Diário dos Açores

Um prolongado jejum, uma barriga de fome, e uma lata de atum é o mais que um homem come

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“Há supermercados portugueses a colocar alarmes em produtos alimentares básicos como latas de atum, garrafas de azeite e produtos congelados, entre os quais bacalhau e salmão, avança esta sexta-feira o semanário Expresso”.
Do Jornal de Notícias: “Agravamento do custo de vida fez disparar furto de alimentos nas superfícies comerciais. Leite, salsichas e latas de atum estão entre os produtos mais roubados.
Dos jornais em geral: “Para atenuar os efeitos da crise energética e da inflação no preço dos produtos alimentares, o Governo deu um ‘bónus’ de 50 € por filho e de 125 €  por pessoa”.
Tais montantes reportam-se ao ano em  curso e correspondem à inteira dotação do ano inteiro.
O adicional ao abono de família pouco mais dará que 4 €/mês.
O “bónus” para acudir à inflação das famílias orça os 10,40 €/ mês.
“Quantas latas de atum cabem nos tão decantados 125 € de “bónus” que, uma vez repartidos pelos 12 meses do ano, mais não são do que meros 10,40 € /mês?
Sim, 10,40 €, que os fazedores da imagem do Governo convertem em valor de “encher o olho”, como se fora creditado em conta mês a mês o montante global ora atribuído…
O pretenso bónus-complemento do abono de família, pouco mais que 4 € (quatro euros) dá por mês.
Com o que pode uma mãe comprar com 4,00 €? Menos de metade de uma embalagem de “leite em pó”, de 680 gr., cujo preço por unidade atinge, em geral, os 9 €…
Não chega, portanto, para meia embalagem, à razão de 340 gr. de leite em pó… que se consome num ápice!
E o “bónus” de 10,40 € / mês, agora que as“latas de atum” estão na mira das pessoas que varrem as gôndolas dos supermercados para mitigar a fome?
Os cálculos são, com efeito, fáceis de fazer:
Uma lata de atum (posta) de 250 gr, peso líquido, custa cerca de 4,70 €; logo, o famigerado “bónus” mensal dá para 2, 2 latas… de tão cobiçado género!
Se for de uma das marcas tradicionais, em limão e piri-piri, por exemplo, ao preço por unidadede 2,90 € (peso líquido de 72 gr.), sempre se leva para casa quase 3 latas e meia… para o consumo do mês!
Se, em vez de atum, se eleger o bacalhau (que os políticos de outrora prometiam nas campanhas eleitorais  “a pataco”…), dadas as mil e uma maneiras de o confeccionar, poupando-o na mistura com outros ingredientes, os 10,40 € já não chegam para um kg. do graúdo (que se vende já entre os 12,00 e os 14,00 € o kg).
Darão antes para o “escamudo”… que é uma espécie ‘degenerativa’ que espíritos menos despertos e atreitos às sugestões e embustes confundem com a espécie  original (Gadusmoruha)!
Os poderes tendem a dissimular o clima envolvente, fazendo crer que o mercado funciona normalmente [e não se pode afrontar o sistema de economia de mercado, qual dogma irremovível, qual deus exmachina…] quando os condicionamentos são de monta e se reflectem designadamente nos preços, como se não ignora!
Como diria o outro, menos atreito a deixar-se seduzir por campanhas de propaganda como a que se assiste: “porca miséria”!
E, assim,  nos desgastamos nesta “austera, apagada e vil tristeza” com que a História fundo nos marcou… qual ferrete cravado na anca, nesta pobre condição de “ser português” e ter, nas esferas da condução dos destinos da Nação, elites do quilate  destas…
Porque razão se não suspende a livre concorrência no segmento de mercado dos 19 ou 20 géneros alimentícios susceptíveis de integrar o cabaz de produtos básicos onde os preços disparam inestancavelmente? Porque razão não se estabelece, como se fez durante a emergência sanitária com produtos saúde, higiene e equipamentos de protecção individual, um regime de preços máximos no comércio grossista e no retalhista para o cabaz de compras elementar?
O Governo teme o regresso do “regime de preços” do DL 41 204, do “deposto regime”?

Mário Frota*

*Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO -
Portugal

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