Diário dos Açores

A Formação profissional, a inovação e o desenvolvimento: Um desafio autonómico

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Formar… sim, mas como

É evidente que para qualquer açoriano autonomista, uma questão fundamental, a ser colocada, é a de sermos capazes de criar a maior riqueza possível que nos deixe na dependência do exterior o mínimo possível.
Os trabalhos do economista Philippe Aghion, durante muitos anos professor de economia em Harvard, ao defender, com outros, como Paul Romer, Robert Lucas ou Peter Howit, um desenvolvimento económico dos territórios assente em fatores endógenos, pode trazer-nos pistas de ação para tal.
Numa conversa à volta desta questão, no muito interessante club de prospectiva Futuribles, dirigido por Hugues de Jouvenel, há uns anos, Aghion, a defender a importância da abordagem endógena dos pequenos territórios como o nosso, dizia-nos que “small is easier” (o pequeno é mais fácil), significando, assim, que a questão do crescimento económico devia deixar de ter como referência fundamental “o grande”, ou seja, produzir mais, em maior escala, mais barato, mas, sim, produzir diferente, indo ao encontro, ou até antecipando, os desejos dos consumidores. Entra-se aqui num mundo de possibilidades para os territórios pequenos que conseguem agilizar seus meios de produção e inovar seus produtos. Aghion é hoje, igualmente, como nós preconizamos, um defensor acérrimo da transformação de competências, através da formação profissional, concomitante aos processos de destruição de antigos empregos – criação de novos empregos que colocou Joseph Schumpeter.  Vale a pena revisitar o seu livro de referência, Endogenous Growth Theory, onde ele coloca os pilares fundamentais para o crescimento endógeno dos territórios: a inovação e a educação (lá está ela, de novo!). Esta abordagem do crescimento é, certamente, assim, algo que merece nossa atenção.
Por sua vez, Armand Hatchuel, Marc Giget ou Gilles Garel têm descrito os mecanismos que levam à inovação para o desenvolvimento. Garel, o professor em estratégias da inovação, especialista dos mecanismos que levam a ela (o seu livro The innovation factory, é um interessante guia para conduzir uma região à inovação), que tem vindo aos Açores, insiste que a inovação não é espontânea, mas sim fruto do conhecimento que a induz. O modelo que defendem assenta na implementação de um eixo C-K, (C para Concept, ideia; K, para Knowledges, conhecimentos). Todos eles alertam para a necessidade dos “conhecimentos” (que vão desencadear, alimentar ou sustentar as ideias inovadoras que se possa ter) serem integrados no planeamento para a inovação de um território.
Praticamente todos os economistas da inovação e desenvolvimento apontam que o maior bloqueio é o que chamam de Education Gap (a desfasagem educativa). Quando nos referíamos no nosso 3º texto ao ajustamento das competências às necessidades, estávamos a incluir, também, o ajustamento da formação ao que nós queremos implementar como atividades inovadoras, de futuro.
De todas estas referências colocamos aqui a importância para os Açores, para o seu desenvolvimento e para sua capacidade de criar riqueza, de uma estratégia de mapeamento da inovação. Temos de mapear o que queremos na inovação, e planeá-la, sobretudo, desenhando planos de formação, em particular no ensino superior, para a aquisição de conhecimentos que podem viabilizar a inovação que leva ao desenvolvimento. Se não queremos ficar na dependência de outros que nos venham dizer do exterior o que devemos fazer, temos de ser nós a conduzir este processo, incluindo dotarmo-nos atempadamente de competências para tal. Que se desenganem aqueles que acreditam que a inovação é espontânea ou que aparece apenas com a criação de um simples sistema de incentivos. O desiderato de que é necessário é “criar emprego de qualidade”, será apenas uma declaração ingénua de intenções se não tivermos claro no nosso mapa de desenvolvimento económico, onde, como e em que áreas é suscetível inovarmos, formando para isso. E, se não tivermos nos nossos sistemas de incentivos algumas precauções, estaremos a financiar com dinheiro público o que não é bem nem inovador nem impulsionador de desenvolvimento.
Algumas notas, nesta fase, podem ser uteis, desde logo a observação que, a não ser em algumas áreas muito especificas açorianas, onde somos únicos, tais como no mar, na vulcanologia ou ainda na energia geotérmica, nós não nos devemos dispersar na inovação tecnológica. Devemos também observar que temos setores económicos importantes onde é gritante a ausência de uma cultura de inovação, como, por exemplo e sobretudo, nos lacticínios. Sem essa inovação necessária, os lacticínios açorianos caminham para produzir produtos iguais a tantos outros, sem grande valor diferenciador.
Podemos igualmente referir que80% da inovação não é tecnológica, mas, na maior parte dos casos, organizacional, a potenciar a capacidade de utilização das novas tecnologias (que outros conceberam). A generalização do transporte aéreo com os voos low-cost e consequente expansão do turismo, é exemplo disso. Os low-cost não apareceram devido a uma qualquer inovação tecnológica nos aviões, mas sim a um novo conceito organizacional que provocou uma reorganização do transporte aéreo. Também no Alojamento Local é a capacidade em dominar ferramentas de comunicação na internet que permite a gestão muito mais flexível e eficiente da divulgação e das marcações no AL.
Não nos dispersemos, pois, com ilusões.
Transversalmente a tudo isto, notemos a importância da vigilância estratégica a fim de anteciparmos (e ajustarmos a tempo) os desejos emergentes dos consumidores. Convém estarmos vigilantes em relação a eventuais modificações de modos de vida e de expetativas societais que podem rapidamente fazer deslizar o turismo seguro e de natureza que temos para outros tipos de turismo e os queijos que temos para outros produtos que não temos (e talvez pudéssemos ter, se reagirmos). A chave, para além da preparação das pessoas para a inovação, reside na capacidade em nos adaptarmos com rapidez.
E há dois exemplos, entre muitos outros, na história das ligações entre formação e inovação que são exemplares - um pela positiva e outro pela negativa -, que ilustram muito bem como a presença, ou a ausência, de conhecimentos condiciona a atividade económica.
O primeiro, pela positiva, tem a ver com a reconversão de licenciados em biologia marinha para a observação de cetáceos. Havia na primeira década do ano 2000, um certo número de licenciados em biologia marinha a saírem da Universidade dos Açores, havendo alguns que aceitaram formar-se como operadores marítimo-turísticos, num curso no DOP.A presença destes licenciados, como bons profissionais, ajudou, certamente, a arrancar com qualidade a atividade de whale watching nos Açores.
Ao invés, quando o Teatro Micaelense reiniciou sua atividade, após remodelação, começou-se a equacionar o turismo de congressos. Era evidente que para este tipo de turismo, os tradutores-interpretes eram fundamentais. Tentamos então que fossem implementados cursos de pós-graduação para esta profissão, que teria reconvertido em empregos muito lucrativos uma quinzena de licenciados. Não o conseguimos. O facto de não termos tido tradutores-interpretes profissionais, pode ter sido, em grande parte, a razão de não termos conseguido desenvolver, em maior escala, o turismo de congressos.
É provável que a próxima década seja marcada por todo um movimento de progresso assente na inovação para o desenvolvimento com os contornos que descrevemos aqui. Ou não. Depende do caminho que tomarmos nos próximos 3 a 4 anos.
O que impede que tenhamos um modelo económico mais centrada nos nossos próprios recursos, e nas nossas pessoas, potenciando-os? Nós necessitamos partir para uma cultura de inovação e para um plano de formação para tal? Pois, vamos a isso!


Reações e comentários em ruibettencourt.formacao@gmail.com

Rui Bettencourt *

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