Diário dos Açores

Ana Laura, Bruna, Luiza, Cáudia, Maria e a Alessandra da Ilha...

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Toda mulher, independente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade, religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. Lei Maria da Penha – Art. 2

Quantas mulheres mais vão perder suas vidas porque seus companheiros se acham com “direito de posse” do sentir, do pensar e do viver? Neste “Dia Internacional da Mulher”, criado pela ONU, em 1975,como resposta ao clamor feminino, ao longo dos séculos, em diferentes épocas e culturas. Mulheres que foram vozes na defesa de seus lídimos direitos e de viverem sem o estereótipo social e cultural que as reduziam a cidadãs de segunda classe. Este foi o tema da minha dissertação de mestrado em março de 1985 quando abordei o trabalho da mulher na administração pública.
Quanto avançamos desde que Alice Guilhon Gonzaga Petrelli, desafiou a família e não só e, em 1920, assumiu o cargo de Chefe de Expediente da Secretaria da Fazenda do Estado, tornando-se a primeira mulher funcionária pública de Santa Catarina. Quanta água do mar passou por baixo da ponte? E hoje, século XXI, assistimos tantas conquistas femininas relevantes em todos os campos de conhecimento. Entretanto, muitas mulheres ainda enfrentam, por todas as geografias, a falta de liberdade e a ausência da garantia dos seus direitos. Sim, continuamos a viver sob o julgo de normas estruturais, de amarras, de cercos a serem rompidos no próprio cotidiano e nem sempre circundado pela terra ou pelo mar dos que vivem num território insular.
Fala-se muito por toda parte sobre a violência física e os números crescentes assustam, mas já não surpreendem. O que não é nada bom. Passa um sentimento de aceitação tácita de uma realidade perversa. Porém há um outro tipo de violência profunda, vai além do físico, porque atinge o emocional, a alma, mina o psíquico e é muito cruel. A palavra da moda Gaslighting traduz essa forma abusiva e manipuladora em que o agressor anula a vítima a tal ponto que ela passa a duvidar da sua capacidade e até da sanidade mental. O trágico é que (não raro) algumas mulheres, no exercício profissional, também praticam uma violência emocional contra a mulher no âmbito do trabalho. Ao negar a fala, ignorar ou podar iniciativas, atingir a autoestima e até puxar o tapete da sua colega no afã de diminuir perante os demais. Isso também é ao meu ver um jeito sutil de discriminar.
Mais do que nunca, não podemos varrer da memória e nem enterrar na cova do esquecimento os milhares de feminicídios e nem calar a nossa voz em defesa da mulher e suas lutas. No ano de 2022, em cada 1000 mulheres, entre 20 e 40 anos, 68% sofreram de violência física por parte de “seus homens”. No Estado de Santa Catarina cerca de 60 sofreram feminicídio. O ano de 2023 mal começou e 6 foram assassinadas e 2.617 mulheres requereram medidas protetivas, segundo dados do TJSC. Não tem como não mencionar a triste história da jovem professora Alessandra Abdallada Rede Municipal de Ensino que, mesmo tendo medida protetiva contra o ex companheiro, foi assassinada em novembro passado na porta da creche do bairro da Tapera onde lecionava.
Este é um momento de reflexão sobre a contínua luta feminina e as suas conquistas e, sobretudo, pelo respeito e maior reconhecimento do papel da Mulher na sociedade. Afinal, não poderia deixar de reverenciar a nossa “Ilha Mulher”que traz o nome da figura mítica de Santa Catarina de Alexandria, que representa gnosis e plúrimas significações.
“Meu corpo é teu imenso corpo de ilha/ e minha alma invade as tuas entranhas,/ participando da tua febre criadora./Meu sangue é o rasgão líquido de seus rios/a linfa nervosa das tuas cachoeiras/a água matuta das tuas lagoas(...)” da poeta Maura de Senna Pereira, a Maria da Ilha.  

Lélia Pereira Nunes*

*Escritora/
Academia Catarinense de Letras

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