Diário dos Açores

Reflexões sobre a missão de informar

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Há uns anos acrescentados – corria a década de 80 -, escrevi umas crónicas semanais para o Semanário “Açores”, então coordenado pelo saudoso Jerónimo Cabral.
Uma delas intitulava-se “Eu, jornalista me confesso”. O texto traduzia as dificuldades que sentia no desempenho da profissão devido à proximidade e envolvimento com agentes políticos e sociais e os condicionamentos que isso me gerava para uma análise lúcida e isenta, com a liberdade e responsabilidade que a profissão exige, no relato dos acontecimentos.
A confissão deve ter despertado a atenção do meu antigo Professor, Doutor Francisco Carmo. Ao encontrar-me no domingo seguinte, disse-me num tom irónico e compreensivo, valendo-se do seu munus de confessor: “José Gabriel, estás perdoado!”
A penitência perdura até hoje, sempre que teclo alguma prosa que tenha de interferir com qualquer agente político e social. É um juízo permanente que envolve não só a liberdade mas sobretudo a responsabilidade de transmitir a verdade, tendo a noção que ela não é absoluta e reveste-se de uma imensidade de pontos de vista e de interesses, difíceis de discernir.
Tem sido assim ao longo da História da Imprensa. Basta folhear o “Diário dos Açores” – o mais antigo jornal diário açoriano – ou outros que no arquipélago existiram e ainda se publicam.
Não há uma uniformidade de critérios no tratamento dos acontecimentos. Nem mesmo quando havia censura, os pontos de vista eram coincidentes.
Hoje, estamos confrontados com novos meios de informação - as chamadas plataformas digitais – que se regem por motivações diversas. Muitas atropelam direitos humanos fundamentais em benefício de interesses reprováveis, dinamizadores de guerras e discriminações.
O caminho da paz não é, certamente, aquele que muitos intervenientes anónimos defendem nas redes sociais recorrendo à maledicência. Ou o que muitos poderosos cultivam, usando e abusando das “fake-news” e da transmissão “on line”, sem quaisquer preconceitos, de conflitos terríveis, banalizando a morte, promovendo conflitos e a proliferação de armamento.
Tudo isto contraria a mensagem do Papa para o 57º Dia Mundial das Comunicações Sociais que se celebra em 21 de maio.
Os valores e qualidades de uma boa comunicação, defende o Papa, exige-se que dos jornalistas “falar [em] com o coração”, de “comunicar [em] cordialmente”, após terem ido ver e de terem escutado.
Isto não quer dizer que se esconda a verdade: “Não devemos ter medo de proclamar a verdade, por vezes incómoda, mas de o fazer sem amor, sem coração.” 1 E o Papa explica: Precisamos daquele falar amável no âmbito dos mass media, para que a comunicação não fomente uma aversão que exaspere, gere ódio e conduza ao confronto, mas ajude as pessoas a refletir calmamente, a decifrar com espírito crítico e sempre respeitoso a realidade onde vivem. Em seu entender, “a comunicação nunca deveria reduzir-se a um artifício, a uma estratégia de marketing”.
Ciente da relevância pública das redes sociais, Francisco considera que nas plataformas digtais “a comunicação é muitas vezes instrumentalizada para que o mundo nos veja, não por aquilo que somos, mas como desejaríamos ser.”
Num misto de profundo conhecedor da missão do jornalista e da sua função de educador, o Papa reclama “Uma comunicação, cujas bases sejam a humildade no escutar e o desassombro no falar e que nunca separe a verdade do amor.” Neste contexto o Papa evoca o patrono dos jornalistas, São Francisco de Sales, cujos escritos suscitam “uma leitura sumamente agravável, instrutiva e estimulante”. Daí perguntar: Pensando no atual panorama da comunicação, não são estas precisamente as caraterísticas de que se deveriam revestir um artigo, uma reportagem, um serviço radiotelevisivo ou uma mensagem nas redes sociais? Possam os agentes da comunicação sentir-se inspirados por este Santo da ternura, procurando e narrando a verdade com coragem e liberdade, mas rejeitando a tentação de usar expressões sensacionalistas e agressivas.
A atualidade desta mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais revela-se também na análise do conflito existente entre a Rússia e a Ucrânia que domina as atenções da sociedade da informação no chamado mundo livre. Não tanto pela desenfreada e perigosa corrida aos armamentos, pela perda de vidas de militares de ambos os países, pela destruição da Ucrânia, do seu povo e da sua cultura, mas sobretudo pelas graves implicações sócio-económicas que afetam o bem-estar dos países europeus e ocidentais.
Ciente do perigo de se realçar mais a segurança europeia do que em promover a paz, o Papa recomenda aos jornalistas que “rejeitem toda a retórica belicista”:
Hoje é tão necessário falar com o coração para promover uma cultura de paz, onde há guerra; para abrir sendas que permitam o diálogo e a reconciliação, onde campeiam o ódio e a inimizade. E continua: No dramático contexto de conflito global que estamos a viver, urge assegurar uma comunicação não hostil. É necessário vencer «o hábito de denegrir rapidamente o adversário, aplicando-lhe atributos humilhantes, em vez de se enfrentarem num diálogo aberto e respeitoso». Precisamos de comunicadores prontos a dialogar, ocupados na promoção dum desarmamento integral e empenhados em desmantelar a psicose bélica que se aninha nos nossos corações.”
Ao contrário da informação conflituosa e parcelar a que assistimos diariamente na comunicação social, provavelmente para impressionar mais os telespetadores e leitores do que para promover a continuidade do conflito e a vitória de um dos lados, o Papa Francisco tomou, desde o início, uma posição pró diálogo entre as partes beligerantes.
Citando João XXIII na encíclica “Pacem in Terris”(n.º113), documento que a ditadura portuguesa escondeu devido à guerra colonial, o Chefe da Igreja Católica recorda que «a verdadeira paz entre os povos não se baseia em tal equilíbrio [de armamentos], mas sim e exclusivamente na confiança mútua».
No seu apelo final, o Papa invoca de Deus ajuda para que os jornalistas tornem a comunicação “livre, limpa, cordial”; para que se “desative a hostilidade que divide” e se diga “a verdade no amor para nos sentirmos guardiões uns dos outros”.
Nesta data em que o Diário dos Açores celebra 152 anos de publicação, não encontrei melhor reflexão do que a que nos propõe o Papa Francisco, no 52º Dia Mundial das Comunicações Sociais.
A todos os que dirigem, colaboram e produzem este jornal, as minhas sinceras homenagens e votos de longa vida.


1 https://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/communications/documents/20230124-messaggio-comunicazioni-sociali.html

José Gabriel Ávila*
*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com

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