conciliar que não soube interpretar os sinais dos tempos e originou o abandono de muitos fiéis da Igreja Católica. Neste contexto foi determinante o papel da Congregação da Doutrina da Fé, dirigida pelo Cardeal Ratzinguer, de quem o teólogo espanhol Juan Antonio Estrada S.J. afirmou: “Ratzinger foi um teólogo aberto durante o Concílio e depois transformou-se num tradicionalista que combatia as ideias que defendera”.
Foram providenciais a demissão do Papa Bento XVI e a eleição do Papa Francisco.
O Bispo de Roma terá como fiel seguidor e companheiro nestas nove ilhas D. Armando Domingues, em demanda de uma Igreja de todos, ao serviço dos pobres, “que não se desgaste a falar para dentro, a preocupar-se apenas e sempre com os mesmos, mas fale para fora, até aos afastados e descrentes, e diga apenas o Evangelho”. Porque em seu entender “a Igreja nas suas expressões, não existe para si própria, (...) [mas] para aprontar e apontar caminhos por onde Jesus passe para gerar homens novos para novos tempos.”
Face à ingente tarefa de dinamizar a Missão, e perante uma Igreja clerical, desmotivada, envelhecida, despovoada, D. Armando sonha com uma “Igreja de Esperança capaz de galvanizar a todos, descentrada de si própria, (...) laboratório do Reino, escola de fraternidade,(...) capaz de deixar Cristo à solta no meio dos homens”.
E conclui: “Ajudemos a que todos se sintam felizes no que fazem e o façam o melhor possível.”
Oxalá o entusiasmo, a empatia, a capacidade de diálogo e aceitação de opiniões e diferenças mobilizem os responsáveis pastorais e laicais para que se cumpra o desígnio evangélico da dignificação do “homem todo e de todos os homens”.
Que tenha um apostolado longo e profícuo, D. Armando Domingues.
1Homilia de D. Armando Domingues, proferida na Sé de Angra, em 15jan2023
2https://www.ihu.unisinos.br/images/stories/cadernos/teopublica/081_cadernosteologiapublica.pdfIdem pags 25 e 26

José Gabriel Ávila*

*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com

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