Diário dos Açores

Memória... Reconhecimento!

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No 153º aniversário do «Diário dos Açores»

Há dias o «nosso» director-adjunto, jornalista Osvaldo Cabral, alertou-me que o «Diário dos Açores» ia fazer anos, solicitando a minha colaboração para assinalar este acontecimento - que já pertence à história do jornalismo insular - agora a caminho do 153º aniversário de publicação.
Considerando ainda que atingirá, nessa data, a edição 43.300, os parabéns são obviamente para cada um dos que conseguiram assegurar essa «presença» quase bicentenária, numa cidade marcada pela insularidade e pela distância, mesmo da metrópole.
As suas metas editoriais e o concurso que lhe deram os seus muitos e bons colaboradores – sem esquecer os assinantes, os leitores e anunciantes – constituíram também o seu grande sustentáculo de continuidade, sempre motivadas por um serviço aos Açores, que toca mesmo com os primeiros ideais do regime autonómico que já se sonhava para estas ilhas e que teve no fundador, Tavares de Resende um dos seus arautos, no primeiro jornal diário criado neste arquipélago, em 1873, assumindo a sua direcção.
A sua vida foi curta - para realizar o projecto jornalístico que sonhou - mas ainda suficiente para que o «Diário dos Açores» se impusesse como o meio de informação que faltava, numa periocidade diária de publicação, que não era o caso do «Açoriano Oriental». Contudo, ambos conseguiram entender-se como bons «camaradas» pois, acima de tudo, estava o interesse político e social da terra açoriana e dos seus povos.
A minha explicadora de Inglês/Português, D. Maria do Carmo Carreiro Resende - também vizinha e amiga - era filha única de Tavares de Resende e, sabendo da ligação afectiva que  tinha  no jornal, contou-me «estórias» desse tempo e também a história do «Diário dos Açores» e de seu Pai, pois muito jovem, mas talvez com uma mentalidade que já ia para além do seu tempo, (aliás como sempre o demonstrou na convivência pessoal que mantivemos), recordava-me as personalidades que vira pela Redacção do jornal, entre elas o Doutor Caetano de Andrade Albuquerque, o conselheiro Luís de Bettencourt, o Dr. Poças Falcão, o poeta faialense Osório Goulart e outras figuras públicas da altura, tecendo várias considerações como entendia ser a sociedade daquele tempo, onde a mulher era   preparada para  a «senhora» da casa e a educadora dos filhos.
Tavares de Resende era irmão de D. Inês Resende Carreiro, com ligação, por casamento e parentesco, à família de João Augusto Carreiro de Mendonça, comerciante, natural do Nordeste e proprietário dos grandes «Armazéns Carreiro», ali no Largo 2 de Março e também o construtor da bela vivenda que sempre conheci, como a «casa» das Palmeiras e do Jardim Botânico.
A morte de Tavares de Resende e a menoridade da filha determinaram que - para salvaguardar a continuidade do Jornal - coubesse à família Carreiro de Mendonça assumir o «papel» de tutoria, até que seu sobrinho – neto, Manuel Resende Carreiro, já a terminar o curso do Liceu, viesse a assumir a direcção e administração do Jornal.
D. Maria do Carmo continuou a viver com a mãe na mesma casa da Rua Tavares Resende, onde faleceu, solteira, com mais de 80 anos dispondo de uma «pensão» que lhe foi atribuída, por via testamentária, com base naquilo que restou «das máquinas e apetrechos do jornal»…
 Muito lutadora e possuidora duma inteligência – que hoje admito fora do vulgar – aprendeu o latim, o inglês, o português e o francês criando, em sua casa, como que um «centro» de explicações de ensino particular, frequentado por alunos do Liceu, até ao curso geral e mesmo quando o 6º ano integrava o curso complementar.
Dias havia que nem tinha horas para o almoço e, fazia-o na própria mesa de trabalho, atendendo a um e a outro … uma frugal refeição, que em nada correspondia à sua forte figura física.
Ensinava por prazer e transmitia os seus conhecimentos com tal segurança que os professores, no liceu, não o faziam melhor. Sabia interpretar os textos de língua estrangeira e ainda a análise histórico/morfológica e sintáctica dos «LUSIADAS», sempre um quebra cabeças para os que, como eu, frequentavam o 5º ano.
O Dr. Armando Cortes Rodrigues andava sempre com ela (como diz o povo), de «candeias voltadas» e chamava-lhe a «senhora das gramáticas», sobretudo no tempo em que se dispunha a assistir à prova oral dos alunos e era suficientemente capaz de se «aventurar» corrigir, quando o interrogatório não era satisfatório.
Já não é do meu tempo o latim, mas sei que chegou também a fazer parte do seu percurso de ensino e relembrava, a competência, o professor José da Costa e, no liceu, os doutores Angelo Casimiro e Luís Alves Pereira.
O seu grande amigo e confidente, sobretudo nas horas difíceis, foi o seu único primo – irmão, Dr. João Augusto Carreiro de Mendonça que, após a «derrocada» patrimonial dos «Armazéns Carreiro», ingressou nos quadros superiores da Alfandega de Ponta Delgada.
É essa a ideia que ainda posso testemunhar acerca do que foi a primeira fase de vida do «Diário dos Açores» até que, entre 1892- 1939, o então jovem sobrinho Manuel Resende Carreiro, passa a dar continuidade «à segunda fase editorial do Jornal», passando a ser o seu novo director – administrador, apoiado por outro jornalista de renome, Manuel Pereira de Lacerda.
Conheci-o quando tinha 7 anos, nas primeiras visitas que meu pai entendeu que o devia acompanhar para conhecer o «patrão» que muito estimava, mas já muito perto do seu falecimento.
No meu íntimo guardei a sua figura como se recorda a de um «velhinho»: bondoso no acolhimento e na amizade, quase familiar; e, foi essa imagem que fui reaprendendo pela vida fora, confirmada nas várias efemérides do Jornal em que o seu nome foi evocado, através dos testemunhos de personalidades que com ele conviveram e, alguns, empenhadamente o acompanharam na sua actividade jornalística.
Foi no decorrer dessa 2ª fase que o «Diário dos Açores» ganhou e manteve, até praticamente a uma quarta geração, o epíteto que muito honrava o seu cabeçalho: ser um JORNAL DE FAMILIA!
Aliás, o director Manuel Resende Carreiro sempre acreditou que os seus dois filhos, Carlos e Manuel da Silva Carreiro, terminados os cursos superiores, que haviam de frequentar, regressassem à terra e prosseguissem a continuidade do Jornal.
Nessa antevisão futura – que felizmente viu realizada – o Jornal acolheu colaborares e amigos pertencentes a várias correntes intelectuais e políticas locais que, de ano para ano, impuseram o «Diário dos Açores» como um jornal que outra finalidade não tinha senão o da defesa dos interesses dos Açores, tal como o fizera seu tio, Tavares de Resende, para além se abrir a aspectos sociais, participando e apoiando movimentos de solidariedade em favor dos mais pobres e das instituições de acolhimento: Cozinha Económica Micaelense; Asilo da Infância Desvalida e Asilo Luís Soares de Sousa.
Acolheu ainda os jovens intelectuais que, em prosa e verso, iniciavam a sua actividade cultural, abrindo as páginas do Jornal para publicação dos seus «inéditos», merecendo o elogio de «protector e orientador da «gente nova».
Foi colega no Liceu da escritora e poetisa Alice Moderno – a primeira mulher a frequentá-lo - que o evocou assim: «ele e eu sentávamos nos mesmos bancos e era o mesmo que foi pela vida fora até morrer: sisudo, reflectido, dotado de uma grande dose de senso comum, tão raro nos verdes anos que então tínhamos, era incontestavelmente o mais grave de todos nós e, denunciava já, o adolescente que era, o homem forte que encarando de frente as responsabilidades da vida, soube curvar-se inflexivamente às leis do dever».
E, concluía assim a sua homenagem para celebrar o 30º dia do seu falecimento: «… E deixou a vida levando consigo, além da satisfação que emana do dever cumprindo, a certeza de que deixava atrás de si quem lhe continuaria a obra, honraria o nome e dignificaria a memória».
A previsão futurista de Alice Moderno felizmente que se concretizou; e, após a morte do senhor Manuel Resende Carreiro, a 7 de Maio de 1939, o «Diário dos Açores» entrou, no que posso considerar, a «3ª fase de vida», então sob a direcção e administração de seus filhos, os doutores Carlos e Manuel da Silva Carreiro, mantendo e confirmando que outra geração de família – para mim a mais vigorosa – passou a assegurar a continuidade e a renovação de um dos mais prestigiosos pilares da comunicação escrita de S. Miguel e até dos Açores.
Assim, o jornal foi mudando de apresentação com a aquisição de novos tipos: uns para a edição diária; outros para títulos e subtítulos, o que evidenciava o visual da montagem de cada página, sobretudo os anúncios comerciais.
Ao longo dos anos adquiriram-se novas máquinas e, ampliados os serviços tipográficos, – com compositores «autodidactas», alguns sem a 4ª classe – executavam-se trabalhos que envolviam recibos para a facturação de empresas, ofícios para os serviços públicos, programas para divulgação de espectáculos e até impressão e encadernação de livros.
A Redacção continuou a ser como que um «centro» de cavaqueira de intelectuais e homens de letras, em rondas que começavam de manhã, logo que chegava o Dr. Manuel Carreiro, com os seus habituais artigos de fundo sobre administração e política governamental e municipal; e, de tarde, já com o Dr. Carlos Carreiro presente, era o lufa-lufa da revisão da última paginação, para ser impressa e distribuída pela cidade.
Depois, começava a escolha das notícias para a edição do dia seguinte e as «últimas» da guerra ouvidas através da rádio e «escrevinhadas» em folhas de papel, depois passadas a limpo para que os tipógrafos entendessem…
Esse trabalho era meticuloso e requeria uma observação atenta e variada, por vezes feita pela noite dentro, para que logo de manhã, começasse a composição.


Rubens Pavão *

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