Diário dos Açores

O carisma do Papa

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Já passou o tempo da Jornada Mundial da Juventude em Lisboa e o Papa Francisco está de regresso a Roma e ao Vaticano, decerto para retemperar forças, em preparação para a sua próxima viagem, que terá por meta a Mongólia, em pleno coração da Ásia. Duvido que tenha lá a acolhê-lo multidões idênticas às que se juntaram nesses dias nos vários pontos por onde passou no nosso País. Será a natural diferença entre uma Nação com ADN católico multisecular e uma outra de cultura e tradição religiosa com características diversas. 
Para nós o Papa, quem quer que seja, é, muito mais do que o Chefe de um Estado minúsculo e de Constituição muito discutível, o representante de Jesus Cristo na Terra! Por isso o seguimos alegremente quando nos visita, seduzidos pelo seu carisma, mais talvez do que pela mensagem que traz consigo e corre sempre o risco de ficar, passado o entusiasmo dos primeiros dias, esquecida num qualquer canto da memória, individual e colectiva. Foi impressionante a quantidade de braços levantados apontando telemóveis em modo de câmara fotográfica, por toda a parte onde circulou o cortejo da comitiva papal, no intuito de fixar o momento da passagem e, desejavelmente, um sorriso e uma benção do Papa.
O Papa Francisco goza de uma grande popularidade e os seus discursos são claros e mobilizadores. Mas o mesmo se pode dizer de qualquer dos Papas anteriores que estiveram entre nós, e o primeiro deles, Paulo VI, em 13 de Maio de 1967, juntou em Fátima um milhão de pessoas e prendeu aos televisores muitos mais seguindo a transmissão em directo, retidos em casa por qualquer razão, de idade, de doença ou outra.
João Paulo II, a quem se fica devendo a  invenção das Jornadas Mundiais da Juventude, tinha o mesmo “dom de gentes” e em Manila, por ocasião da sua visita apostólica às Filipinas, teve uma multidão de quatro milhões de pessoas reunidas para a Missa Papal, sendo  transportado por helicóptero até ao altar,  por não ser possível romper de qualquer modo a mole humana presente. Em Portugal, nas várias vezes que visitou o nosso País e aqui nas nossas lhas dos Açores, onde esteve numa passagem rápida mas simplesmente inesquecível, também reuniu muita gente, milhões de pessoas, no seu conjunto, para o ver e escutar.
Bento XVI também foi recebido por grandes multidões quando esteve em Portugal, por coincidência, propositada ou não, com a celebração do centenário da Implantação da República, que louvou como promotora da separação da Igreja e do Estado, embora soubesse muito bem como tão saudável princípio foi aplicado violentamente e transformado numa  verdadeira perseguição à Igreja Católica e ás suas instituições mais representativas, daí resultando aliás, na opinião de alguns estudiosos, o repúdio do regime republicano por grande parte do Povo e o seu posterior colapso às mãos de uma Ditadura manipuladora dos sentimentos religiosos comuns entre a população portuguesa.
Cada Papa é o melhor para o seu tempo e todos se empenham em manter intacto o legado de Fé, que atravessa já dois milénios. Cada um se empenha em enfrentar os problemas que afectam a Igreja e o Mundo, apresentando para os mesmos soluções coerentes com os princípios do Evangelho. Como os tempos vão mudando e os ditos problemas também, é natural que os Papas falem linguagens diferentes e isso é facilmente captado pelos fiéis correntes.
Bem outra é a atitude dos críticos da Igreja Católica, que se arrogam a autoridade não só para a criticar como para propor soluções para os problemas que consideram existir. A generalidade deles nem põe os pés na Igreja nem tem intenção de a ela aderir após a eventual aceitação das suas propostas. Não faltam os que fazem expressa profissão de ateísmo... Culpam-na de todos os males, reais e imaginários, e preconizam para os católicos a adesão a uma doutrina light e à la carte, insistindo num horizontalismo, certamente bem intencionado, de serviço aos mais pobres.
Ora, a Igreja Católica tem reconhecido os seus falhanços e por eles se tem penitenciado duramente. Ficou-me bem gravado o gesto do Papa João Paulo II a abraçar os pés de um grande Crucifixo, pedindo perdão pelos pecados da Igreja e dos seus dignitários e membros, por ocasião do Grande Jubileu do Ano 2000. O escândalo abominável dos abusos sexuais de menores por membros do clero saiu à luz do dia depois disso e por eles também já foram dados sinais de arrependimento e o propósito de corrigir o rumo, adoptando uma atitude de tolerância zero.
O Papa Francisco tem em vista mudar alguns aspectos, não da doutrina mas da disciplina da Igreja, valendo-se para isso também da sua enorme popularidade, interpretável como favorável ás mudanças preconizadas. Alguma contestação tem havido, mas em geral se pode dizer que o caminho indicado merece ser percorrido, quebrando-se uma certa rigidez, que tem contribuído para afastar muita gente da prática religiosa. A “sinodalidade” que tem vindo a implantar, envolvendo todas os fiéis, incluindo as mulheres e afinal todas as pessoas de condição laical e secular, no governo da Igreja, já tem sido apontada como a marca que deixará o pontificado do Papa argentino.

João Bosco Mota Amaral*
* (Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico)     

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