Diário dos Açores

Espera-se do novo bispo uma marca positiva

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Não conhecia nem pessoalmente nem por imagem o novo bispo dos Açores, D. Armando Esteves Domingues, a quem endereço um cumprimento muito respeitoso. À primeira vista, pela imagem, gostei do seu ar simpático e do seu aspecto “lavadinho”, o que já é muito importante, porque temos por cá alguns sacerdotes que bem poderiam e deveriam andar também mais cuidados e mesmo mais “limpinhos”. Desculpem, mas é mesmo assim!
Ora, o novo bispo, apesar da sua boa aparência, penso que não começou da melhor forma, ao afirmar que a Igreja Católica açoriana pretende “encher o coração dos pobres”. Essa linguagem, que me desculpe o senhor bispo, é bolorenta, mesmo que bem intencionada. Convencerá poucos. Já o anterior bispo andou por cá uns tempos, visitou todas as ilhas, todos os concelhos e todas as paróquias, manifestando sempre uma piedosa preocupação com os pobres, mas não passou mu~----ito disso. Foi embora e deixou os pobres como já eram: pobres, com o “coração cheio”, mas de tristeza, desânimo e infelicidade. A responsabilidade não lhe cabe por inteiro, obviamente. De qualquer modo, o anterior bispo não deixou uma marca nos Açores, nem positiva nem negativa. Não fez grande falta, de tal maneira que a Diocese funcionou durante longo tempo sem prelado.
Os pobres não devem servir para “colorir” bons discursos que depois originam boas parangonas na comunicação social. Os pobres são pessoas concretas, precisam, nomeadamente, de alimentação, de vestuário, de habitação, de apoio na saúde. É para aí que a Igreja Católica se deve “chegar”, mas de forma prática, que palavras levam-nas o vento, em colaboração, obviamente, com outras entidades, públicas e privadas. O que a Igreja faz pelos pobres é pouco, não há que ter receio de o dizer. É um alerta, que deve ser compreendido e atendido. Os poderes públicos também fazem pouco pelos pobres, apesar de muitas promessas. De resto, os apoios existentes nem sempre chegam aos que mais precisam. É dentro dessa ordem de razões, existindo outras naturalmente, que a pobreza tende a aumentar. Um clamoroso falhanço do regime autonómico regional açoriano é precisamente a muita pobreza que grassa nestas ilhas e que a todos nos envergonha ou deveria envergonhar.
Se há alguém da Igreja açoriana que tem feito muito pelos pobres, desde há muitos anos, num empenho e numa fraternidade inigualáveis, utilizando muitas vezes recursos próprios, é monsenhor Weber Machado Pereira, muito justamente conhecido por “pai dos pobres”. É quase uma excepção. Apesar disso ou talvez por isso, tem recebido, por vezes, lamentáveis incompreensões, para não dizer coisa pior, de elementos do próprio clero, numa situação que não dignifica em nada, muito pelo contrário, a Igreja açoriana. Faça, senhor bispo, o que o seu antecessor não fez e devia ter feito. Dirija uma palavra pública de justo apreço e merecido reconhecimento ao “padre Weber”, como é mais conhecido, que continua ao serviço dos mais necessitados, ajudando-os com ações concretas e diversas, apesar dos seus mais de 90 anos de idade. Toda a Igreja açoriana - mas toda! - deveria orgulhar-se de tão exemplar e generoso servidor. Ele terá muito a ensinar a muita gente...
Mas a afirmação do senhor bispo de que a Igreja quer “encher o coração dos pobres”, além do mais, encerra em si mesma um óbvio equívoco. Existem também ricos que merecem que se lhes “encha o coração”, inspirando-me na sua expressão, porque têm preocupações sociais, porque são beneméritos, porque ajudam a sociedade com gestos filantrópicos e porque colocam a riqueza ao serviço de todos. Poderia apontar alguns exemplos.
Senhor bispo D. Armando Esteves Domingues! Os homens e as mulheres desta terra não esperam de si tiradas de linguagem aparentemente sedutoras, mas em boa verdade vazias de conteúdo, mesmo que bem intencionadas, repito. Desculpe! Cabe-lhe, sim, pela sua parte como chefe da Igreja açoriana, mover e dinamizar vontades, energias, forças e recursos em prol dos pobres, que dispensam, obviamente, expressões mais ou menos poéticas. Há que recuperar a dignidade dos pobres!
Nos tempos de hoje, a transparência, nomeadamente financeira, é uma exigência geral a que a Igreja Católica não deve eximir-se. Como diz o povo - e muito bem! -, quem não deve não teme. Há nestas ilhas casos de párocos que se recusam a prestar contas aos paroquianos, gerando, por vezes, polémicas. Os paroquianos contribuem com donativos e têm direito a saber ao final do ano quanto a paróquia recebeu e em que foi gasto o dinheiro. O Santuário de Nossa Senhora da Esperança, onde se venera a secular e bela imagem do Senhor Santo Cristo dos Milagres e que recebe muitos e avultados donativos, também deve prestar contas aos fiéis. E a própria Diocese deve igualmente prestar contas ao povo católico destas ilhas. Uma Igreja encerrada sobre si mesma, opaca e impenetrável não atrai, repele. Estará o senhor bispo empenhado em trazer mais transparência, nomeadamente no aspecto financeiro, à Igreja açoriana? Fica a pergunta, que não ofende, de modo algum.
Mas há muito mais a fazer na Diocese dos Açores, desde logo é preciso menos direito canónico e mais evangelho, menos formalismo clerical e mais humanismo. A Igreja não pode viver à margem da sociedade, tem que funcionar mais na sociedade e com a sociedade. De resto, a Igreja não existe sem a sociedade. A Igreja deve estar onde pulsa a vida, com os seus sucessos e também com os seus problemas, cada vez maiores e mais graves, face ao contexto nacional e internacional. A Igreja não deve ser uma “ilha” dentro destas ilhas: tem que sair mais dos templos, dos paços episcopais e das casas sacerdotais, ir ao encontro das pessoas concretas, para conhecer melhor os problemas e os anseios individuais e colectivos. A Igreja, que tem gente muito bem formada academicamente e muito bem preparada intelectualmente, também pode e deve propor soluções aos poderes públicos para os problemas existentes, contribuindo para a resolução dos mesmos. Não se exige uma Igreja nova, mas, sim, uma Igreja renovada, nas suas práticas e na sua intervenção, sempre em obediência, como não podia deixar de ser, à mensagem de paz e de fraternidade que Cristo enunciou para todos os tempos.
Todos esperamos que o senhor bispo venha a deixar uma marca positiva na Igreja açoriana. Precisamos disso, contra o marasmo instalado, com alguns vícios que devem ser corrigidos. Queremos uma Igreja viva ao serviço de todos e para todos. Que sirva, em primeiro lugar, claro está, os mais vulneráveis da sociedade, mas com ações concretas, não com tiradas de linguagem mais ou menos cândidas, que não enchem a “barriga” a ninguém, em bom português que todos entendem. Realço: mais do que “encher o coração dos pobres”, urge encher-lhes o estômago e satisfazer-lhes outras prementes necessidades.
Espero que o senhor bispo D. Armando Esteves Domingues, cujas autoridade e integridade todos reconhecem, possa aceitar a sinceridade das minhas palavras, que são bem intencionadas, não tenha dúvidas. Seria o que eu lhe diria se fosse recebido pessoalmente por ele nas audiências que anunciou querer realizar para quem pretenda falar-lhe. Uma iniciativa muito louvável, positiva e inovadora! Sem dúvida! Mas não se fique por aí: vá também pessoalmente e directamente visitar e auscultar as comunidades que vivem nestas ilhas, principalmente as mais carenciadas. Os políticos, geralmente, só visitam as comunidades mais vulneráveis em tempo de eleições...Cabe-lhe, senhor bispo, como pastor católico, fazer diferente e melhor, dando um exemplo de fraternidade, de humanismo e de proximidade. Estou certo de que tal acontecerá!
Vou acompanhar a ação pastoral do novo bispo dos Açores, desejo-lhe os maiores sucessos na sua tarefa de grande responsabilidade e espero que, dessa forma, ajude a conduzir o bom povo destas ilhas para um caminho de mais progresso e de maior felicidade, material e espiritual. Não sendo açoriano pelo nascimento, o que não é um problema de modo algum nem condiciona em nada a sua ação, creio que será um convicto açoriano pelo coração. Que Deus o ajude e proteja!

Tomás Quental Mota Vieira *

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