Diário dos Açores

Primeiro aviso na imprensa insular sobre o romancista florentino

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Centenário de João Afonso, III

Quando escreveu o seu primeiro artigo sobre Alfred Lewis, em Março de 1953, n’ O Comércio do Porto, Pedro da Silveira contou aquela estória — tão única, tão encantadora...— de ter encontrado numa gaveta de cómoda do quarto onde acabara de se instalar na Calçada da Estrela, em Lisboa, a folha de Diário Popular em que Vitorino Nemésio dava pela primeira vez público conhecimento do romance autobiográfico dum rapazito da Fajãzinha da Ilha das Flores, emigrado na América: Home Is a Island publicado em Nova Iorque pela prestigiada Random House e com especial apreço de crítica. Pessoalmente, ainda não encontrei esse artigo (embora por deveres de ofício me caiba fazê-lo), sequer dele obtive referência em bibliografia nos livros de poesia e prosa que já muito perto de hoje se imprimiram, nomeadamente os produzidos por Donald Warrin em 1986 e por Frank Sousa em 2008. Maria Margarida Cymbron de Bettencourt Barbosa (1943-) pôde dispor duma bolsa do Instituto de Alta Cultura para uma «viagem aos Estados Unidos para recolha de elementos sobre o escritor Alfred Lewis» (de que daria breve e quase inútil testemunho ao Diário dos Açores seis anos mais tarde), mas jamais se questionou sobre como ele se tornara conhecido em Portugal vinte anos antes.
É verdade que Silveira logo começou a tentar chegar ao contacto com Alfredo Luiz / Alfred Lewis em Los Baños, no californiano Vale de San Joaquín, e que o artigo inicial — dos quatro que lhe dedicou em quase meio século (v. Só o Esquecido É Passado, II, 1) — beneficia já desse inquérito pessoal que ninguém mais faria, ou faria como ele. E que, quanto sabemos, só ele tentou convencer editores portugueses a publicar o livro, numa versão em português fiel aos falares florentinos ou genericamente açorianos. Mas se é em absoluto inaceitável admitir que Silveira confundisse o autor dessa página de jornal que tanto o surpreendera como ufanara (trocando-o, por lapso, por qualquer outro), ainda desconhecemos quando verdadeiramente o publicou (algures em 1951-52, isso é certo) e no que nele se escreveu.
Até ao dia de hoje, admito que o professor da Faculdade de Letras, muito mais francófilo do que anglófilo, e à época sem contactos especiais nos Estados Unidos, terá sabido da existência do livro de Lewis por algum catálogo da Random House que distribuidor comercial europeu da já prestigiada editorial nova-iorquina tivesse feito chegar ao seu departamento ou à biblioteca geral da Faculdade de Letras de Lisboa. Da mesma maneira que admito que o João Afonso de 27 anos, então redactor do Diário Insular mas jornalista da ANI (Agência Noticiosa Internacional), do livro viesse a saber — permitindo-lhe, em Julho de1951,escrever esta surpreendente, quase - inédita porém superficial notícia — graças a um despacho desta e de qualquer outra agência noticiosa, recolhido de intrépito e barrulhento telex. Também não vejo outra forma... Em todo o caso, a página que adiante se reproduz será sempre a primeiríssima referência na imprensa insular a Lewis e ao seu romance — cujo posfácio, assinado por Patricia Highsmith, sim sim, ela mesma!, só seria divulgado na tradução de 2010 (pp. 221-22)...
Mais ainda, e que importa registar: quase quarenta anos depois, quando lançou Aguarelas Florentinas e Outras Poesias de Lewis, em 1986, Donald Warrin, entre aqueles a quem agradece «manuscritos, acesso a colecções e valiosas sugestões» (p.19), inclui João Afonso — sempre presente no que pelos Açores precisasse de ser feito...

Vasco Rosa

Home Is an Island de Alfred Lewis

A nossa terra está mais rica, com a publicação do... «romance» Home Is an Island, de Alfred Lewis.
O livro apareceu há poucos meses em Nova Iorque, com o aspecto de edição perfeita. Cedo o envolveram críticas plenas de interesse, entre elas a de Vincent McHugh e de Robert Elkon. Cedo a edição se expandiu pelos Estados Unidos.
Na leitura das primeiras páginas e das... últimas nos pareceu tratar-se dum livro notável, ideia de que, aliás, partíramos ao sabermos que McHugh o classificara de «encantador».
Esta circunstância e o inglês acessível, de moderna feição literária, onde impera a simplicidade, encorajaram-nos a descobrir nos diversos capítulos o encanto indicado por McHugh. Estímulo suficiente para a tentativa, o havíamos obtido já através da notícia de que o desenvolvimento do romance se passava numa ilha açoriana — a das Flores.
Fala-se muito de literatura de projecção universal, lamentando os Portugueses que só muito poucos romancistas lusitanos sejam traduzidos para várias línguas por falta de interesse dos temas, demasiado regionalistas...
Pois é curioso verificar que Home Is an Island, pela extensão da humanidade das suas figuras e principalmente do protagonista, pode ser lido com igual interesse em qualquer país. É sem dúvida um trecho psicológico, e o mais formoso recorte literário, poético...
A história compreende a vida dum rapazito florense, desde a infância até à sua partida, aos 19 anos para a América. É um tema simples e o autor teve de procurar no ambiente edénico da sua terra aquela home intraduzível para o português — como a ‘saudade’ não obtém termo para ser vertido perfeitamente para uma língua estrangeira!
Compreende-se que a América, na vida de multiforme feição, de vida agitada, supercivilizada, sinta com especial carinho esta história singela, de felicidade, apesar de determinados pormenores, tudo a contrastar com essa vida...
Quem é Alfred Lewis? Nascido nas Flores, a sua imaginação de rapaz, propensa à poesia, à contemplação das histórias da fabulosa terra americana, fê-lo viver a ideia de ir mais além... Seu pai fôra duas vezes à América, à procura do oiro, seduzido também pela magia das montanhas, rios e vales. Em New Bedford trabalhara como trancador de baleias. E assim o pequeno Alfred Lewis cresceu, embalado pelas notícias e pelos contos... de fadas do pai. Ao mesmo tempo recebia a instrução na escola da sua freguesia.
É o próprio Alfredo Luiz quem fala da sua infância e juventude, acrescentando que continuou a educar-se dirigido por um preceptor (tutorship).
Manifesta desejo de escrever contos e versos e publicou em 1920 os primeiros no jornal O Florentino.
Em 1922, com 19 anos, emigra para Providence, Rhode Island, sem conhecer uma palavra de inglês. Mas o destino era a Califórnia.
A bolsa acha-se, no entretanto, reduzida a 75 cêntimos!...
Claro que Alfredo Luiz teve de entregar-se ao trabalho, a ocupações duras. Distrai-se escrevendo, em português, para os jornais da colónia açoriana da Pacific Coast: A Liberdade, O Lavrador Português e o Notícias. Simultaneamente prepara-se na língua do seu novo país — não já o home mas o country.
Robert Ingersoll [1833-99] é o mestre. Depois Flaubert, Sherwood [Anderson, 1876-1941], Melville e Henry James.
Quer formar-se em Direito. Consegue ser juiz! Ao mesmo tempo escreve, escreve sempre. Até 1949 publica pequenas histórias. Vem o êxito actual. Ei-lo a preparar, presentemente, a sequência de Home Is an Island.
Este o escritor que, por si, se guindou da humanidade ao caminho que outros ilhéus famosos na literatura das Américas lograram — John dos Passos (nos Estados Unidos) e Erico Veríssimo (no Brasil).
A glória? Ainda não! Apenas isto — e é muito: Alfred Lewis escreve para o Mundo!

João Afonso
«My Home Is an Island. Do livro e do seu autor, Alfred Lewis,
nascido na Ilha das Flores», Diário Insular,
 Angra, 11 de Julho de 1951, pp. 1, 2

Vasco Rosa  *

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