Diário dos Açores

Formação profissional – educação: uma complementaridade e um continuum

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Formar… sim, mas como

Há uma forte complementaridade entre os sistemas educativo e de formação profissional que convém dissecar para ter em conta no desenho de políticas públicas. Há até um continuum quer na missão quer nos propósitos quer, mesmo, na operacionalização daquelas políticas, naquilo que podemos classificar como ação educativa. É a clarificação desta complementaridade e deste continuum - que tem início no ensino básico e vai até à uma última ação de formação profissional de ativo -, que deve nortear as políticas públicas de educação. 
Alguns elementos que devemos trazer a debate realçam a importância dessa clarificação.
Como consideração inicial, podemos observar algo fundamental, para integrarmos completamente a importância do que aqui colocamos: o maior ou menor sucesso de cada pessoa dá-se essencialmente na escola e no emprego, dois momentos longos que condicionam e estruturam a vida de cada um. Os insucessos nestes dois mundos estão na origem da esmagadora maioria dos nossos problemas e frustrações sociais e ampliam nossas fragilidades económicas. Razões para termos o maior cuidado com as políticas educativas e de formação profissional. Diria até que qualquer projeto açoriano necessita passar, obrigatoriamente, pelo tratamento articulado destes dois momentos, onde estão implicadas duas dimensões da educação – a educação inicial, desde o ensino básico até ao ensino superior, e a formação profissional, desde a formação profissional inicial, incluindo a formação em alternância, até à formação de ativos.
Também é pertinente termos como referência o magnífico Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, que data de 1996, mas que revela uma extraordinária modernidade, apresentado por Jacques Delors, intitulado “Educação: um tesouro a descobrir”, que coloca, com enorme lucidez, a educação ao longo da vida no centro do que é necessário fazer, apontando-a como “uma das chaves do Século XXI”. Ultrapassando a separação tradicional entre educação e formação profissional ou ainda entre educação inicial e educação permanente, este Relatório é uma verdadeira ferramenta para melhor apreendermos as respostas educativas ao desafio de um mundo em rápida transformação. Açores incluídos!
Impulsionar e organizar a articulação deste “continuum educativo”– da infância até à reforma – deve, pois, ser o desígnio de uma governação regional, importando desenhar a educação como um todo, com um olhar global e com uma lógica de continuidade, mesmo que operacionalizado por atores diferentes, com conteúdos de aprendizagem e com estratégias pedagógicas diferentes ou dirigindo-se a públicos diferentes. A ideia é de tratar a questão educativa centrada no percurso de cada pessoa, projetando as respostas para uma vida. Esta abordagem muda completamente a estruturação de algumas políticas regionais, mas, estou convicto que é o passo a dar. 
É verdade que, para isso, devemos conciliar momentos diferentes, com realce, como refere o Relatório Delors, para “a educação básica e as necessidades educativas fundamentais”; o ensino secundário, porquanto “a responsabilidade do ensino secundário é imensa porque é muitas vezes durante essa fase da vida escolar que o futuro do aluno ganha forma”; e a necessidade absoluta de “relacionar a educação com o mundo do trabalho”, como tarefa central.
A grande questão na Educação é que temos, assim, de mudar de referencial de sucesso. Não basta ter estado na Escola ou ter saído dela. É necessário estar e sair da Escola com sucesso e ter estado na Escola com prazer. E disto ter a perceção. É necessário que o que seja adquirido na Escola seja útil para o passo seguinte que a pessoa dará - seja um emprego, seja o grau a seguir no sistema educativo. Isto coloca uma extrema necessidade de operacionalizar a ideia de Escola útil, conceito delicado, mas que tem muito a ver com a perceção pelos utentes de utilidade da escola, que pode jogar em favor do interesse que possam ter pela aprendizagem: aprende-se melhor quando se vislumbra a utilidade ou o sentido do que se aprende.
Evidentemente que devem estar em debate, no desenho de um projeto político centrado na educação com esta visão, os quatro pilares apontados pelo Relatório Delors: Aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver juntos; aprender a ser.
Há uma expressão do pedagogo Antoine de la Garanderie que pode sintetizar bem o desafio com que a escola se confronta: “eu não ensino, eu desperto o interesse”.É ao despertar o interesse, antes mesmo de transmitir conhecimentos, e ao colocar perspetivas aos que se encontram na escola, que estaremos a colocar a Escola no projeto de vida das pessoas, diminuir o insucesso escolar e evitar a muitos adolescentes o sentimento de ausência de futuro. A procura pelo sucesso da Escola deve ter isso em conta. E é nessa lógica de ação que a formação profissional complementa a educação inicial.
A grande questão é a de ter um fio condutor na ação educativa, como continuum, da infância à reforma, que estruture todo um leque diversificado ora de ações de educação inicial, ora de formação profissional, em complemento, na sequência ou em antecipação umas das outras. Veja-se o que foi feito nos Açores com o programa Reativar que visava retificar, através de ações de formação profissional, uma fragilidade encontrada porjovens na situação desconfortável de não ter completado o 12º ano(incompreensivelmente, o Governo regional deixou cair este programa exemplar e de grande sucesso que permitiu que milhares de jovens acabassem por concluir o 12º, encontrassem uma profissão e seguissem suas vidas).
Uma das estratégias mais estruturantes desta continuidade é o acompanhamento individual – ao longo da vida escolar e ao longo da vida de trabalhador.
A ideia é a de criar um sistema de acompanhamento de cada jovem escolarizado, com uma plataforma de registo da trajetória de cada aluno. É necessário que se coloque esta trajetória em perspetiva – de onde vem o aluno, onde está, para onde quer, deve e pode ir, o que tem de fazer para isso. Isto coloca também a importância de criar o hábito em cada aluno de refletir sobre o seu projeto de vida num Futurum Vitae, que tão bem defendem Bernard Liétard e Gaston Pineau, como fazem os suíços, os canadianos, os dinamarqueses e alguns outros europeus. O que desejo ser daqui a cinco anos? E o que tenhode fazer para isso? A criação de uma caderneta digital do aluno deve ser um importante elemento deste sistema de acompanhamento. 
A este instrumento de acompanhamento do aluno deve juntar-se uma plataforma de acompanhamento dos trabalhadores e desempregados açorianos à volta das suas competências (ou ausência delas), a fim de colocarmos em perspetiva a trajetória profissional dos açorianos, desde a saída da escola até à reforma, questão-chave para a empregabilidade permanente de cada um, ou seja, para a segurança no emprego. Esta plataforma – um verdadeiro Passaporte para a Empregabilidade - permitiria melhor tratar as lacunas de cada um em termos de competências para o mercado de trabalho. Este tratamento das competências para um emprego é absolutamente necessário - para o bem das pessoas, das empresas e da Região.
Aliás, esta Carteira de Competências, como referido por Bertrand Schwartz, é compaginável quer com o registo das competências, previsto no Código do Trabalho, quer com o passaporte europeu das competências que decorre dos trabalhos de Pascale de Rozario, com participação dos Açores.
Se territórios como o Quebeque, com 8 milhões de habitantes, a Dinamarca com 6 milhões de pessoas ou a Islândia com 400.000, conseguiram, porque não haveremos nós de conseguir, com 242.000 pessoas?

Rui Bettencourt
Reações e comentários em ruibettencourt.formacao@gmail.com

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