Diário dos Açores

Ambiente, Futuro e Fraternidade

Previous Article Previous Article De regresso ao Pico dez anos depois (4)

Saúde Pública e a Saúde do público, semana a semana (17):

Os dados para análise, desta semana: O Impacto da Qualidade do Ar Interior na Função Cognitiva

O estudo Global CogFx, um projecto de investigação realizado com 302 trabalhadores de escritório em 6 países (China, Índia, México, Tailândia, Reino Unido e Estados Unidos) visa entender os efeitos da poluição do ar interior no desempenho cognitivo. Os dados já conhecidos acrescentam evidências de como a poluição do ar afecta a saúde do cérebro, tanto a curto como a longo prazo. Além disto, sugerem que os efeitos do PM25 não são exclusivos de crianças ou populações mais velhas, mas também estão presentes em adultos jovens (a idade média dos participantes do estudo é de 33 anos). Eis algumas conclusões importantes já conhecidas:
Os investigadores encontraram tempos de resposta 0,8-0,9% mais lentos, por cada aumento de 10ug/m3 em PM2,5. O rendimento (respostas correctas por minuto) foi 0,8-1,7% menor para o mesmo aumento de concentração.
Também encontraram efeitos do CO2 (um proxy para a ventilação) na função cognitiva. Por cada aumento de 500 ppm, observaram tempos de resposta 1,4-1,8% mais lentos e rendimento 2,1-2,4% menor.
Além dos benefícios para a saúde de níveis mais baixos de PM2.5 (por exemplo, redução de doenças cardiovasculares, de ataques de asma, da mortalidade prematura) e de taxas de ventilação mais altas (por exemplo, na transmissão reduzida de doenças infecciosas, em menos sintomas de doenças e em absentismo reduzido), as descobertas incentivam a melhoria da qualidade do ar em espaços interiores. Taxas de ventilação mais altas, e filtração melhorada, que excedam as metas mínimas actuais, são estratégias importantes de saúde pública, e este é o caminho a seguir.

A Ciência da Semana: Máscaras obrigatórias nas escolas em períodos de maior actividade viral 

Um estudo sobre este tema, realizado em Ottawa, Canadá, em 2022, foi publicado no JAMA, na semana passada, tendo como primeiro autor Nisha Thampi, MD, MSc. Já se sabe que as políticas de uso de máscara obrigatória nas escolas podem reduzir a incidência de SARS-CoV-2, em alunos e funcionários. Em 21.03.2022, os 4 conselhos escolares de Ottawa suspenderam as políticas de uso de máscara obrigatória, de acordo com as orientações para outros espaços interiores; porém, essa política foi reintroduzida pelo maior conselho escolar, em 13.04.2022, em resposta à crescente prevalência de SARS-CoV-2. 
Os investigadores analisaram se as políticas de uso de máscara obrigatória nas escolas estavam associadas à redução das interrupções escolares, por causa do SARS-CoV-2 e outros vírus respiratórios. Estimaram a associação entre políticas de uso de máscara com o absentismo de alunos e funcionários em escolas públicas primárias (do jardim de infância até a 8ª) e secundárias (da 9ª à 12ª) em Ottawa, de 21 de março a 19 de maio de 2022. Durante esse período, houve cocirculação de SARS-CoV-2, influenza A e vírus sincicial respiratório. A população de alunos nas escolas incluídas foi estimada em 77640 alunos. 
Neste estudo de coorte, o que se comprova é que a reintrodução de políticas de uso de máscara obrigatória nas escolas, durante um período de 6 semanas de actividade viral respiratória sustentada em Ottawa, foi associada a uma diminuição, estatisticamente significativa, no absentismo de alunos e funcionários. Ainda que muito mais se possa estudar, verifica-se que durante períodos de alta actividade viral respiratória na comunidade, as políticas de uso de máscara obrigatória nas escolas podem estar associadas a reduções no absentismo, possivelmente secundárias à redução da transmissão do vírus respiratório.

A homenagem da semana: a Jornada Mundial da Juventude, Lisboa/2023.

Um evento grandioso e absolutamente extraordinário. Mais de um milhão e meio de jovens reunidos pela Paz, unidos pela Fé em Cristo, ao longo de uma semana. Inundaram Lisboa com a sua alegria e beleza. Desta semana permito-me destacar o discurso do papa Francisco no encontro com as autoridades, no Centro Cultural de Belém, Lisboa, no dia 02.08.2023. “Que rota segues, Ocidente?”
Salientando o caráter multiétnico e multicultural de Lisboa, reflectiu sobre as “grandes questões”, que “hoje, como sabemos, são globais e já muitas vezes tivemos de fazer experiência da ineficácia da nossa resposta às mesmas, precisamente porque o mundo, diante de problemas comuns, se mantém dividido ou pelo menos não suficientemente unido, incapaz de enfrentar juntos aquilo que nos põe em crise a todos.” 
Salientou a sua aspiração a que a Europa possa “trazer, para o cenário internacional, a sua originalidade específica; vimo-la delineada no século passado quando, do crisol dos conflitos mundiais, fez saltar a centelha da reconciliação, tornando verdadeiro o sonho de se construir o amanhã juntamente com o inimigo de ontem, o sonho de abrir percursos de diálogo e inclusão, desenvolvendo uma diplomacia da paz que extinga os conflitos e acalme as tensões, capaz de captar o mais débil sinal de distensão e de o ler por entre as linhas mais tortas da realidade.” Para, de seguida, perguntar:
“Para onde navegas, se não ofereces percursos de paz, vias inovadoras para acabar com a guerra na Ucrânia e com tantos conflitos que ensanguentam o mundo? E ainda, alargando o campo: Que rota segues, Ocidente? A tua tecnologia, que marcou o progresso e globalizou o mundo, sozinha não basta; e muito menos bastam as armas mais sofisticadas, que não representam investimentos para o futuro, mas empobrecimento do verdadeiro capital humano que é a educação, a saúde, o Estado social. 
Fica-se preocupado ao ler que, em muitos lugares, se investem continuamente os recursos em armas e não no futuro dos filhos. Investe-se mais nas fábricas de armas do que no futuro dos filhos. (…)” 
Recordou as “tantas crianças não-nascidas e idosos abandonados a si mesmos, na dificuldade de acolher, proteger, promover e integrar quem vem de longe e bate às nossas portas, no desamparo em que são deixadas muitas famílias com dificuldade para trazer ao mundo e fazer crescer os filhos”, perguntando:
“Para onde navegais, Europa e Ocidente, com o descarte dos idosos, os muros de arame farpado, as mortandades no mar e os berços vazios? 
Para onde ides se, perante o tormento de viver, vos limitais a oferecer remédios rápidos e errados como o fácil acesso à morte, solução cómoda que parece doce, mas na realidade é mais amarga que as águas do mar? Penso em tantas leis sofisticadas sobre a eutanásia…” (…)”
Com uma belíssima imagem, “de três estaleiros de construção da esperança onde podemos trabalhar todos unidos”, reflectiu sobre o ambiente, o futuro e a fraternidade.
“O ambiente. (…) os oceanos aquecem e, das suas profundezas, sobe à superfície a torpeza com que poluímos a nossa casa comum. Estamos a transformar as grandes reservas de vida em lixeiras de plástico. O oceano lembra-nos que a existência humana é chamada a viver de harmonia com um ambiente maior do que nós; este deve ser guardado com cuidado, tendo em conta as gerações mais novas. Como podemos dizer que acreditamos nos jovens, se não lhes dermos um espaço sadio para construir o seu futuro?
O futuro é o segundo estaleiro de obras. E o futuro são os jovens. (…) Na Europa e em geral no Ocidente, assiste-se a uma triste fase descendente na curva demográfica: o progresso parece ser uma questão que diz respeito ao desenvolvimento técnico e ao conforto dos indivíduos, enquanto o futuro pede para se contrariar a queda da natalidade e o declínio da vontade de viver. A boa política pode fazer muito neste sentido; pode gerar esperança. (…) É chamada a voltar a descobrir-se como geradora de vida e de cuidado da criação, a investir com clarividência no futuro, nas famílias e nos filhos, a promover alianças intergeracionais, onde não se apague o passado mas se favoreçam os laços entre jovens e idosos. (…)
O último estaleiro de esperança é o da fraternidade, que nós, cristãos, aprendemos do Senhor Jesus Cristo. Em muitas partes de Portugal, está ainda muito vivo o sentido de vizinhança e solidariedade. Contudo, no contexto geral duma globalização que nos aproxima mas não nos dá uma proximidade fraterna, somos todos chamados a cultivar o sentido da comunidade, começando por ir ter com quem vive ao nosso lado”.
A terminar, disse: “Sintamo-nos chamados, todos juntos fraternalmente, a dar esperança ao mundo em que vivemos e a este magnífico país. Deus abençoe Portugal!”. Assim seja.

Mário Freitas*

*Médico  consultor (graduado) em Saúde Pública, com a competência médica de Gestão de Unidades de Saúde

Share

Print

Theme picker