Diário dos Açores

Novamente, a “Nona”!

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Já por mais de uma vez escrevi neste lugar sobre a Nona Sinfonia, de Beethoven. Volto hoje ao assunto e talvez não seja a derradeira referência a essa peça musical tão importante, verdadeiro cume da Arte dos Sons.
Julgo que a primeira vez que a ouvi executar em directo terá sido no final do Congresso do Movimento Europeu, na Haia, quando Mário Soares, no apogeu do seu prestígio pessoal, foi eleito Presidente do mesmo. A orquestra, os solistas e o coro encarregados da performance eram gente nova, ilustres desconhecidos na altura, mas a batuta estava nas mãos de Yeudha Menuhin, um antigo menino prodígio do violino, já então convertido a Maestro e com bastante idade. Fiquei sentado na primeira fila, ao lado do Presidente recém eleito do ME, que logo me preveniu que o concerto deveria durar para aí uns vinte minutos, o que eu contrariei dizendo que seria de esperar mais de uma hora de música, como se veio a verificar. Foi uma actuação entusiástica, naturalmente, mas não conservo dela mais memórias.
Hoje quero referir um concerto da Orquestra Juvenil da Europa, gravado na Sala de Concertos de Berlim, transmitido em diferido, como Euroconcerto, no Canal Mezzo. Por sinal já estive nessa Sala, na altura da minha primeira visita à capital da Alemanha, a convite da Fundação Konrad Adenauer e até a ligo a um episódio curioso que já contei aos meus alunos a propósito de sermos e nos sentirmos europeus.
 Enquanto esperava pela hora do concerto, no qual o Maestro Titular da Orquestra da Cidade de Berlim, Daniel Barenboim, cedia a batuta ao conhecido tenor espanhol Plácido Domingo, intervindo ele então na sua qualidade de notável pianista, fui dar um passeio pela famosa Avenida Unter den Linden, que fica a dois passos da enorme praça denominada  Gendarmen Markt, onde a Sala de Concertos se encontra, ladeada pelas duas igrejas que Frederico o Grande, Rei da Prússia, fez erguer para acomodar os fiéis protestantes de língua francesa e de língua alemã, já então praticando no culto as respectivas línguas maternas.
Eis senão quando um casal alemão me aborda perguntando onde ficava a Sala de Concertos; dei-lhes as indicações pedidas recorrendo aos rudimentos linguísticos germânicos aprendidos no nosso Liceu. Vim a encontrá-los no intervalo do concerto e apurei então que eram do Sul da Alemanha e estavam pela primeira vez na capital; não pude deixar de sublinhar que tinha vindo de muito mais longe e afinal tinha sido eu quem lhes dera as indicações pedidas para os guiar na cidade, que a ambos nos pertencia afinal como cidadãos europeus.
Não me lembro de qual foi o programa do concerto, que devo ter guardado, como é meu costume, e fará certamente parte do meu Arquivo Pessoal, depositado na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada. Mas evoquei tudo isto na noite em que vi pela televisão tocar a Nona Sinfonia, com tanto entusiasmo e rigor, pela já referida Orquestra Juvenil da Europa. Não fixei a data do concerto, mas seria antes da pandemia ou já depois da mesma ter sido dada por terminada, já que ninguém andava de máscara de protecção.
O Maestro era também jovem e o nome, Vassily  Petrenko, levou-me a associá-lo a Kiril Petrenko, que é presentemente o titular da Filarmónica de Berlim.  Serão parentes, porventura pai e filho? Não consegui verificar. Significativamente, por cima do palco em que se sentavam os membros da orquestra um grande cartaz lembrava a todos, em alemão, naturalmente: “Aqui toca o Futuro!”
A orquestra era multi-étnica e um dos executantes de fagote tinha mesmo um piercing numa das orelhas. A sala estava repleta e havia muita gente assistindo ao concerto, através de grandes écrans colocados no exterior. A noite convidava a isso, devia ser Verão, pelo modo como vestiam todos, executantes e público. Havia muitas bandeiras da Europa e uma activista da causa LGBTIQA+ corria de um lado para o outro das pessoas que estavam na praça agitando a bandeira do Arcoíris, sem que ninguém se lhe opusesse, por ser natural numa sociedade livre e democrática, como todos desejamos ter na Europa ali em festa.
A parte coral da Nona Sinfonia conclui com um comovido hino de significação claramente religiosa, correspondente aliás ao sentido dos versos do poema de Schiller que Beethoven musicou. A Ode à Alegria, que pelo que consta pretendia exaltar a Liberdade, termina com uma reflexão teológica sobre Deus, como origem e garante da Fraternidade Universal. Não tenho visto este aspecto tão assinalado como me parece merecer! Fica-se mais pela exaltação da Alegria e até o Hino da Europa se limita a repetir os versos iniciais do poema e não chega até ao final.
Quando o concerto terminou e após longos aplausos, a orquestra, os solistas, o coro e o público presente na Sala de Concertos e na praça fronteira entoaram em conjunto o Hino da Europa. Cantavam todos em alemão; eu, em português dos Açores, que a Europa só se fortalece com a variedade e o igual respeito dos seus povos e respectivas línguas.

João Bosco Mota Amaral*

* (Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico)

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