“Páscoa é isso, o feliz discernimento à luz do Ressuscitado que se faz pão e se dá, nas frágeis mãos dos homens”
Diário dos Açores

“Páscoa é isso, o feliz discernimento à luz do Ressuscitado que se faz pão e se dá, nas frágeis mãos dos homens”

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Cristo Ressuscitou, Aleluia, Aleluia!
Hoje celebramos a ressurreição de Cristo, a união e o reencontro de todos nós com o mesmo. É templo de reflexão e de comemoração, pois hoje Cristo vive em nós.
Pedro Carvalho, micaelense de gema, é sacerdote desde 2020 e neste momento é Pároco responsável pelas Paróquias de São João Baptista, São Caetano e o Curato de Santa Margarida, na Ilha do Pico.
O Diário dos Açores esteve à conversa com o Padre Pedro para conhecer um pouco mais sobre si e tentar perceber como o mesmo se prepara para estas festividades, não só como pároco, mas também em comunidade.

Fale-nos um pouco sobre si?
Além de ter tido a felicidade de ter uns pais humildes e lindos, minha mãe ousou chamar-me Pedro. Não sei se meu pai concordou, mas também acho que não teve outro remédio!
Nasci em Janeiro de 1995 e sou natural de Santa Bárbara de Ponta Delgada. Ali vivi toda a minha vida antes de ir para o Seminário Episcopal de Angra, aos 17 anos de idade. Aquela idade em que achamo-nos adultos cheios de entendimento e prontos para a vida e, com o passar do tempo “o nosso sonho de adultez, inverte-se no sonho de sermos crianças outra vez”, como outrora dizia José Saramago acerca de si mesmo.
Após 7 anos no Seminário, fui ordenado diácono em Dezembro de 2019 e Padre em Setembro de 2020, no tão famoso “ano da Pandemia!”. Embora diferente do que havia pensado, pois ninguém imaginava uma pandemia a cercar-nos os minutos programados, excessivamente, por vezes, na nossa vida, julgo que tudo aconteceu no momento certo. Aliás, “o tempo é mestre”, cantava Eça.
Neste momento estou a coordenar, como padre, as Paróquias de São João Baptista, São Caetano e o Curato de Santa Margarida (Terra do Pão), na Ilha do Pico, terra de gentes que me acolheram de uma forma que jamais poderei retribuir.
Também estudei no Conservatório Regional de Ponta Delgada, minha segunda casa, sem sombra de dúvida, durante o tempo de uma Directora excepcional e que em muito contribuiu, na sua humildade, rectidão e profissionalismo, para aquilo que, em parte, também sou hoje: Professora Ana Paula Andrade. Ainda hoje me sinto parte da família que ali cresceu comigo durante longos anos, aliás, os grandes pilares das minhas amizades de hoje, formaram-se ali.
Também sou recente estudante de “Língua Hebraica, Exegese e Contexto Hebraico na Bíblia”, na Universidade Hebraica de Jerusalém em parceria com o Instituto de estudos bíblicos de Israel, por minha iniciativa, uma vez que senti a necessidade de uma contínua orientação em formação bíblica, na qual não encontrei resposta suficiente de acompanhamento progressivo e gradual no meio onde estou.
Graças a Deus, ganhei uma bolsa de mérito, que muito me ajudou a seguir este estudo, caso contrário, tinha outras prioridades na vida, uma vez que ainda agora comecei a minha vida ministerial, há cerca de dois anos.

A Páscoa celebre a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo. Na sua paróquia como é preparada a Páscoa?
Nas minhas paróquias a Páscoa é preparada em comunidade. Há uma coisa que nos é “sagrada” na preparação, que é a junção das ideias de todos. Desde como enfeitar a igreja para as cerimónias, passando pela liturgia em si, até às horas das missas.
Aqui está abolida a ideia do “padre quer, pode e manda”. Digo que é uma espécie de ideia barroca e, o barroco, atrai-nos, mas pastoralmente já não estamos no século XVIII, e temos de ler os sinais do nosso tempo, e um deles, e está mais que visto, é o de não transladar o passado, temos de ter a ousadia de criar um tempo novo. Aqui, somos todos UM. Todos importantes e, se estas celebrações da Semana Maior, são as mais importantes e são para a comunidade, temos de ir ao encontro dela, remando todos para o mesmo lado.
As celebrações são preparadas, óbvio, conforme aquilo que é a liturgia da igreja, mas eu preocupo-me em explicar as coisas da liturgia e os ritos à comunidade, para que ela se sinta sempre envolvida nos actos litúrgicos, que embora caibam na sua maioria ao padre, faço-o para que haja uma conexão entre nós todos e para que possamos viver um rito ou ato com a consciência do que estamos ali a fazer.
Não pretendo criar espectadores de um teatro nem pretendo formatar consciências, mas clarificá-las, propondo e não impondo, para assim dar um sentido comunitário aos actos e à mensagem evangélica desta semana tão importante para nós. São João Paulo II dizia: “escancarai os vossos corações”, e nas minhas paróquias, tento transmitir a mensagem de uma Igreja de portas escancaradas àqueles que, muitas vezes, são marginalizados pela sua situação de vida.
E esta é a semana propícia para isto, convidar a todos para celebrarmos a Páscoa de Jesus, daquele Cristo que morreu por todos e não, apenas, por alguns, como muitos assim o desejariam, talvez, ou façam entender!
Em comunidade, procuramos acolher a todos por igual: o casado, o viúvo, o divorciado, o re-casado, o em união de facto, o estrangeiro. O mais importante é focarmo-nos numa igreja circular e não piramidal, onde todos nós estamos na nossa condição que nos é comum e transversal e é a mais importante, comunidade de baptizados.
Não é isto que Jesus nos pede no Evangelho que, ainda hoje, e passados 2000 anos, proclamamos? “Se falei bem, porque me bates? Mas se falei mal, diz-me em quê?”.

O Padre Pedro é natural de São Miguel, embora neste momento seja sacerdote na Ilha do Pico. Como é viver esta festividade longe da sua terra natal?
Onde está o nosso coração, aí está a nossaOnde está o nosso coração, aí está a nossa casa. Por estar separado da minha família pelo imenso mar que nos é tão familiar, e da minha terra Natal, isto não significa, propriamente, que viva a Páscoa longe deles. Já nos dizia Sophia de Mello Breyner Andresen, que “a saudade é algo tão perto e, no mesmo instante, tão longe”.
Aquilo que me deixa mais saudades da minha terra Natal é o facto de ali ter sido criança. Tenho saudades de olhar e reviver esta semana na inocência de quando tinha 9 ou 10 anos, quando comecei a observar mais atentamente as cerimónias desta Semana e toda a azáfama que se fazia em torno dela.
Faz-me muito lembrar a estória do Principezinho de Antoine de Saint-Exupéry, que queria ter uns olhos de criança para sempre. Dá-me saudades viver tudo isto, de quando ainda era levado pela mão de minha mãe até à igreja. Eu acho isso das coisas mais bonitas que tive o privilégio de viver.
Hoje a Páscoa não mudou, permanece a mesma, mas a vivência é diferente. E, é diferente, porque a maturidade já é outra e a responsabilidade também. Agora sinto o peso de guiar espiritualmente um povo, que é a minha casa, e de ter o cuidado de preparar as celebrações de maneira a que deixem algum sentido ou pensamento na vida de cada um, se assim acontecer, já valeu todo o esforço desta semana!
Eu acredito que estamos sempre no sítio certo, embora tenhamos, também, de ter o perfeito discernimento de saber quando devemos sair, isto sim, é uma verdadeira Páscoa. Saber discernir o Espírito de Deus em nós e acerca de nós.
Páscoa é isso, o feliz discernimento à luz do Ressuscitado que se faz pão e se dá, nas frágeis mãos dos homens, e que se vive na e para a comunidade. Quem assim sente, como nos podemos sentir longe de casa?!

Como se prepara espiritualmente para a celebração da Páscoa?
Não há nenhuma fórmula ou regra mágica de preparação espiritual para a Páscoa. Ou pelo menos, se há, ainda não a encontrei!
Estas celebrações são tão ricas, quando feitas na sua simplicidade, pois é isso que elas clamam em si mesmas, que só o percurso de as prepararmos com a comunidade, ouvindo os desabafos das pessoas no meio da confecção dos arranjos para enfeitar a igreja, no meio da rua quando nos cruzamos, na troca de ideias, na preparação dos espaços litúrgicos, na surpresa daquilo que não é programado é, por si só, um caminho de preparação.
E é diferente todos os anos, todos os dias. Porque se queremos ver a Deus, devemos procurá-lO nas pequenas coisas do nosso dia a dias. E, para isso, temos de ter a humildade de nos reconhecermos pequenos também.

Como a sua comunidade, vive a Semana Santa de preparação para o dia da Ressurreição? Há um envolvimento da população nas cerimónias pascais?
Na Semana Santa, a própria liturgia cria uma tensão crescente que culmina na Vigília Pascal da Ressurreição do Senhor, tradicionalmente chamada como “Sábado de Aleluia”, e é tão popular e bonita esta expressão, que deverá ser sempre mantida!
Aliás, quando era pequeno, sempre que ouvia essa expressão, já sabia que era “aquela missa longa onde se tocava bastante os sinos e acendiam-se as luzes e se fazia uma fogueira!”. Com isto quero dizer, que existe um grande envolvimento das minhas comunidades nesta semana Maior, e eu sou muito feliz por isso e tento sempre manter este envolvimento de todos.
Costuma-se dizer que uns plantam e os outros colhem, e eu tenho a graça de estar a colher o trabalho comunitário que foi desenvolvido pelos meus inúmeros sucessores e colegas aqui nas paróquias. Por respeito a isso e à comunidade, tendo mantê-lo o melhor que posso, dentro das minhas limitações e também tentando acrescentar algo para o futuro.

A importância a bens materiais como às amêndoas, os ovos de chocolates e os folares acabam por ofuscar o verdadeiro significado da Páscoa?
Julgo que nem amêndoas nem ovos de chocolate ofuscam o verdadeiro sentido da Páscoa. Quem sabe o que é a Páscoa e procura vivê-la conscientemente, não se preocupa com todas estas questões de cariz mais comercial.
Não se trata de negar que elas existem ou tentar aboli-las, mas de saber reconhecer que, com o tempo, também se comercializou esta época com a venda de inúmeras guloseimas que atrai a atenção, sobretudo dos mais novos. A mim, cabe-me dar o exemplo daquilo que é verdadeiramente importante e daquilo que é secundário.
Por isso, julgo que uma coisa não invalida a outra, até porque, nesta altura do ano, eu mesmo ofereço amêndoas no Domingo de Páscoa no final da eucaristia. Não tem nenhum mal. Páscoa também é partilhar na alegria!

Numa altura, em que a descrença assombra o mundo, quer com o continuar de uma guerra que teima em acabar quer pelas dificuldades sentidas por muitas famílias açorianas dada a inconstante oscilação no orçamento familiar. Como nós, cristãos podemos viver esta Páscoa de forma mais serena e celebrando a ressurreição de Cristo?
Para viver a Páscoa não é preciso ser rico nem pobre. Porque a consciência não é uma questão de dinheiro. Não é o ordenado que ganhamos no final do mês que vai ditar a nossa felicidade ou a alegria da Páscoa deste ano. Aquilo que dita a felicidade da nossa vida é a maneira como decidimos viver cada momento do nosso dia-a-dia com aquilo que nós temos.
Não digo que uma família que vá à Missa de Páscoa viva melhor este Mistério do que uma família que não foi à missa e celebre a Páscoa em sua casa, porque eu não moro nem sou conhecedor das consciências que cabem no coração de cada um, nem quero!
Mas uma coisa, eu posso dizer, a eucaristia é o centro da nossa Fé, como se fosse uma fonte onde bebemos água e, não viver a Eucaristia das Eucaristias, julgo que a Páscoa se torne um pouco como um puzzle onde faltam algumas peças fundamentais. É como se bebêssemos água, mas a sede não passa.

Que mensagem vai transmitir aos seus paroquianos neste Domingo de Páscoa?
No dia de Páscoa, pretendo transmitir, sobretudo, uma mensagem de esperança e de acolhimento. Porque, com tanta falta de testemunho que é transversal à sociedade de hoje, julgo haver muita sede de Deus, mas sem um testemunho convicto e consciente, a mensagem não passa. E se a mensagem não passa, não há Páscoa: há um dia igual aos outros.
Também acho que o acolhimento é a palavra-chave deste tempo em que Jesus nos chama a tomar parte d´Ele. E acolhimento porquê? Porque há pessoas que se sentem marginalizadas por infelicidades que tiveram na vida. Todos nós merecemos uma segunda, terceira ou quarta oportunidade, aliás, a nossa Fé, constrói-se de oportunidades e tentativas de ver a Deus na nossa vida!
Ainda existem inúmeras pessoas que batem às portas das igrejas e, com isto, quero dizer que a primeira coisa que se deveria procurar fazer, deveria ser entender a história da pessoa, o seu caminho, colocar-se no lugar dela, como a podemos ajudar, enfim, acolhê-la, mas como bem sabemos, nem sempre é assim, infelizmente. Porque, quem bate numa porta, é porque sente a necessidade de falar de si e de ser acolhido!
É essa a mensagem que quero transmitir. Uma igreja de acolhimento e de esperança para todos, porque ao fim e ao cabo, todos nós somos detentores das mesmas fragilidades por sermos humanos!
Ressurreição é comunidade e, comunidade é acolhimento. Esta é que é a verdadeira Igreja de Jesus.

por AnaCatarina Rosa *

*jornal@diariodosacores.pt

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