Diário dos Açores

Gastos com medicamentos como investimento

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Saúde Pública e a Saúde do público, semana a semana (4):

Os números da semana: os agonistas do receptor de GLP-1 

Nos últimos tempos muitos leitores ouviram falar do Ozempic, e de outros medicamentos similares, que se administram em injecções semanais (do grupo dos agonistas do receptor de GLP-1), que ajudam a perder peso. 
Nos EUA, onde isto se estuda ao pormenor, estima-se que 130 milhões de adultos são elegíveis para estes medicamentos. Se um terço dos americanos com obesidade os tomasse as vendas dos medicamentos para perder peso aumentariam 30 vezes; para já, prevê-se que estes medicamentos facturem até 150 mil milhões de dólares por ano, em todo o mundo, em breve. Nos EUA estes tratamentos custam cerca de 10000 dólares por ano.
Os sistemas de financiamento da Saúde, públicos e privados, não estão convencidos de que vale a pena cobrir este custo. 
O Medicare (programa federal de seguro de saúde para idosos e pessoas com incapacidade) coloca a perda de peso na mesma categoria da calvície e da disfunção eréctil. A maioria dos programas estaduais do Medicaid (para americanos de baixo rendimento e deficientes) limita a cobertura destes medicamentos: apenas 10 oferecem ampla cobertura, de entre 50 Estados. 75% das seguradoras privadas não cobrem sequer estes medicamentos. 
Não há dúvida de que a obesidade está ligada a doenças crónicas. Do ponto de vista da indústria farmacêutica, os GLP-1 são a solução há muito esperada para uma dramática crise de saúde pública, crescente e duradoura.
Até agora, os Estudos já provaram que o Ozempic reduz os níveis de açúcar no sangue, as taxas de enfartes do miocárdio e de AVC, em pessoas com diabetes tipo 2. 
A obesidade, classificada como doença, não é apenas uma questão estética. Na verdade, este tipo de medicação oferece economia a longo prazo: estudos demonstraram que os adultos com obesidade representam um acréscimo de 173 mil milhões de dólares de custos em saúde, nos EUA, por ano.
Porém, estes medicamentos (GLP-1) são alguns dos tratamentos para a diabetes tipo 2 mais caros do mercado americano. Por exemplo, o Wegovy (aprovado como tratamento para a obesidade) custa mais de 17000 dólares por ano – 40% mais do que o Ozempic, que é na verdade o mesmo medicamento, mas numa dose menor. 
Se apenas 10% dos beneficiários do Medicare com obesidade tomassem Wegovy, isto custaria cerca de 27 mil milhões de dólares por ano, ou seja, cerca de 18,5% dos gastos líquidos do Medicare com medicamentos, de acordo com uma análise publicada no “New England Journal of Medicine”! 
Os GLP-1 não são caros, no seu fabrico. As empresas farmacêuticas, obviamente, precisam de novas “estrelas”. Por exemplo, as acções da Pfizer caíram este ano, pois a procura por vacinas e tratamentos contra a Covid-19 diminuiu.
Na realidade europeia, e em particular na nacional e regional, qualquer Plano de Saúde Pública a médio prazo tem de actuar sobre os maiores problemas de uma população, tendo necessariamente de apresentar propostas para reduzir o seu impacto na comunidade, não só em termos de doença, como também o seu peso nos Orçamentos de saúde, que são cada vez mais expressivos. É confrangedor quando tal não é feito, ademais com um custo significativo (e desnecessário) para o Erário Público.

Os dados científicos da semana: aldrabices ao mais alto nível 

Em Outubro passado a Autoridade de Saúde da Flórida emitiu novas orientações para as vacinas COVID-19: Homens entre os 18 e os 39 anos não deveriam ser vacinados com vacinas de mRNA. Esta mudança baseou-se numa análise realizada, por eles mesmos, em que alegadamente descobriram “um risco aumentado de morte relacionada com eventos cardíacos em homens entre os 18 e os 39 anos.” Esta descoberta foi alarmante, e totalmente inconsistente com as análises do CDC e de cientistas independentes. 
Então, dois epidemiologistas, os Drs. Kat Wallace e Jon Laxton, solicitaram os rascunhos não publicados, ao abrigo da “Lei de Liberdade de Informação”. Era preciso entender como é que a Flórida chegara a essa conclusão. Ora, os registos consultados contam a história dramática de como nunca se deveria fazer Ciência.
Houve pelo menos seis versões da análise, e do relatório. As actas apresentam resultados e conclusões muito diferentes da versão final do relatório; por exemplo, a análise de sensibilidade foi removida, concluindo-se que as vacinas COVID estão associadas a um “risco aumentado de mortalidade, relacionada com problemas cardíacos, 28 dias após a vacinação”, conclusão obtida de forma totalmente enviesada, e sem base científica para tal. 
O objectivo da ciência é descobrir o que é verdadeiro, na realidade em que vivemos.
No caso em apreço, o desenho do estudo, os resultados e as conclusões foram alterados sem explicação científica, sem transparência, sem justificação, baseando-se numa hipótese exterior, e sem oportunidade para uma revisão formal por pares. Não é assim que a ciência, ou a política baseada em evidências, são feitas. 
Em Ciência, alterar dados, para que as conclusões sejam as que alguém politicamente pretende, é desonesto, é criminoso, pelas implicações que dai podem resultar. A fazer lembrar um triste episódio, de um número sequencial de testes realizados, exactamente igual, em 2 dias consecutivos. Vivemos um tempo em que, para chegar ao Olimpo, basta estar rodeado de “gente distraída”.

A homenagem da semana: a quem trabalha, e a quem luta para que hajam cada vez mais empregos

Dia 1 de Maio festejou-se mais um Dia do Trabalhador. Neste mesmo planeta, a Taxa de desemprego pode oscilar entre os 33,3% na Nigéria, os 13,2% em Espanha, 11,8% em Marrocos, ou até 6,5% em Portugal, até 3,9% em Israel, 2,8% no Japão, 2,7% na Coreia do Sul, os 2% na Suíça, ou os 1,8% de Singapura.

Se desemprego e pobreza andam de braço dado, a pobreza e a doença também. 

Conseguir a concretização do Direito a Trabalho digno é uma condição para conseguirmos níveis cada vez melhores de Saúde, na população portuguesa. A todos os que contribuem para este desígnio fica a minha homenagem desta semana.

Mário Freitas*
*Médico consultor (graduado) em Saúde Pública, com a competência médica de Gestão de Unidades de Saúde

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