Diário dos Açores

Pobres e desonrados

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Se há uma área crucial onde a nossa Autonomia falhou redondamente, ao longo destes anos, foi no combate à pobreza.
Nenhum governo levou esta grave questão a sério e ainda hoje, incrivelmente, se encomendam estudos sobre o problema, quando ele já está mais do que estudado, diagnosticado e cheio de sugestões para um combate mais rigoroso e eficaz.
O último Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, publicado pelo INE, é um retrato penoso para a nossa região, na senda de outros anos em que mantemos sempre a liderança da taxa de pobreza do país e das desigualdades.
O sociólogo Fernando Diogo não se cansa de estudar este assunto e num dos seus últimos estudos, publicado em 2019, já chamava a atenção para a gravidade da situação em que nos encontrávamos.
Daí para cá pouco se fez, como também pouco se tinha feito anteriormente.
E já nessa altura o professor universitário sublinhava que se devia dar atenção a S. Miguel e Terceira, esta em menor dimensão, onde se concentrava o maior número de famílias pobres.
 “A concentração territorial é, pois, um contributo para se responder à questão do que é que contribui para a pobreza nos Açores (neste caso para a sua desigual distribuição intra-arquipélago e para a sua persistência no tempo). Contudo, existem outros resultados no RSI que nos dão algumas pistas sobre a forma como se configura a pobreza na Região, desde logo os dados relativos à prestação média por região (NUTS II). Nestes podemos observar que nos Açores o seu valor se encontra substancialmente abaixo da média das restantes regiões do país, e de forma bastante destacada “, conclui o Dr. Fernando Diogo, que avança ainda com as questões da qualidade dos empregos disponíveis, das desigualdades de género no acesso ao mercado de trabalho e das qualificações escolares como outros factores importantes para explicar a incidência da pobreza na Região.
Há mais de dois anos, muito antes de terminar a pandemia, já se sabia que tínhamos na região mais de um quarto da população (28,5%) a viver em estado de pobreza e com a taxa mais alta do país no que toca à desigualdade na distribuição de rendimentos.
Entretanto, as coisas agravaram-se e não admira, por isso, a elevada quantidade de indigentes que se vai vendo nas ruas das nossas cidades, o número cada vez maior de roubos em várias localidades e a quantidade trágica de crianças que recorrem à acção social escolar (que não se percebe porque razão baixou a sua dotação).
O tão falado e propagandeado Programa Regional de Combate à Pobreza foi um fracasso, como está sendo, também, o combate às dependências, especialmente as drogas, onde é notória a ausência de uma intervenção social robusta por parte das entidades oficiais.
E tudo fica ainda mais complicado quando, como já aqui referi, as instituições de solidariedade social tornam-se num campo de batalha política, numa disputa sobre quem mais domina as respectivas direcções, dado o vasto território social que elas englobam, propício para as influências políticas e interesses eleitorais.
Uma região que, em vez de produzir riqueza, aplica-se na construção do maior monstro administrativo regional, com uma galáxia de funcionalismo público, só pode resumir-se a uma fábrica de fazer pobres.
Já nem dinheiro temos para comprar uma grua para o maior porto deste arquipélago, o que diz bem da desgraçada produtividade regional.
Condicionados por uma dívida que ultrapassa os 3 mil milhões de euros, mais as obrigações futuras, só nos resta trabalhar para pagar juros e deixar os calotes para as futuras gerações.
Como já reconheceu o Secretário das Finanças, 80 por cento da dívida dos Açores está suportada em taxas fixas e os restantes 20 por cento em taxas variáveis.
Ora, com o aumento das taxas de juro a que estamos a assistir, aqueles 20 por cento vão representar um encargo financeiro para os nossos bolsos de mais 6 milhões de euros durante este ano.
Ou seja, em vez dos 35 milhões de euros de juros que pagamos todos os anos, vamos passar  a pagar 41 milhões!
Isto dava, todos os anos, para tirar da pobreza centenas de famílias açorianas e nem era preciso o Rendimento Social de Inserção.
Mas foi o caminho que os nossos governantes escolheram durante estes anos todos e, como se não bastasse, ainda têm o descaramento de virem para a praça pública esgrimir estas questões da pobreza como arma de arremesso político.
É caso para dizermos que, além de pobres, somos desonrados pelos políticos que temos...

Osvaldo Cabral *
osvaldo.cabral@diariodosacores.pt

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