Diário dos Açores

Entrevista histórica ao Dr. Reis Leite, primeiro Secretário Regional da Educação e Cultura dos Açores

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Em Setembro de 1982, o então Secretário Regional da Educação e Cultura, Dr. Reis Leite, deu-me posse no cargo de Director Regional de Educação Física e Desportos,quer dizer,já lá vão 40 anos, o tempo passa depressa. Entretanto, no âmbito do Projecto de Desenvolvimento Desportivo da Região Autónoma dos Açores foi elaborado um documento orientador composto por 10 pontos fundamentais, nos quais se incluía a publicação bimestral de uma revista “AçoreSports”. A criação da revista tinha comoobjectivos prioritários: promover a prática desportiva, divulgar as diversas actividades desportivas açorianas, dignificar o desporto regional e fortalecer a ligação entre os desportistas das nossas ilhas, assim  como, com os de outras regiões insulares, do continente e das comunidades açorianas.
O aparecimento de um órgão de Comunicação Social é um acto público de reconhecido interesse, especialmente quando se trata de uma revista, denominada “AçoreSports”, cuja função primordial é a de transmitir a realidade desportiva da Região Autónoma dos Açores. Durante anos os Açores foram quase esquecidos e só esporádicamente lhes eram abertas as portas à participação em provas nacionais. Com a institucionalização do Governo Regional dos Açores, as estruturas desportivas foram modificadas e os assuntos relacionados com o desporto açoriano passaram a ser resolvidos na Região. No primeiro número  da revista “AçoreSports” (Mar/Abr- 1983),  foi publicada uma entrevista com o Senhor Secretário Regional da Educação e Cultura, Dr. Reis Leite, que esteve ligado a todo o processo de implementação da autonomia regional dos Açores, sobre as dificuldades inerentes a esta reestruturação.
- Situando-nos no tempo e procurando seguir a ordem cronológica dos factos, como é que surgiu a Direcção Regional da Educação Física e Desportos?
Quando se iniciou o estudo da Lei Orgânica da Secretaria Regional da Educação e Cultura, foram postas à consideração duas opções quanto ao Desporto: uma que apontava para a criação de uma Direcção Regional abrangendo todo o Desporto (escolar e extra-escolar); outra que separava o Desporto extra-escolar do escolar, ficando este anexado à Direção Regional da Orientação Pedagógica, uma vez que se tratava de um facto da Pedagogia.
Ponderadas as duas opções e depois de profundamente analisadas, chegou-se à conclusão de que seria mais rentável a criação da Direção Regional de Educação Física e Desportos (DREFD) abragendo todo o Desporto.
- Relativamente a este ponto, houve alguns professores de Educação Física que se opunham a esta DREFD. Teve conhecimento disso?
Como já referi, penso que o Desporto Escolar, ao ser integrado na DREFD, passou a ser uma área pedagógica privilegiada dentro do currículo. Evidentemente que isto só resultará se a Direção Regional estiver devidamente estruturada e apta a dar resposta aos problemas do Desporto. Se alguns professores de EF dizem ou defendem essa posição, teriam em mente o esquema de uma Direção organizada noutros moldes. Aceito, em teoria, a sua maneira de pensar, embora possa considerar discutível os resultados que daí pudessem advir. No entanto, não creio que alguma vez tenha aparecido algum plano concreto desses professores, a fim de que pudesse fazer uma análise. Só como posição vaga e teórica, não creio que seja de ter em consideração. A preocupação da Secretaria Regional da Educação e Cultura foi a criação de um órgão de cúpula que assumisse a responsabilidade de definir a política desportiva da Região e coordenar as dos vários organismos ligados ao Desporto e dispersos pelo Arquipélago de molde a haver um planeamento viável e definido. Por outro lado, evitaríamos a existência de compartimentos estanques no Desporto.
Nesta opção tomada, aparece um sinal de autonomia, pois  esta opção não é seguida a nível nacional. Para além disso, é bom recordar que o universo desportivo dos Açores é completamente diferente do existente a nível nacional. A regionalização foi o grande problema político do Primeiro Governo Regional, porque essa regionalização a nível do Desporto só podia ser relativa. A nível escolar, a regionalização fazia-se comulativamente com os serviços e o problema residia nas competências pedagógicas. No que respeita às outras áreas do Desporto, não se podia fazer regionalização porque não existiam na Região estruturas montadas e prontas a receber a transferência desses serviços. Como tal, houve que montar uma Direção Regional.
- Durante cerca de dois anos, o Senhor Secretário Regional também exerceu as funções de DREFD. Foi acusado de falta de preparação específica para o cargo. Como reagiu a esse ataque e como conseguiu coordenar ambas as funções?
Realmente, assumi em acumulação ambas as funções. Aceito as críticas públicas tecidas sobre a minha não preparação específica para o cargo e até acho que são uma realidade. No entanto, procurei rodear-me de pessoas, na altura disponíveis que me ajudaram.
Durante esse tempo fiz vários contactos com pessoas que pudessem reunir condições e disponibilidade para o cargo de Director Regional, mas, infelizmente para nós, essas pessoas tinham já responsabilidades a nível geral ou então exigiam determinadas condições a que a Região não podia corresponder. Por outro lado, a pessoa que anteriormente ocupava o cargo afastou-se a seu pedido e ninguém estava disposto a ocupá-lo. Julgo que, por tudo isto, se justificou a demora no aparecimento de um DREFD.
- Aquando da tomada de posse do professor Eduardo Monteiro, uma das propostas por ele lançadas era a criação de uma revista. Posteriormente surgiu, em determinada imprensa dos Açores, uma certa polémica sobre a revista. Que nos pode dizer sobre este assunto?
É óbvio que concordo com o senhor Director Regional, pois se assim não fosse, teria analisado com ele durante as conversações que tivemos e que antecederam esta posse. Penso que a polémica se terá gerado devido a um equívoco e não vejo que as opiniões expressas nos jornais tenham sido contra a revista em si, mas porque pensavam alguns senhores jornalistas desportivos que essa revista iria retirar às suas páginas desportivas o seu campo de acção, e aí equivocaram-se, porque o que pretendemos é lançar uma revista que se situe num campo de divulgação desportiva global, incluindo todas as ilhas e as modalidades ditas pobres. Levar às pessoas informação sobre os vários desportos, a fim de se compenetrarem cada vez mais na sua função de participantes ou de dirigentes. Para além disso, a revista não pode colidir com os jornais, pois que, enquanto estes são de leitura momentânea e essencialmente de crítica em cima do acontecimento, a revista pretende ser uma fonte de formação, informação e divulgação desportiva, congregando à sua volta muitas opiniões, interesses e boas vontades que de outra maneira não apareceriam.
- A Direcção Regional de Educação Física e Desportos planificou um conjunto de actividades. Algumas já foram realizadas. Outras estão em execução. Que pensa desses planos do senhor Director Regional?
O intuito da pergunta será o de crítica ao senhor Director Regional. Tenho procurado acompanhar em pormenor tudo o que se tem feito e estou francamente satisfeito, porque penso ter-se encontrado o bom caminho e, tal como variadíssimas vezes tinha dito, a dedicação que a área do Desporo exige tem de ser exercida por uma pessoa em tempo inteiro, pois que o Desporto não se compadece com meras boas vontades. Creio até que a existência de um Director Regional que ainda por cima é uma pessoa competente nesta matéria, tem vindo a possibilitar, por um lado,um esclarecimento maior da política desportiva do Governo e, por outro lado, uma aplicação muito mais acompanhada do que anteriormente se fazia. Sou de opinião de que, sem terem sido mudadas as linhas programáticas do Governo, a aplicação prática dessas linhas com o acompanhamento que têm tido é uma sensível melhoria da nossa orientação de política desportiva.
- Acha que as verbas actualmente existentes para o Desporto serão suficientes para dar resposta à programação do corrente ano?
As verbas nunca são suficientes. São as existentes e as possíveis. Parece-me, no entanto, que no conjunto das verbas da SREC, as da DREFD são substanciais comparadas percentualmente com as das outras Direções Regionais, e nunca se pensou que fosse possível atribuir tanto ao Desporto. Se existissem mais verbas, poder-se-ia fazer mais e talvez até engolir mais etapas mas, no nosso estádio actual, não é possivel reservar uma fatia maior ao Desporto, embora já a considere elevada.
- Os pavilhões desportivos anexos às escolas que se estão construindo, e  nomeadamente os projectados para Ponta Delgada, Angra do Heroísmo, Horta, Praia da Vitória e Madalena do Pico, resolverão parcialmente os problemas do Desporto Regional?
Julgo que o problema maior é o custo dessas estruturas cobertas. Ora, como a nossa Região é dispersa e com povoamento rarefeito, teremos de encontrar um sistema de rentabilização o mais realista possível. Poderíamos até partir para o ideal, mas creio que, quem partiu do zero e consegue, em pouco mais de seis anos, criar uma rede de estruturas que possibilita a existência em todas as ilhas, em todas as sedes de concelho de pavilhões desportivos e recintos ao ar livre que possam servir, igualmente, as comunidades a que pertencem, é um passo muito grande e uma coisa que nunca se tinha pensado sequer ser possível fazer-se nos Açores. Construída que está esta rede de infraestruturas, há que encontrar uma forma habilidosa e prática para que sejam utilizadas no máximo possível.
 - Relativamente ao Parque desportivo de Angra do Heroísmo para quando está previsto o seu arranque?
O arranque já se deu com a compra do terreno. O estudo da implantação é fundamental para que este ano se possam começar as obras de terraplanagem, uma vez que já se decidiu no sentido de se começar por construir um estádio com um campo de futebol relvado e uma pista de atletismo. Tem sido discutido e é matéria de discussão se, se devem concentrar numa só zona de Angra todas as infraestruturas desportivas para a cidade. Eu creio que haverá vantagem na construção de uma área suficientemente ampla que possa concentrar todas as infraestruturas e , ao mesmo tempo, ser uma zona verde onde se possa praticar desporto e as pessoas se sintam bem. No entanto, isto não dispensa em absoluto outros espaços desportivos já existentes ou em construção como os campos de S. Mateus e da Terra Chã que são zonas cada vez mais suburbanas.
Uma entrevista esclarecedora sobre a orientação de política desportiva definida pelo Secretário Regional da Educação e Cultura. Trabalhar com o Dr. Reis Leite, meu colega no Liceu Nacional de Angra Heroísmo, foi uma experiência inesquecível e enriquecedora em termos profissionais e de entendimento pessoal. Todas as conquistas efectuadas no processo de desenvolvimento desportivo dos Açores (1982/1989), só foram possíveis  porque tivemos sempre o máximo apoio do Dr. Reis Leite. Uma pessoa notável, que desempenhou ainda as funções de Presidente da Assembleia Regional.

Eduardo Monteiro *

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