De que falavam os jornais açorianos antes de surgir o Diário dos Açores há 153 anos
Diário dos Açores

De que falavam os jornais açorianos antes de surgir o Diário dos Açores há 153 anos

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O senso comum associa nos dias que correm  a crise a uma menor  qualidade de vida. Qualidade de vida não seria  propriamente uma definição que os leitores,  ou população em geral,  primavam por decifrar há cerca de 150 anos  atrás, altura em que se  aproximava a chegada  de um novo jornal a São  Miguel, mais concretamente a Ponta Delgada.
Falamos dos anos que  antecederam a década de  1870, década que via nascer o jornal quotidiano  mais antigo dos Açores – “Diário dos Açores” - e onde a subsistência era  um tema escrito constantemente na imprensa  local e regional.
Subsistência – sustento, alimentos – uma problemática a que a população açoriana se deparou  ao longo dos seus séculos  de existência, mas que  era também uma problemática na história que  marcou afincadamente   a vintena de anos que  antecedeu a fundação do  “Diário dos Açores” por  Manuel Augusto Tavares  de Resende.
Engana-se o leitor que se prenda na temática  crise, ou contemporizando subsistência, deduza  a entrada de circulação  do quotidiano que traz  estas linhas por este motivo. Ao invés, as limitações das actividades económicas e humanas não  favoreciam um grande número de anunciantes, o que prejudicava a manutenção e sustentação económica de um jornal  com actividade diária,  pelo que é dado conhecer  da história de fundação  deste periódico, para  angariar assinaturas e  para atrair a confiança  dos leitores para o Diário  dos Açores, o seu fundador oferecia brindes, em  dinheiro, regulados pela  lotaria. Serve esta linha  condutora para perceber  o contexto e o editorial  dos títulos que já percorriam as casas, os serviços, as populações dos  Açores.
Parafraseando Carlos  Cordeiro, in «A imprensa açoriana (1851-1870) e  os “clamores deste povo”» e retomando o período  entre 1851 E 1870, “foram  publicados nos Açores  cerca de oitenta títulos  de jornais. Destes somente sete percorreram  o período completo ou  praticamente completo.
Dos outros, 19 tiveram  uma duração superior a  dois anos, sendo os restantes títulos efémeros”.
Tal como nos dias de  hoje, os jornais de São  Miguel, Terceira e Faial  – únicas ilhas em que na altura se publicavam jornais – trazem à luz alguns dos grandes problemas que assolavam as populações.
Escreve Carlos Cordeiro, a problemática das subsistências, nomeadamente o abastecimento de cereais, assumia especial destaque nas notícias e artigos de opinião dos jornais.
Em 1868, o jornal “A Ilha”, de Ponta Delgada, fazia um apelo dramático a todos os portugueses, no sentido de socorrerem o povo açoriano, que se encontrava a passar dificuldades extremas no respeitante à aquisição de cereais e à falta de emprego. Informava que as populações estavam a alimentar-se, em último recurso, de raízes de ervas prejudiciais à saúde e que, no concelho do Nordeste, já tinham ocorrido mortes em resultado da fome.
No Faial, os jornais “O Faialense” e “O Atlântico” também abordavam na década de 1960 este tema, tal como na Terceira fazia em idênticos moldes o jornal “O Angrense”. Já em 1969 o mau ano agrícola no distrito de Ponta Delgada fazia com que os títulos micaelenses “Açoriano Oriental” e “A Persuasão” referissem que a escassez de produtos básicos chegava a todas as classes.
A pesquisa e investigação de Carlos Cordeiro refere que “algumas intervenções jornalísticas encontram no sistema de impostos a causa das dificuldades dos agricultores, outras destacam a exorbitância das rendas da propriedade rural”.
Acrescenta, “o que convém, no fundo, destacar é o facto de as cíclicas crises das subsistências serem uma marca fundamental da vivência açoriana do período e que a consulta da imprensa da época nos fornece importantes informações sobre estes contextos de crise”.
No Faial, em análise a «“Quinto Poder” – a imprensa faialense entre 1857 e 1893 – Carlos Lobão», a imprensa faialense, apesar das dificuldades, era um local que não podia ser dispensado para quem gostava de escrever sendo essa uma das actividades socialmente mais prestigiadas.
Sobre o que se escrevia no Faial? Entre 1857 a 1893, “provavelmente devido ao fraco desenvolvimento literário da instrução e em segundo no acanhado a tráfego comercial o carácter de publicação” dividia-se sobretudo entre o literário, política, noticioso, abordando temáticas ligadas ao desporto, religião, satírico, estes três últimos temas muito ligados ao literário.
Serve a referência aos jornais da ilha do Faial para dar a perspectiva e objectivos de Tavares de Resende quando cria o “Diário dos Açores”.
O fundador do diário micaelense, num meio caracterizado pelo analfabetismo, pela dificuldade de circulação de informação, pessoas e bens e pelas limitações das artes gráficas, leva para as “bancas” um órgão de informação diário que dá aos micaelenses a informação do mundo que chegava a São Miguel, mal a ela tivesse acesso.
A titulo de exemplo, as notícias acerca da guerra francoprussiana que rebentou nesse ano de 1870.
Depois da analepse, 1870 é tempo do primeiro número do “Diário dos Açores” ver a luz do dia. Quotidiano, como sempre foi, nunca foi acompanhado por muitos periódicos que diariamente faziam sair as suas páginas na praça.
Avançando outros tantos anos como os que analisamos antes da chegada deste diário, revela o trabalho de investigação de Joaquim Machado, in « A Imprensa Micaelense (1890-1910)», que entre 1890 e 1910 circularam sempre em Ponta Delgada dois jornais diários, chegando a coexistir em 1908 três publicações com esta periodicidade – Diário dos Açores, O Comércio Micaelense e Correio Micaelense.
O “Diário dos Açores” foi, de resto, o único a sobreviver às vicissitudes do tempo. Durante quase dez anos, de Junho de 1881 a Janeiro de 1891, na sequência de uma condenação judicial, denominou-se “Novo Diário dos Açores”, regressando ao título original, que ainda hoje ostenta.
Caro leitor, e porque a 5 de Fevereiro de 2011 a impressão regista um número (39 mil, 405) saliente pela sua continuidade, periodicidade e longevidade, permita-me que, com própria subjectividade e em analogia ao seu editorial número um, conclua que defendendo os ricos e sobretudo os pobres, com o mais baixo preço da praça e com todas as temáticas que se vislumbram desde logo na renovada primeira página de hoje, a crise veio para fazer nascer e viver o
“Diário dos Açores”, o por algum tempo “Novo Diário dos Açores”, ou citando o extraordinário redactor Manuel Ferreira “o velhinho Diário dos Açores”.
Terminando, tal como terminou o primeiro dos 39 mil 406 exemplares que até hoje foram impressos: «Sob bons auspícios encerramos hoje a publicação deste jornal, esperançados de que o favor público jamais se nos recusará, e tanto mais, se a atender, o que podemos fazer em beneficio dos comerciantes, agricultores, artistas, proprietários, etc, etc. (…)
Pedimos pois, a protecção e não é só aos ricos, é também aos pobres; e em breve convencer-se-ão todos, da utilidade de continuarem a proteger-nos, visto que estamos com disposição, de por todas as formas, sermos-lhes proveitosos (…)»

Marco Henriques *

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