Diário dos Açores

Agir para convergir

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A adesão de Portugal às então Comunidades Europeias não foi consensual na sociedade portuguesa. A decisão do pedido de adesão foi tomada num período ainda conturbado do estabelecimento da democracia. A extrema esquerda pretendia implantar em Portugal um regime comunista, não democrático, contrário ao espírito da integração europeia.
Mas as eleições de 1975 e de 1976 ditaram a consolidação de um regime democrático, pró-europeu e não radical. E a Constituição de 1976 refletiu essa vontade expressa dos portugueses. Com algumas cedências à esquerda, a verdade é que a Constituição permitiu que os partidos de raiz democrática acordassem esse passo decisivo. Que se consubstanciou em 1986.
Olhemos para este período que decorre ao longo dos últimos 37 anos. A única conclusão possível é que teria sido dramático para o desenvolvimento do país manter a política do “orgulhosamente sós” ou enveredar pelas vias sovietizante ou terceiro-mundista.
Nos Açores, o resultado da nossa adesão está à vista. A nossa pertença à União Europeia permitiu-nos, por um lado, fortalecer o quadro legislativo regional como complementoda legislação europeia e, nesse sentido, integrarmo-nos nas políticas comuns da União Europeia. Por outro lado, acedemos a uma série de instrumentos técnicos e financeiros que viabilizam medidas essenciais ao nosso desenvolvimento social e económico, não só para convergirmos com as restantes regiões da União, mas também para promovermos, cá dentro, a coesão das nove ilhas.
A União Europeia reconhece as circunstâncias específicas que criam dificuldades à nossa integração plena na Europa. Por isso, somos identificados como região ultraperiférica (RUP)1 . Que necessita de uma especial atenção das instituições da União para a sua plena integração.
Na semana passada, o Comité das Regiões aprovou um parecer, do qual fui relator, sobre a comunicação da Comissão relativa à nova estratégia da União Europeia para as regiões ultraperiféricas. O parecer foi aprovado por unanimidade, o que nos permite ajuizar sobre o consenso no seio dos poderes regionais e locais quanto ao estatuto atribuído às RUPpela União.
Neste parecer, reconhecemos a evolução do entendimento das instituições da União quanto à necessidade de reforçar as medidas que permitema nossa integração plena nas políticas da União. E regozijamo-nos pelo facto de também nos ser reconhecido, ao conjunto das RUP, um papel fundamental na projeção da União Europeia no mundo, decorrente da condição geográfica de cada uma destas nove regiões.
Mas o parecer também apela a uma melhor perceção da Comissão Europeia sobre o imperativo de serem adotadas medidas urgentes em relação aos sectores que têm maior impacto no desenvolvimento destas regiões. Lembrando sempre que o nosso objetivo é cumprirmos os objetivos estratégicos da União. Por exemplo, na política de combate às alterações climáticas, e acompanhando as metas gerais da União para o seu cumprimento, não devem as RUP ser coartadas de beneficiarem de medidas específicasna regulamentação do direito da União que, com equilíbrio, nos permitam avançar no processo de descarbonização sem por em causa o nosso desenvolvimento económico e social.
E, também como exemplo, os auxílios públicos (auxílios de Estado, na gíria da União), que estão muito limitados no espaço europeu em proteção das regras de concorrência, não têm o mesmo impacto distorcivo nos mercados das RUP, pelo que devem ser avaliados tendo em conta essa realidade. Como sabemos, as nossas economias são frágeis e o interesse regional impõe que o recurso a esse instrumento se faça em determinados sectores de atividade.
Se quiséssemos resumir o objetivo desta nova estratégia da União Europeia para as RUP em termos de ação, eu diria que o que está em causa é, em primeiro lugar, a aplicação do artigo 349.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (o artigo que consagra a ultraperiferia) a todas as medidas legislativas e regulamentares da União, de forma a modelá-las às reais necessidades das RUP para que estas se possam integrar de forma plena no ideário da União. E, em segundo lugar, a adoção, por parte da União, de instrumentos de natureza técnica e financeira que permitam o cumprimento dos objetivos desta nova estratégia.
Finalmente, é importante entendermos que, tratando-se de um processo político, democrático, plural e respeitadordo Estado de direito, os vários níveis de poder envolvidos têm de assumir as suas responsabilidades. E, neste sentido, o princípio da subsidiariedade obriga a que saibamos todos trabalhar para a implementação desta estratégia, desde o decisor local ao decisor europeu. A região, o poder regional, está, como é seu dever, a trabalhar com responsabilidade na implementação desta nova estratégia. Do Estado, não podemos esperar menos, no cumprimento dos princípios da coesão territorial e da continuidade territorial.
E, principalmente, porque o interesse nacional integra o interesse regional.

1 As regiões ultraperiféricas da União Europeia são: Açores, Madeira, Canárias, Saint-Martin, Guadalupe, Martinica, Guiana francesa, Reunião e Mayotte.

Pedro de Faria e Castro*

* Subsecretário Regional da Presidência

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