Diário dos Açores

Renovar as energias nos Açores

Previous Article Previous Article Lagoa acolheu Open de Judo

O custo da electricidade nos Açores vai sofrer um aumento médio estimado em cerca de 65% em 2023 em relação ao tarifário de 2022.
Este enorme aumento traz uma penosa factura a todas as famílias e empresas açorianas, mesmo considerando que os aumentos para os clientes de média tensão são de uma magnitude bem maior do que a que estarão sujeitas as famílias.
O momento difícil que todos atravessam torna impossível, na maioria dos casos, que as empresas consigam derramar o aumento deste importante factor de produção no preço final ao consumidor.
Todas as famílias vivem em grande dificuldade e estranguladas financeiramente com o efeito da inflação e o consequente aumento do custo global de vida, onde assume particular destaque o enorme fardo em que se tornou a prestação mensal da compra da casa.
As empresas e as indústrias, normalmente de energia intensiva, têm grande dificuldade em derramar estes aumentos dos seus factores de produção sem arriscarem perderem quotas de mercado para as suas concorrentes, que podem chegar a ser significativas
Os Açores têm beneficiado de uma descriminação positiva que possibilitou que o valor da tarifa de eletricidade tenha igualado o vigente no território Continental; os sobrecustos decorrentes da condição arquipelágica, e espalhada por nove ilhas, têm sido absorvidos pelos restantes consumidores portugueses.
O sistema considera os custos da produção, do transporte, da distribuição e da comercialização, analisando cada um destas parcelas de forma isolada e promovendo a acima referida equalização em cada uma delas. Como consequência o cálculo dos preços de electricidade nos Açores está intrinsecamente dependente do que vigora no Continente, sofrendo no entanto um diferimento de um ano, dado que estes são sempre calculados com base no histórico do ano precedente.
Com o início da guerra na Ucrânia, o custo do gás natural disparou nos mercados internacionais e, como consequência, a tarifa de electricidade em Portugal Continental disparou, pois a matriz das fontes de energia primária no Continente está muito dependente do gás natural, representando sensivelmente 60% do total (veja-se a figura abaixo, tirada de uma factura de electricidade de uma habitação em Lisboa).
O que foi até hoje um sistema justo e promotor do princípio da continuidade territorial, tornou-se este ano um factor de dupla penalização da condição insular; os Açores não usam o gás natural na sua matriz de produção de geração de electricidade e fruto da elevada dependência do Continente desse gás, as famílias e as empresas açorianas pagarão muito mais pela electricidade que irão consumir este ano.
Mas no entanto, e apesar do enorme potencial em energias renováveis endógenas, em todas as ilhas do arquipélago, a produção de electricidade da EDA (Electricidade dos Açores) ainda recorre em mais de 60% a fontes de energia fóssil, o gasóleo e o fuelóleo, altamente poluentes e emissoras de grandes quantidades de CO2.
Veja-se a distribuição das fontes de energia nos Açores no quadro abaixo, retirado do Relatório e Contas da EDA (Electricidade dos Açores) de 2021; dos 809 GWh de produção total em 2021, somente 275 GWh (34%) provêem de fontes renováveis.
Tanto o gasóleo como o fuelóleo sofreram igualmente grandes aumentos que consequentemente teriam sempre que ser reflectidos nos preços finais da electricidade; ou seja, o tarifário teria sempre que sofrer um aumento significativo decorrente das cotações mais elevadas do gasóleo e do fuelóleo.
Mas isto poderia ter sido evitado se os diversos governos regionais, possuidores de uma quota maioritária na empresa, não tivessem permitido aos diversos Conselhos de Administração da EDA (Electricidade dos Açores) o abrandamento acentuado e até bloqueio da implementação dos investimentos em produção com recursos a energias primárias renováveis.
Há várias décadas que a EDA (Electricidade dos Açores) vem adiando os investimentos em energias renováveis; e o motivo por detrás desta estratégia foi e ainda é muito claro, pois o maior accionista privado é também dententor de terminais de armazenamento de combustíveis fósseis e beneficia ainda, há várias décadas, de um contrato de fornecimento exclusivo de fuelóleo à eléctrica açoriana.
Acresce-se ainda que o elevado preço de venda do fuelóleo não tem sido reconhecido pela ERSE (Entidade Regualdora dos Serviços Energéticos), tendo a EDA (Electricidade dos Açores) derramado anualmente cerca de EUR 1.8 milhões pelos consumidores dos Açores, desvirtuando o principio da total convergência do tarifário consagrado na lei, em benefício exclusivo de uma “meia dúzia” de previlegiados.
Se se somarem a este valor os custos anuais para aquisição de licenças de emissões de CO2, que ascenderam em 2021 a EUR 18.4 milhões, temos a exacta noção de qual o valor a que os açorianos poderiam estar a ser poupados, que ascende assim a mais de EUR 20 milhões anuais.
Em claro e flagrante conflicto de interesses, a acção do maior accionista privado da EDA (Electricidade dos Açores) tem bloqueado os investimentos em renováveis, adiando sistematicamente os planos energéticos emanados dos programas dos sucessivos governos regionais.
Desde que a EDA (Electricidade dos Açores) foi privatizada em 2005, a produção renovável passou de cerca de 28% em 2007 para somente 36% nos dias de hoje. De 2007 a 2018 o aumento de renováveis foi conseguido por ligeiros aumentos em geração eólica e geotérmica, representando em 14 anos um muito tímido aumento de 8%, pouco mais de 0.5% ao ano.
No quadro abaixo apresenta-se a descriminação da quantidades de kilo Toneladas Equivalentes de Petróleo (ktep) retirado do Relatório para a Estratégia Açoriana para a Energia 2030- EAE 2030, da Direcção Regional de Energia, de Julho de 2020.
Neste relatório, é fixado como objectivo a meta de 80% para a produção de electricidade com recurso a fontes e energia renováveis; o que nos mostra o verdadeiro potencial existente e o quão distante estamos de o aproveitar na sua plenitude.
Desse mesmo relatório retira-se a matriz actual de produção de electricidade em cada uma das ilhas dos Açores; atente-se ao facto de os sistemas produtores com recurso a fontes de energia fóssil, poluidora, totalizarem 73.7% do total das centrais instaladas (ver quadro abaixo).
A reconversão para uma matriz mais “verde” na produção de electricidade está em curso em todo o Mundo; no Continente português o governo decretou o fecho das centrais térmicas, a gasóleo e carvão, que desde 2020 se encontram totalmente descontinuadas.
Os Açores, que há 20 anos estavam na vanguarda desta transformação mais amiga do Ambiente, ficaram para trás, apesar do seu enorme potencial renovável.
O contrato monopolista de fornecimento de fuelóleo à EDA (Electricidade dos Açores) foi recentemente resolvido e por isso entrou em fase de descontinuação e terá terminus definitivo dentro de 2 anos, o período definido contratualmente como transitório até à interrupção dos fornecimentos.
Sendo um primeiro passo para a regularização dos conflitos de interesse instalados há décadas, mais haverá que fazer, sendo o mais importante o retomar e acelerar a implementação de mais geração de electricidade com recurso a fontes renováveis de energia para que os Açores possam tirar todo o proveito possível dos seus recursos endógenos, disponíveis a custo zero.
E para que se inicie o caminho das renováveis, o governo regional tem que resolver outro conflito de interesse vigente há muitos anos, afastando aqueles seus representantes que têm sido permeáveis à influência dos privados, alguns deles há muito tempo mesmo, e por terem pactuado com o sistemático adiar dos necessários investimentos em energias limpas.
O Governo Regional terá que nomear para o Conselho de Administração da EDA (Electricidade dos Açores) pessoas idóneas, detentoras de uma grande honestidade intelectual e imbuídas do necessário espírito de “Serviço Público” a quem gere uma empresa maioritariamente pública, e que por isso têm o dever de defender de forma intransigente os interesses de todos os açorianos.
O caminho das renováveis é certamente o futuro de Açores, o caminho para um melhor ambiente, uma melhor qualidade de vida das suas populações e para um custo de electricidade mais baixo e mais estável por não estar dependente das cotações dos combustíveis fósseis nos mercados internacionais.

Nuno Ferreira Domingues *

Share

Print

Theme picker