Diário dos Açores

Fragmentos do Congresso (1)

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Opinião

Só o entusiasmo supera as dificuldades do jornalismo
As intervenções do Congresso de Jornalistas, que decorreu no passado fim-de-semana, em Ponta Delgada, resumem-se a um desfile de preocupações, tendo mesmo quem propusesse que em vez de debate dos “desafios” -- que tratava um dos painéis --, se substituísse por debate dos problemas.
Na verdade, as preocupações são muitas. São as dificuldades dos jornais e rádios locais, ou “localíssimos”, muitos apenas com um jornalista que faz tudo, diminuição dos assinantes, redução da publicidade -- numa sociedade também ela a passar dificuldades financeiras -- até à concorrência das redes sociais que vai retirando espaço aos Órgãos de Comunicação Social, mesmo que sem a mesma qualidade e credibilidade.
Depois, a falta de consideração pelo trabalho de muitos profissionais, distribuindo-se jornais em PDF por amigos e familiares. Até os departamentos do governo e instituições desistem das assinaturas alegadamente para contenção de custos, em vez de darem o exemplo assinando os jornais como forma de apoio.
A queixa, porventura, mais enfática foi a pressão “excessiva” dos gabinetes de imprensa, desprezando uma relação que deve respeitar os princípios éticos da parte de membros do governo e das Câmaras, até como forma pedagógica no caso de jornalistas mais novos e inicio de carreira.
A situação não é singular, o representante da Madeira disse com todas as letras que o Governo naquele arquipélago dispõe de um conjunto de assessores que acaba por constituir a maior redacção daquela Região.

Memórias do jornalismo são mais favoráveis
Para os jornalistas mais antigos, as memórias dos anos que se seguiram ao início da autonomia são bem melhores. Havia um gabinete de imprensa que divulgava as notas do governo, havia respeito pelo trabalho dos jornalistas e dificilmente alguém se atrevia a telefonar a uma redacção a puxar as orelhas a alguém. Apesar da proximidade com as entidades e com os seus responsáveis e até de alguma cumplicidade, os poderes eram mais respeitados.
E assim o jornalismo e a autonomia cresceram e floresceram. A autonomia fez com que a Comunicação Social desse um salto qualitativo, chegou a televisão, a rádio pública alargou-se nos seus quadros e na cobertura das várias ilhas e os jornais passaram de 4 páginas para 12, 16 e, por vezes, mais páginas.
Com maiores e mais sólidas redacções as acções do Governo dos sindicatos e de outras forças sociais eram divulgadas com rigor, havia um verdadeiro debate público e assim ganharam os jornais as rádios e a televisão e as entidades governamentais e forças políticas se foram conhecendo em toda o arquipélago, fortalecendo e solidificando uma autonomia de que pouco se sabia e conhecia.
Foram momentos de grande dinâmica e o jornalismo açoriano foi por diversas vezes elogiado dentro e fora de portas e todos os partidos políticos, mesmo não concordando com alguns conteúdos, reconheciam o papel fundamental da comunicação social neste processo e a respeitavam.
Se tivermos em atenção as diversas intervenções podemos reconhecer que muitas situações contribuíram para esta mudança. Desde logo as tecnologias, umas favorecendo o acesso à informação, mas outras tornando obsoletos ou por vezes desnecessários os formatos clássicos dos jornais, da rádio e da televisão.
A internet e as redes sociais são hoje o inimigo mais perigoso de um bom jornalismo e as pessoas que integram as forças políticas, por vezes, aproveitam-se das facilidades das novas tecnologias para o desvirtuarem.
Os desafios (e os problemas) são muitos. No presente, só o gosto pelo jornalismo, a grande vontade de manter vivos os jornais e as rádios, que são um importante património nas comunidades, o entusiasmo de muitas pessoas e a necessidade dos novos jornalistas de poderem ter um lugar numa profissão que escolheram, superam os problemas.
Mas pode deduzir-se, pela história e por exemplos bem evidentes que a fragilidade da comunicação social conduzirá a instituições com menor sucesso, incluindo parlamento, governo, forças políticas e parceiros sociais e a pouco e pouco acabará por diminuir a imagem da Região, da autonomia e dos seus protagonistas.
Curiosamente, já nas conclusões do 1º encontro de jornalistas, as conclusões referiam que, “consolidada a Autonomia, o regime parece ter‑se esquecido da Comunicação que a criou”.

Rafael Cota*

*Jornalista 

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