Diário dos Açores

Ganância, bom senso e Autonomia

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Os seis maiores bancos do país tiveram lucros neste primeiro trimestre de cerca de mil milhões de euros.
São lucros astronómicos, em apenas três meses, alavancados pelo aumento das taxas de juro no crédito à habitação.
É qualquer coisa como 10,7 milhões de euros por dia, uma subida de 55% quando comparado com o trimestre do ano passado.
Este é o resultado da ganância bancária em Portugal, um dos países mais pobres da Europa, com famílias que continuam na senda do empobrecimento, mas com os juros mais altos nos créditos e a retribuição dos juros de depósitos mais baixos.
Perante isto, o Banco de Portugal não regula nada e os responsáveis políticos ainda se congratulam com os “bons sinais” financeiros para apresentarem aos seus colegas europeus.
Portugal está transformado nisto: um país para ricos que pretendam enriquecer ainda mais e outro para pobres, que se esfolam diariamente para sobreviver e ainda sustentar a pesadíssima máquina das administrações públicas.
O primeiro-ministro António Costa gosta de dizer que o diabo não apareceu, mas a verdade é que ele anda a chocalhar na algibeira de cada cidadão.
Marcelo tem razão: é muito bonito agitar os números da economia, mas pergunta-se aos cidadãos como vai a vida e todos se queixam de que os “bons resultados económicos” não chegam a casa de cada um.
A própria aplicação do IVA zero pouco ou nada trouxe ao aumento do custo de vida.
Um mês depois da sua aplicação, pelo menos aqui nos Açores, a inflação dos bens alimentares continua à beira dos 20%!
Não admira que apareçam, todas as semanas, novos rostos a pedir esmola nas ruas, centenas de famílias a pedir ajuda à Cáritas e ao Banco Alimentar e uma multidão de jovens viciados nas sintéticas.
É preciso mais intervenção política nos apoios sociais, mais trabalho de campo e menos diagnósticos de gabinete.
O mundo político anda muito arredado do mundo real.
É preciso mudar este rumo.                                             

Ver aviões

A Ryanair voltou a puxar dos galões para ameaçar a região de que irá abandonar a operação no Inverno.
Não é a primeira vez que o faz, mas desta vez é óbvio que se está a aproveitar da fragilidade da região, no mundo da aviação, para nos dar o golpe da misericórdia, sacando um subsídio chorudo que mantenha a empresa por cá.
É isto, também, o resultado da gestão ruinosa na TAP e na SATA.
A Ryanair, assim como outras companhias concorrentes, sabem que vamos perder os dois instrumentos estratégicos de aviação comercial no país e na região.
Vamos ficar dependentes, muito provavelmente, de grupos externos, que irão olhar para o negócio de outra forma.
Estaremos mais fragilizados, mas isso não pode significar que valha tudo no meio da concorrência.
É preciso um equilíbrio e bom senso nesta negociação, porque os nossos recursos não são infinitos.
Um cidadão em dificuldades, em qualquer ilha, não compreenderá que não haja recursos para ajudar as famílias, mas já possam existir para pagar a companhias de aviação em volumes desproporcionais.
O turismo é essencial para a nossa economia e para as nossas empresas, mas é preciso que as mais valias beneficiem os de cá de dentro e não os que vêm de fora com olhos de lucro fácil.
Pede-se bom senso a ambas as partes.                                

Mais cidadania

O nosso colaborador Mário Moura, reputado historiador e investigador da Ribeira Grande, que tem feito um trabalho exemplar sobre a história das nossas gentes e dos nossos locais, denunciou esta semana, neste jornal, uma história caricata.
Teve que mandar parar um camião carregado de matrizes prediais antigas que, em vez de irem para o Arquivo Municipal da Ribeira Grande, onde deviam estar, estavam a caminho da lixeira!
Mário Moura conseguiu resgatar o material e, à sua custa, fez um trabalho de recuperação, com os seus colaboradores na Casa da Cultura, que é de louvar.
Fica mais uma lição de cidadania e, ao mesmo tempo, mais um exemplo de como o Estado trata a nossa história, à falta de recursos para manter os seus serviços nesta região.
É revoltante ter um Estado assim, que não respeita uma parte do país.
E se não se dá ao respeito, não espere condescendência de uma população, no meio do Atlântico, farta de ser tão maltratada.
Amanhã é o Dia dos Açores e é bom que os responsáveis políticos, que vão discursar todos engravatados, dispam a camisola partidária e falem deste Estado que nos trata mal, de um governo cada vez mais centralista e da arrogância de tantos ministros que passam por cá cheios de promessas que nunca cumprem.
Mas isto também não pode servir de desculpa para os erros que, nós mesmos, cometemos cá dentro.
É preciso corrigir muitos erros e muitos falhanços ao longo destes anos. E isto só se faz com os cidadãos.
Há muita presença de partidos na vida dos açorianos e menos cidadania.
Vimos isso, ao longo dos últimos anos, com a discussão interminável da reforma da Autonomia, com os partidos a quererem dominar o sistema e a deixar de fora os cidadãos.
A Autonomia açoriana não está à venda, é verdade, apesar de muito fragilizada, mas também não pode ficar dependente apenas das propostas dos partidos.
Se os cidadãos não forem envolvidos nas reformas que a nossa Região necessita, então não há sistema que aguente.
O problema sério do nosso inverno demográfico, a reforma do nosso pesadíssimo aparelho administrativo, a remodelação profunda do sector público empresarial, o próprio sistema eleitoral regional, são assuntos que devem estar na linha da frente das reformas políticas que os Açores precisam.
Mas se os partidos capturarem toda esta discussão, ignorando a sociedade civil, então o mais certo é que vamos ter uma Autonomia parecida à malograda CEVERA, que falava apenas para o umbigo e não deixou nenhuma proposta de jeito que se visse.
Amanhã, nas Lajes do Pico, terra de baleeiros corajosos, os políticos que pensem nisso.

Osvaldo Cabral *
osvaldo.cabral@diariodosacores.pt

 

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