A330 (avião “Cachalote”) foi opção errada, contra parecer de consultoras e provocou perdas de 42 milhões de euros
Diário dos Açores

A330 (avião “Cachalote”) foi opção errada, contra parecer de consultoras e provocou perdas de 42 milhões de euros

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Auditoria à SATA enviada ao Ministério Público

Uma auditoria do Tribunal de Contas (TdC) ao grupo SATA identifica a companhia aérea Azores Airlines como responsável “por cerca de 90% dos prejuízos acumulados entre 2013 e 2019”, no valor de 260 milhões de euros.
No documento, divulgado ontem, o TdC “identifica que a principal causa para o significativo agravamento do desequilíbrio económico e financeiro do Grupo SATA foi o desempenho negativo da subsidiária SATA Internacional – Azores Airlines, S.A. [responsável pelas ligações de e para fora do arquipélago dos Açores], responsável por cerca de 90% dos prejuízos acumulados no período em referência”.
Entre 2013 e 2019, o Grupo SATA “acumulou prejuízos na ordem dos 260 milhões de euros, dos quais 233,4 milhões de euros (90%) foram gerados pela Sata Internacional – Azores Airlines”, resume a auditoria.
A análise ao grupo público regional, que integra também a companhia de aviação SATA Air Açores (responsável pelas ligações interilhas) foi feita na sequência de um pedido da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores e indica que, entre 2013 e 2019, o passivo “passou de 199 para 465 milhões de euros e o capital próprio foi sujeito a uma acentuada erosão, atingindo o valor negativo de 230 milhões de euros no final de 2019”.
“Durante todo aquele período, a empresa confrontou-se com uma situação de falência técnica, com o capital próprio negativo a ascender a menos 203,3 milhões de euros no final de 2019”, descreve a auditoria.
O TdC considera que, para os resultados da Azores Airlines, contribuíram “as opções de gestão relacionadas com o processo de renovação da frota de longo curso e a sua posterior reversão, bem como a exploração de rotas sujeitas a obrigações de serviço público sem a correspondente compensação financeira”.
“As evidências recolhidas pelo Tribunal apontam no sentido de que a opção de substituir quatro aeronaves Airbus A310-300 por duas Airbus A330-200 – das quais apenas uma chegaria a integrar a frota da companhia – foi uma decisão estratégica não sustentada tecnicamente. Como consequência, registaram-se perdas na ordem dos 42 milhões de euros, dos quais cerca de 22 milhões de euros entre 2016 e 2019”, descreve a auditoria.
O TdC considera ainda que a decisão “causou sérios constrangimentos à operação, afectando a respetiva posição competitiva precisamente no momento em que, por via da liberalização parcial do espaço aéreo dos Açores, a empresa passou a confrontar-se com a concorrência de outras companhias aéreas na disputa por algumas das rotas que historicamente geravam mais valor”.

Governo impôs rotas sem compensação financeira

“Por outro lado, a decisão do Governo Regional dos Açores de impor a exploração de rotas sujeitas a obrigações de serviço público sem a correspondente compensação financeira também contribuiu para a degradação da situação económica e financeira da empresa, traduzindo-se na acumulação de prejuízos, entre 2015 e 2019, de cerca de 41 milhões de euros”, descreve o TdC.
Quanto à SATA Air Açores, a auditoria diz que “a persistência de atrasos no pagamento das indemnizações compensatórias devidas pela Região Autónoma dos Açores enquanto concedente no contrato de concessão de serviços aéreos interilhas – que no final de 2019 totalizavam 51,7 milhões de euros – contribuiu para agravar o forte desequilíbrio financeiro que a empresa já evidenciava em 2013 e que se acentuou nos anos seguintes”.
O TdC alerta ainda “para o elevado grau de informalidade que continuou a caracterizar o funcionamento dos órgãos sociais das empresas do Grupo SATA, o que consubstancia o incumprimento de disposições legais e estatutárias, não sendo admissível num contexto de gestão de dinheiros públicos”.

SATA contrariou consultoras que sugeriam outro tipo de avião

O Tribunal de Contas arrasa a opção da Administração da SATA em optar pelo A330, quando duas importantes consultoras sugeriam outra opção.
Transcrevemos a seguir o que diz, quanto a este negócio, a auditoria do Tribunal de Contas:
“Antecedendo a aprovação do Plano de Negócios 2015/2020, cuja versão final data de novembro de 2014, os responsáveis do Grupo SATA solicitaram a duas entidades de referência no sector – a Aviado Partners e a Lufthansa Consulting – a elaboração de estudos tendentes à definição da frota que melhor se adequasse à rede operada pela Sata Internacional – Azores Airlines, S.A., atenta a necessidade de se proceder à substituição das quatros aeronaves Airbus A310-300 .
O primeiro estudo, da autoria da Aviado Partners , recomendava a transição para uma frota exclusivamente constituída por aeronaves narrow-body , sem no entanto indicar um modelo específico ou fabricante.
Em linha com esta solução, a Lufthansa Consulting pronunciou-se no sentido de a frota Airbus A310-300 ser substituída por aeronaves Airbus A321-200 (narrow-body) equipadas com dois tanques adicionais de combustível, por forma a dotá-las de um raio de ação compatível com a operação para a América do Norte .
Porém, contrariando os resultados daqueles estudos – relativamente aos quais as atas das reuniões dos órgãos sociais da empresa eram omissas – o Plano de Negócios 2015/2020 previa que a renovação da frota dos A310-300 fosse concretizada com recurso à locação de dois Airbus A330-200 (wide-body), dispondo de uma capacidade significativamente superior à das aeronaves substituídas.
A opção por estas aeronaves em detrimento de outras alternativas, nomeadamente do Airbus A321-200, foi justificada com as limitações deste equipamento para operar as rotas da América do Norte e com o facto de, à data, nenhuma companhia aérea utilizar aquele modelo de aeronave em ligações transatlânticas .
Dado que uma decisão desta relevância não poderia bastar-se com referências e considerações de carácter genérico sobre pretensas limitações de determinados equipamentos, questionou-se a entidade acerca da existência de eventuais estudos mais aprofundados de suporte à opção tomada.
Foi então disponibilizado um documento, datado de 25-06-2015, que se presume constituir a súmula de um estudo realizado pela Mach, L.da, em parceria com o Instituto Superior de Educação e Ciências, o qual concluía ser «O A330-200 (…) a aeronave mais adequada ao enquadramento e perspetivas futuras da SATA» / .
Aparentemente, foi com base numa versão preliminar do mencionado estudo – não disponibilizada ao Tribunal – que o Conselho de Administração da Sata Internacional – Azores Airlines, S.A., por deliberação de 26-03-2015, decidiu escolher aquela aeronave para substituir a frota dos Airbus A310-300, condicionando, todavia, a eficácia da decisão a posterior autorização do accionista único – a Região Autónoma dos Açores.
A ausência de referências anteriores ao assunto nas actas das reuniões dos órgãos sociais da empresa sugere que, em Dezembro de 2014, aquando da aprovação do Plano de Negócios 2015/2020, no âmbito do qual já era assumida a opção pelo Airbus A330-200, o órgão de gestão da Sata Internacional – Azores Airlines, S.A., ainda não estaria na posse de toda a informação que lhe permitisse sustentar tecnicamente tal decisão.
Todavia, a escolha daquele modelo de aeronave só viria a ser formalmente validada pelo acionista único em Dezembro de 2015, com a aprovação, em sede de Assembleia-geral da sociedade, da minuta do contrato de locação operacional , embora em Abril daquele ano já decorressem negociações com vista à locação de uma das aeronaves Airbus A330-200 .

Governo Regional aprovou compra do “Cachalote”
 
E foi já com estas negociações em curso que aquele responsável, em Junho de 2015, deu conhecimento formal aos restantes administradores da «(…) validação, por parte do acionista, do modelo A330-200 como o modelo de aeronave a substituir o A310-300, suportada no estudo técnico-operacional realizado pela [Mach, L.da]» .
Cabe assinalar que no contexto daquele estudo foram analisadas mais seis aeronaves, nomeadamente o Airbus A321-200, cuja exclusão foi justificada, no essencial, com as alegadas limitações deste equipamento para operar a rede de rotas da empresa – argumento já anteriormente invocado no Plano de Negócios 2015/2020, de Dezembro de 2014 – chegando-se agora ao ponto de considerar igualmente como motivo de exclusão o facto de a aeronave dispor apenas de um corredor central (narrow-body), por se entender que tal configuração «(…) penaliza o conforto e qualidade do serviço» .
Ainda a propósito da opção pelo Airbus A330-200, as declarações prestadas pelo então Presidente do conselho de administração da Sata Internacional – Azores Airlines, S.A., em sede de audição no âmbito dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito ao Grupo SATA, transcritas no respectivo relatório final, datado de 28-12-2015, são elucidativas acerca de alguns dos pressupostos que fundamentaram aquela opção.
Com efeito, interpelado sobre «Quais os objectivos que se pretenderam alcançar com a política de investimentos, com aquisição e/ou leasing de aeronaves?», aquele responsável alegou o seguinte :
“Pretendeu-se acima de tudo eficiência, fiabilidade de despacho e níveis de conforto superiores, fatores este[s] essenciais para uma operação bem-sucedida num mercado concorrencial. Desde logo, porque vamos operar com menos aeronaves e com aeronaves mais eficientes. Como sabem, nós neste momento vínhamos desenvolvendo a nossa atividade com quatro aeronaves de longo curso. A nossa perspetiva é fazê-lo com duas aeronaves de longo curso, aeronaves maiores, com mais capacidade e mais eficientes. Isso permitirá ter um volume de receitas superior”.
Todavia, não foi esta a opinião expressa pelas chefias de 1.ª linha contatadas no decurso dos trabalhos de campo, que, inclusivamente, manifestaram a sua discordância relativamente à argumentação expendida por aquele responsável, tendo alegado, em síntese, que a projectada redução da frota de longo curso, de quatro para duas aeronaves, ainda que dispondo de capacidade superior àquelas, introduziria, desde logo, limitações na conectividade da rede de operações da empresa, ao implicar a redução de frequências entre determinados destinos, nomeadamente para a América do Norte, circunstância suscetível de implicar a perda de tráfego nestas rotas, com a consequente redução da receita.
Em suma, na perspectiva daquelas chefias, o trade-off entre aumento de capacidade em detrimento do número de frequências teria, muito provavelmente, um impacto negativo ao nível da receita, contrariando, neste ponto, as declarações proferidas pelo mencionado responsável da empresa em sede de Comissão Parlamentar de Inquérito.
Os desenvolvimentos subsequentes relacionados com o processo de renovação da frota apontam no sentido de ter sido esta a perspectiva a prevalecer quando, em 2016, o novo conselho de Administração tomou a decisão de reverter a opção inicial pelos Airbus A330-200.

Contradições de Luís Parreirão

Em resposta apresentada no âmbito do contraditório, Luís Manuel Ferreira Parreirão Gonçalves, que entre 12-05-2014 e 18-12-2015 exerceu formalmente as funções de Presidente do Conselho de Administração da Sata Air Açores, S.A., da Sata Internacional – Azores Airlines, S.A., e da Sata Gestão de Aeródromos, S.A., veio contestar a factualidade descrita relacionada com a escolha do Airbus A330-200 para substituir os Airbus A310-300, alegando, em síntese, que:
«(…) os estudos da Aviado Partners e da Lufthansa Consulting (…) foram devidamente analisados e tidos em consideração aquando da elaboração do Plano de Negócios 2015/2020 pelos quadros técnicos do Grupo Sata e pelos elementos da PWC afetos à elaboração desse plano (…) tal como foi tido em consideração o estudo da Mach Lda que se encontrava a ser elaborado ao mesmo tempo que o Plano de Negócios 2015/2020 e de uma forma conjugada com este»;
 foram aceites «(…) muitas das recomendações deles constantes, como, por exemplo, promover a pronta substituição dos Airbus A 310 (…) por aviões produzidos pela Airbus, tal como estava recomendado pelo estudo da Lufthansa (…)»;
 a opção pelo Airbus A321 implicava «(…) uma redução da capacidade de transporte de passageiros e de carga que era contrária aos objetivos definidos no Plano de Negócios 2015/2020 (…)», a que acresciam alegadas limitações operacionais
«(…) mesmo com um ou dois tanques de combustível adicionais para poderem operar rotas mais longas, dado que isso implicava uma redução adicional do número de lugares e do espaço de carga disponíveis».
A argumentação aduzida não colhe, por contradição insanável de alguns dos fundamentos invocados.
Com efeito, não se alcança como é possível alegar que os estudos da Aviado Partners e da Lufthansa Consulting foram tidos em consideração e decidir em sentido precisamente contrário à solução preconizada por ambos relativamente à questão essencial que estava em causa – determinar o tipo de aeronave que melhor se adequava à operação da Sata Internacional – Azores Airlines, S.A., atenta a necessidade de substituir a envelhecida e pouco eficiente frota dos Airbus A310-300.
 Por outro lado, a relevância que se pretende agora atribuir aos mencionados estudos da Aviado Partners e da Lufthansa Consulting não é compaginável com a completa ausência de referências aos mesmos nas atas das reuniões dos órgãos sociais da empresa realizadas no período em referência.
De igual modo, estranha-se que o Plano de Negócios 2015/2020 não faça qualquer menção ao estudo da Mach, L.da, documento que, de acordo com as alegações do referido responsável, foi elaborado em articulação com aquele Plano. Aliás, a propósito da renovação da frota de longo curso da Sata Internacional – Azores Airlines, S.A., as únicas referências efetuadas no citado Plano dizem respeito a dois documentos elaborados pela fabricante Airbus, respetivamente em novembro de 2013 e setembro de 2014 , os quais, todavia, não foram disponibilizados à equipa de auditoria.

Mais contradições e opções erradas

Idêntica circunstância se verificou relativamente a alguns dos documentos agora invocados em contraditório para sustentar a opção pelo Airbus A330-200.
Em causa está um alegado estudo de avaliação das aeronaves A321-200 Neo desenvolvido pela Airbus para o Lessor Aviation Capital Group, dando conta das limitações operacionais destas aeronaves para operar em rotas mais longas, «(…) mesmo com um ou dois tanques de combustíveis adicionais (…)» – solução que, todavia, seria adoptada pela TAP para conferir maior raio de acção a algumas aeronaves da sua frota – bem como um relatório das negociações encetadas para a renovação da frota, elaborado por técnicos do Grupo SATA em parceria com um consultor jurídico, «(…) que sufragaram integralmente a decisão [d]o Conselho de Administração da Sata Internacional – Azores Airlines, S.A. relativa à substituição das quatro aeronaves Airbus A 310 por dois aviões Airbus A330-200». Na resposta dada em contraditório é igualmente referido que o Grupo SATA tem vindo a recorrer ao fretamento, em regime de ACMI, de aeronaves A330 para assegurar algumas rotas para o mercado da América do Norte, prática que, no entender de Luís Manuel Ferreira Parreirão Gonçalves, contraria «(…) as conclusões preliminares constantes do Relato no sentido da desadequação da decisão do Conselho de Administração a que o signatário presidiu relativamente ao que deveria ser a nova frota da Sata Internacional – Azores Airlines, S.A.».
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Em 28-07-2016 (apenas quatro meses decorridos desde a entrada em operação do Airbus A330-200), a Assembleia-geral da Sata Internacional – Azores Airlines, S.A., deliberou aprovar a proposta de revisão do Plano de Negócios 2015/2020 apresentada pelo órgão de gestão da empresa, revertendo a estratégia anteriormente delineada para a renovação da frota.

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