Diário dos Açores

De regresso ao Pico dez anos depois (7)

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Eu e o meu companheiro de visita, António Mendes Nunes, tínhamos um almoço agendado para o restaurante Petisca, que eu desconhecia, pois ainda não existia na última vez que tinha estado no Pico. Era suposto ser com o Comendador Manuel Serpa, estimadíssimo amigo e grande figura da ilha, e com o Presidente da CVR dos Açores, o colega Vasco Paulos. Ao chegarmos ao local tivemos a agradável surpresa de também estarem presentes os atuais diretores da Cooperativa Vitivinícola da Ilha do Pico (“Picowines”), que não tinha o prazer de conhecer. Estavam também presentes o meu colega Bernardo Cabral, distinto enólogo da cooperativa, e o antigo Presidente, Ernesto Emílio, velho companheiro dos recuados tempos de Agronomia. Perante tão ilustrados convivas estavam criadas as condições para uma animada conversa sobre os atuais vinhos do Pico e as aventuras de uma adega cooperativa cada vez mais mediática.
Para acompanhar os chamados entreténs de boca foi servido o “Ilha do Pico, Espumante Brut Nature, 2017”, feito com Arinto dos Açores e o primeiro certificado como DO Pico,que não conhecia. Estava cheio de expetativa, pois há mais de dez anos que eu reconhecia o enorme potencial dos vinhos da ilha para a produção de espumantes. Quando o levei à boca não consegui reprimir um largo sorriso, pois era absolutamente surpreendente. As lapas grelhadas que tinha à minha frente deram pulos de contentes e as favinhas guisadas que vieram a seguir também. Devo confessar que excedeu as minhas expetativas, denotando que tinha por trás mão de mestre. A apresentação da garrafa é linda e em perfeita consonância com a qualidade do espumante e o segmento de mercado a que se destina. Com este espumante concluí que muito tinha mudado na cooperativa do Pico desde a última vez que lá tinha estado. O colega Bernardo Cabral disse-me, entretanto, que o espumante estivera quatro anos em contacto com as leveduras da segunda fermentação e tinha sofrido o “dégorgement” no final do ano passado. O facto de ser o primeiro espumante certificado do Picotrazia responsabilidades acrescidas e servia de bitola para os seguintes. Se os próximos forem iguais, o Pico será, muito em breve, uma luxuosa denominação de origem para espumantes.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


O segundo vinho foi o “Ilha do Pico, Verdelho, 2020, já meu conhecido, de que fiquei fã logo que o provei, numa feira de vinhos em Lisboa. Fermentado 80% em cuba de inox e o restante em barricas usadas, tem 13% de álcool e a irreverência típica dos brancos jovens da ilha. Esteve à altura da excelente seleção de queijos açorianos com que foi acompanhado e não vacilou quando chegou uma carne grelhada salpicada com sal. O meu vizinho do lado deu-me uma cotovelada e perguntou-me se era fácil comer dessa carne no Continente e eu tive de reconhecer que não.
Para fazer companhia à carne e ao Verdelho chegou, entretanto, o tinto “Terras de Lava, Reserva, 2020”. Fiquei expectante, pois se o tinham posto na mesa depois dos outros dois é porque não deixaria os créditos por mãos alheias. Devo confessar que nunca fui um entusiasta de tintos do Pico, pois são completamente ofuscados pelos brancos. Daí a minha curiosidade. Quando foi vertido no copo mostrou uma cor rubi esmaecida, que faz torcer o nariz a quem gosta de tintos opacos à luz e com mais de 14 graus, que não é, de todo, o meu caso. Ao cheirá-lo a primeira vez, sem agitar o copo, não me surpreendi com a pouca intensidade de aroma, normal em todos os vinhos jovens da ilha, mas reparei que era muito limpo de aroma e distinto. Por isso, a expetativa para a prova de boca subiu. Quando vi o rótulo surpreendi-me com os seus 13,5 graus e a expetativa para a prova de boca subiu ainda mais. Finalmente, quando o provei foi uma agradável surpresa. Perguntei ao Bernardo Cabral quais eram as castas e fiquei a saber que era feito com a grande casta de Bordéus, Cabernet Sauvignon, e a grande casta do Vale do Loire, Cabernet Franc. Soube-me muito mais a um vinho do Loire do que de Bordéus, pois do Pico não tinha nada! A diferença em relação aos tintos que conheci há dez anos atrás era enorme, mas ainda falta muito para estar ao nível do Verdelho. Tenho a noção que as castas francesas que invadiram a ilha do Pico, há mais de dez anos, substituíram com vantagem as cepas americanas do “vinho de cheiro”. Mas será que deverão ser o futuro dos tintos do Pico (e dos Açores)? Não creio. Tendo em conta a fortíssima marca do clima sobre o estilo dos vinhos, a casta torna-se menos relevante e, por isso, acho que haverá (muitas) castas portuguesas, incluindo algumas históricas da ilha, que darão tão boa conta do recado como as gaulesas e salvaguardam a autoestima lusitana.
Para finalizar um repasto magnífico, nada melhor que os licorosos do Pico. E, em vez de um, vieram quatro para a mesa, desde os doces aos secos. Bernardo Cabral fez as apresentações e, entre eles, havia um velho conhecido - O Lajido 2004 - de boas recordações. O formato das garrafas e a sua vestimenta mudou radicalmente em relação há dez anos atrás, passando a ser mais consentâneos com vinhos licorosos. Todos passaram com distinção, mas o seco e o meio-seco, com cerca de 30 g/L de açúcar mereceram a preferência de todos os presentes. A melhor notícia foi quando os diretores disseram que os licorosos constituíam uma aposta forte no futuro da cooperativa, de forma a honrar a memória dos que construíram a paisagem vinhateira, património da Humanidade, e a fama dos vinhos que correram mundo.
Fiquei rendido aos vinhos e às iguarias, mas acima de tudo fiquei encantado com a visão dos diretores da cooperativa do Pico, que alguns já chamam “a equipa maravilha”. Há mais de trinta anos que estudo as adegas cooperativas portuguesas, dado o seu relevantíssimo papel social. Para muitos são o “parente pobre” dos produtores de vinho, apontando as culpas ao código cooperativo. A atual cooperativa do Pico desmente essa tese à evidência e comprova que quando as direções são competentes as cooperativas são pelo menos tão boas quanto os outros produtores. Que diferença para o que conheci há dez anos atrás!

Por Virgilio Loureiro *

*Virgílio Loureiro é considerado como um dos mais prolíficos académicos, investigadores, enólogos e comunicadores do vinho, com uma prestigiada carreira como docente do Instituto Superior de Agronomia no domínio da Microbiologia.

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