Diário de um açoriano na Jornada Mundial da Juventude
Diário dos Açores

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JMJ LISBOA 2023 - O PRIMEIRO DIA COM FRANCISCO

Francisco está em Portugal há quase 12h. Chegou sorridente e parece feliz. 
Foi recebido com alegria, entusiasmo e esperança. 
Em todas as ruas por onde passou, muitos desejavam vê-lo de perto, cruzar o seu olhar com o dele, quiçá, tocá-lo. Sim, Francisco é tão humano quanto eu e tu, mas acredito que, a partir do seu toque, do seu abraço ou do seu sorriso, muitas vidas se têm reerguido. 
Ele tem sido exemplo para todos, dos mais velhos aos mais novos, mesmo na sua fragilidade. E quão bela é, porque a assume e vive com dignidade. Deste homem que agora está fisicamente frágil, os jovens aguardam provocações. Sim, Francisco tem o dom de nos provocar, de nos desinstalar e de fazer com que abandonemos as nossas certezas, para nos colocarmos no colo d´Aquele que nos Ama, Cuida e Protege. 
Depois de o ouvir no encontro com as autoridades, bem como na homilia da celebração de Vésperas, uma coisa fica clara: Francisco não quer trazer grandes novidades. Quer insistir na denúncia daquilo que há muito diz ter de mudar, mas que teima em permanecer igual. Deseja uma Igreja para todos e aberta a todos, sem medo de mudar o que tem de ser mudado, onde a amizade e a fraternidade devem imperar. 
Na homilia proferida na celebração das Vésperas, afirmou que «a Igreja é sinodal, é comunhão, ajuda mútua, caminho comum.» Ele bem sabe que não tem sido assim, infelizmente, mas deseja-o profundamente, repetindo-o tantas vezes. 
Finalmente, desafia-nos a sonhar alto, com os pés bem assentes na terra, e lança um desafio à igreja portuguesa, que é também um desafio à Igreja Universal: «Queremos sonhar a Igreja Portuguesa como um «porto seguro» para quem enfrenta as travessias, os naufrágios e as tempestades da vida».

Lisboa, 2 de Agosto

JMJ LISBOA 2023 - O SEGUNDO DIA COM FRANCISCO

Francisco tem 86 anos e é agora um homem frágil. Já o referi, mas nunca é demais fazê-lo. Essa fragilidade assumida com naturalidade e humor tornam-no ainda mais acarinhado por todos, não por condescendência, mas por amor ao sucessor de Pedro. 
Hoje, perante inúmeros estudantes, na Universidade Católica Portuguesa, o Papa pediu-lhes que desconfiassem «das fórmulas pré-fabricadas (são labirínticas), (...) das respostas que nos parecem ao alcance da mão, das respostas extraídas da manga como se fossem cartas viciadas de jogar», desafiando-os de seguida à inquietude, que, quando vivida com equilíbrio, é uma bênção. «Não nos alarmemos se nos encontramos intimamente sedentos, inquietos, incompletos, desejosos de sentido e de futuro, com saudade do futuro.» 
Francisco lê como poucos o ser humano. Entende-o em profundidade e, apesar da sua idade avançada (“já estou velho”, dizia esta manhã), continua a provocar, a animar e a congregar tantos e tantas à sua volta que acreditam na possibilidade de uma sociedade e de uma Igreja mais justa, acolhedora e fraterna, desejando que os jovens estudantes se tornem «mestres de humanidade, mestres de compaixão, mestres de novas oportunidades para o planeta e seus habitantes, mestres de esperança.»
É este o grande programa do papado de Francisco, que vai ecoar ao longo desta JMJ. Provocar cada um para humanizar mais as suas relações, compadecendo-se dos que dele necessitam, e sendo criador de novas oportunidades e estilos de vida que cuidem do planeta com ânimo e esperança. 
Ao final da tarde, na cerimónia de acolhimento realizada na Colina do Encontro, o homem vestido de branco serpenteou a multidão que o aguardava em euforia, durante largos minutos. Acenou, abençoou, tocou e olhou. Como sempre - à Francisco. E ninguém fica indiferente. Eu não fiquei e é impossível tê-lo a 1/2 metros e não estremecermos interiormente, porque nos sabemos na presença de um ser humano superior. Não altivo! 
Todavia, se é verdade que a sua presença fez com que acorressem ali mais pessoas, depressa tratou de relembrar os presentes sobre o real motivo do nosso encontro - Cristo. 
E foi relembrando as Suas ações que engrossou a voz para reafirmar, tal como ontem, que «na Igreja há espaço para todos. Para todos! Na Igreja ninguém está a mais, há espaço para todos, assim como todos», voltando a denunciar o espírito de gueto, compadrio e elitismo que grassa tantas vezes nas comunidades cristãs. 
Assim, reconhecendo que todos necessitamos de conversão, Francisco destacou o amor que Deus tem por cada um de nós, pois, se na Igreja há lugar para todos, é porque «Deus ama-nos como somos (...), com os nossos defeitos, com as limitações que temos e a vontade que temos de seguir em frente na vida», por isso ninguém tem o direito de condenar ninguém. 
Tornemo-nos mestres da fraternidade e do acolhimento, realizado de mãos vazias, mas de coração generoso. 

Lisboa, 3 de Agosto

JMJ LISBOA 2023 - O TERCEIRO DIA COM FRANCISCO

Pela manhã, o Papa foi ao Parque do Perdão, onde confessou três jovens, seguindo depois para o Bairro da Serafina, onde se encontrou com algumas pessoas no Centro Paroquial daquela localidade. Sendo um bairro marcado por vários problemas, o trabalho que a Igreja ali tem desenvolvido, na pessoa do Cónego Crespo, é de louvar. É um pequeno exemplo do bem que a Igreja faz, contrastando com muitas situações que a todos nos envergonham. 
Impulsionados pelo pároco, os habitantes da Serafina têm colocado mãos à obra, não se deixando vencer pelos rótulos ganhos ao longo dos anos, procurando fazer mais e melhor, pois, como referiu o Papa, «quando não se perde tempo a lamentar-se da realidade, mas, se tem a preocupação de ir ao encontro das carências concretas, com alegria e confiança na Providência, acontecem coisas maravilhosas.» Certamente que uma destas maravilhas foi a visita de Francisco, que além de reconhecer o trabalho meritório ali realizado, bem como a luta daquelas gentes, veio colocar o dedo nas feridas que sangram há demasiado tempo, devido aos problemas sociais ali existentes, e que há muito deviam ter merecido maior atenção do poder político. 
Oxalá este bairro possa continuar a ser falado, não mais pelos motivos de sempre, mas pela devolução da dignidade de cada uma das pessoas que ali vive, que tem acontecido também através da obra social da Igreja, mas que tem necessidade de ir mais além, ajudada pelos poderes políticos. 
Ao final da tarde, nova multidão aguardava o Papa sob um sol abrasador. Fala-se em 800 mil pessoas, sedentas de escutar as suas palavras e de ali celebrarem a Via-Sacra, que, ao reflectir sobre as inúmeras problemáticas sociais, tendo o ser humano como centro, permitiu que cada peregrino se unisse à Paixão do próprio Cristo. Foi de uma beleza indizível, desde as meditações, passando pelas músicas e chegando às coreografias.
E como foi belo perceber que apesar de tantas fragilidades, de tantas cruzes que cada um de nós vai carregando, à semelhança do que havia dito de manhã na Serafina, nas palavras introdutórias, Francisco convidou a multidão a avançar sem medos, pedindo que sejam «sentinelas de esperança capazes de ousar novos passos na escuridão da noite, de não nos amolgarmos no passado, de não nos deixarmos amedrontar pelo futuro», porque o medo é sem dúvida alguma o maior inimigo do amor. E, se o amor está também associado à dor – basta-nos olhar para a Cruz – , o Papa reafirmou a grande necessidade de investirmos nele, não nos deixando amedrontar pelo que de difícil pode vir, pois «amar é arriscado, mas é preciso correr o risco de amar. Vale a pena correr o risco porque Ele acompanha-nos sempre.»
Não nos amedrontarmos perante as dificuldades, e investirmos apressadamente no amor, são duas das muitas mensagens de esperança que Francisco nos trouxe hoje, capazes de nos transformar o coração e a mente.

Lisboa, 4 de Agosto

JMJ LISBOA 2023 - O QUARTO DIA COM FRANCISCO

O dia de Francisco começou em Fátima. Com ele, mais de 200 mil pessoas quiseram iniciar o dia na casa da Mãe, casa que, no seu dizer, não tem portas. Assim, também «a Igreja não tem portas, para que todos possam entrar». Mais uma vez, insistiu no acolhimento de todos e para todos, sem ter em conta o que cada pessoa faz, mas olhando a profundidade do seu coração. Ele deseja uma Igreja para TODOS, TODOS, TODOS. E é tão urgente que assim seja, pois, se a Igreja é Mãe, deve estar disponível para acolher os filhos a qualquer hora, sem que eles tenham de pedir licença para entrar. Por vezes, as ausências são mais prolongadas, mas, mais cedo ou mais tarde, acontece o regresso à casa onde sempre tivemos colo. 
Se este é o Papa das surpresas, hoje continuou a sê-lo, surpreendendo toda a gente com a criação de uma nova “invocação” de Nossa Senhora, a «Apressada», para destacar a constante solicitude de Maria no acompanhamento de seu Filho. Como não ver aqui, novamente, a imagem da nossa mãe? Aquela que não nos abandona por nada, que gosta que os holofotes estejam apenas sobre nós e que, nas piores alturas da nossa vida, estende a mão e nos ergue, mostrando-nos que há mais caminho para fazer e que não temos de ser escravos de um erro ou de uma qualquer imbecilidade. 
A nossa mãe, afinal, também é apressada. Apressada a amar, a socorrer, a reerguer, a incentivar e a cuidar das nossas feridas. 
Na vigília, no Campo da Graça, repleto de jovens - mais de 1 milhão - o Papa começou por dizer que «a alegria é missionária». Ora, se vivemos com alegria e se a colocamos naquilo que fazemos, estamos a construir a missão, ajudando a instaurar o Império da Fraternidade, em que o outro não é um qualquer, mas alguém com um nome e um rosto, como recordou Francisco na cerimónia de abertura desta JMJ. 
Se, de manhã, a partir do exemplo de Maria, cada um foi convidado a não desistir perante as dificuldades, sabendo-se sempre acolhido num colo reconfortante, à noite, perante um Campo da Graça que soube viver e experimentar a Graça do Silêncio falante diante do Senhor Sacramentado, disse aos peregrinos que «quem permanece caído perde a esperança e fica em agonia», incitando a multidão a estender a mão aos caídos, aos frágeis, aos que necessitam de uma palavra de incentivo ou de um gesto de ternura, porque «o único momento em que é lícito olhar uma pessoa de cima para baixo é para a ajudar a levantar-se», disse Francisco citando Johnny Welch. 
Destaco novamente o silêncio e a beleza de toda a vigília. Simples, sóbria, profunda e jovem. E um Papa que parece rejuvenescer a cada dia que passa. Como me disse hoje um amigo, de forma carinhosa, a responsável por isso é a “Apressada”. Saibamos, como ele, alegrarmo-nos por tão belo motivo.

Lisboa, 5 de Agosto


JMJ LISBOA 2023 - O QUINTO DIA COM FRANCISCO

Terminou hoje a JMJ. Mais de um milhão e meio de jovens de todo o mundo estiveram presentes. Cada qual com as suas motivações, mas com um desejo comum: construir um mundo melhor, mais justo, mais humano e mais fraterno.
Às 9h00 da manhã, já o sol cobria o Campo da Graça e tornava-se abrasador, como que a convidar-nos a ter um coração tão quente quanto a temperatura que se fazia sentir. Um coração que arda de amor, de entrega e de doação.  
Na homilia da Missa de Envio, Francisco convidou-nos a «resplandecer», a «escutar» e a «não ter medo», reafirmando o que nos tem mostrado por palavras e actos, desde o início do seu ministério petrino: a verdadeira alegria não está na ocupação dos melhores lugares (seja em que circunstância for), nas relações com pessoas influentes que me podem beneficiar desta ou daquela forma, nem nos esquemas que muitas vezes possamos montar para obter este ou aquele benefício. Para ele, o brilho de cada um não sobressai debaixo dos holofotes, «antes pelo contrário, isso encandeia-nos, não nos torna luminosos», pois, «quando exibimos uma imagem perfeita, em ordem, bem acabada», estamos a ser supérfluos, artificiais e egoístas, tentando revelar uma imagem que não existe, nunca existiu e quiçá nunca existirá. A propósito, recordo-me das palavras de Daniel Faria, pelas quais nutro grande simpatia: «creio que o mais egoísta dos homens é aquele que recusa dar aos outros a sua fragilidade e as suas limitações». Ou seja, além de tentar transmitir uma imagem errada de quem realmente é, evidencia uma certa superioridade sobre os demais. 
Se queremos ser luz que ilumina e aquece o coração dos outros, sejamos autênticos. Não há tempo nem disposição para o artificial. Assim, «tornar-te-ás luz no dia em que fizeres obras de amor», referiu, porque já não importa mais o que vamos conquistar com as nossas boas obras, mas os corações que podemos tocar e as vidas que podemos salvar da miséria, da angústia e do desespero. E, se as obras que realizamos não são de amor, não chegarão verdadeiramente a ninguém e estaremos a realizá-las para nos promovermos e para termos “consolos espirituais” que nos fazem olhar o outro a partir de cima.
Então, apesar das lutas que travamos e das provações que vão surgindo, oxalá possamos ser homens e mulheres de esperança, com o coração no lado certo, para que não tenhamos medo de entregar a vida toda a favor da construção de um mundo repleto de paz. Que Lisboa fique «na memória destes jovens como a casa de fraternidade e a cidade de sonhos», disse Francisco após a oração do Angelus, voltando a manifestar esta urgência de criarmos relações fraternas, pautadas pelo amor gratuito. 
Mais tarde, no encontro com todos os voluntários da JMJ, o Papa destacou novamente a centralidade do amor na nossa vida, pois «quem ama não fica de braços cruzados, quem ama serve, e quem ama corre para servir», por isso Maria levantou-se e partiu apressadamente (Cf. Lc 1, 39) para servir, para se dar totalmente. Aludindo ao mar, o Papa incentivou os voluntários a continuarem «nas ondas de amor, nas ondas da caridade», sendo «surfistas do amor.»
Volto à homilia da missa que encerrou esta fantástica JMJ e à primeira interrogação de Francisco: «Que levamos connosco ao regressar à vida quotidiana?» É a pergunta que nos deve inquietar de hoje diante. Nesta semana, vivemos tudo em “laboratório”, em experimentação, e vimos que é possível construir um verdadeiro Império da Fraternidade. Agora, é tempo de passar da experimentação à ação.

Adriano Batista

Lisboa, 6 de Agosto

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