Diário dos Açores

A imprescindível liderança e a necessária governança

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Formar… sim, mas como

Podemos realçar vários aspetos, em jeito de conclusões, desta reflexão partilhada convosco ao longo de oito textos, que decorre de uma leitura do papel da formação profissional e de suas implicações.
O primeiro é a importância de estabelecer cuidadas ligações na ação pública com as políticas de emprego, as políticas educativas, as económicas e as políticas sociais, bem como as de juventude, considerando a abordagem a ter, um quadro de intervenção a desenhar e as ferramentas a criar. Tudo isto, não tanto numa lógica de juntar mais algo às missões específicas que cada uma destas políticas têm, mas a repensar a ação pública nestas áreas, reformulando a sua filosofia de intervenção: no emprego, a preocupar-se mais com a formação que leva a competências para a empregabilidade, a investir na diversificação de cursos e na implementação efetiva de respostas; na educação, a introduzir uma lógica de sucesso à volta da aprendizagem de competências profissionais, utilizando a formação profissional como complemento a ter em conta nas estratégias educativas; nas políticas sociais, a preocupar-se com o acompanhamento das pessoas, observando que o combate à pobreza, e o sucesso de cada açoriano, deve começar na escola e deve continuar no emprego. Esta questão do acompanhamento dos cidadãos deve ser, julgamos nós, com toda a convicção, missão fundamental de um Estado moderno e deve ser a questão central de um projeto político do século XXI; no desenvolvimento económico, a mapear a inovação e olhar com atenção para o crescimento endógeno.
Pelo facto de ser necessário colocar a formação profissional na encruzilhada de várias outras políticas, há um deslize marcante da atuação pública, desde o desenho destas políticas até sua operacionalização.
Já há uma década atrás, no livro Políticas para a Empregabilidade, tocávamos nesta questão, referindo: “Ao tratar as políticas para a empregabilidade com esta integralidade, o papel dos Governos muda radicalmente: de regulador das relações laborais e garante dos apoios sociais de minimização no desemprego, e de distribuidor de apoios visando o fomento da economia e o incentivo financeiro à criação de postos de trabalho, a governação assume-se, nesta nova ótica, como impulsionadora da organização dos dispositivos que permitem aos cidadãos poderem manter-se pertinentemente qualificados”. Esta impressão que tínhamos então, reforça-se.
E é efetivamente na organização de dispositivos de acompanhamento das pessoas que nos devemos centrar nos próximos anos. Isto traz desafios e dificuldades, mas é um caminho necessário. Isto exige uma monitorização exigente.
Neste caminho de acompanhar os açorianos – os jovens estudantes, centrados no meio escolar, mas já com uma visão sobre as competências profissionais e os desempregados e trabalhadores, sem nunca deixar de ter uma ligação aos seus projetos de vida -, o quadro de intervenção deve assentar numa linha de ação que utiliza a formação profissional para retificar eventuais trajetórias de insucesso de cada pessoa. Mas cada um deve ser o co-autor do seu projeto.
Dentro deste objetivo, o acompanhamento dos jovens que não se encontram nem a trabalhar nem em ações de formação ou educação deve ter um cuidado especial, devendo ser sinalizados por um dispositivo público próprio. O caso dos jovens que desistiram de lutar, não se interessando nem por trabalhar nem por estudar é um elemento fundamental da nossa política de valorização dos açorianos.
Isto obriga a uma reorganização de vários serviços, desde logo os serviços públicos de emprego, onde uma reformulação das competências das equipas de acompanhamento deve ser central, com um objetivo, que já chegou a estar no Plano Regional de Emprego, mas que deve passar a ser uma obrigação legal enquadrado por um Decreto Legislativo Regional: cada utente deve ter uma resposta efetiva e consequente no máximo de 100 dias. Estes Serviços devem ocupar-se também de trabalhadores que, apesar de trabalharem, desejam mudar de profissão (há perto de 1.000 pessoas por ano a manifestar desejo de mudança de emprego) e dos inativos (nos Açores há perto de 40.000 inativos em idade de trabalhar, que convém atrair para o mundo do trabalho, dando-lhes uma qualificação pertinente. A realidade de falta de mão de obra em alguns setores vem sublinhar a falha nas políticas de atratividade para o trabalho. A formação profissional, que deveria ser a antecâmara para um emprego, não existindo, não está a funcionar como fonte de contratação. É um dos elementos de compreensão da diminuição do número de empregados nos Açores, apesar de uma grande falta de mão de obra. Não há formação daqueles que seriam suscetíveis de ir trabalhar para os empregos que estão a ser criados).
Uma equipa multissetorial deve ser instituída com fortes ligações entre os serviços de formação e emprego, os de educação e os serviços sociais, agindo no sentido de se complementarem no acompanhamento das pessoas, exigindo uma grande articulação, mas igualmente uma grande concertação política entre os membros do Governo que tutelam estas áreas.
O trabalho que esta equipa multidisciplinar tem a fazer é enorme, é delicado e é fundamental. Trata-se de dialogar com as pessoas e construir com elas um projeto para robustecer suas competências e sua empregabilidade, sendo capaz de proceder a Balanços de Competências, ter conhecimento do que o mercado de trabalho exige, ter capacidade de influência nos cursos a abrir, em função das necessidades que observa, e participar na conceção de ferramentas de trabalho que podem ter alguma complexidade. A criação de um sistema de acompanhamento de cada jovem escolarizado, com a criação de uma plataforma de registo da situação e da trajetória de cada aluno, com um sistema de alerta para os casos de trajetórias de insucesso, deve ser um importante elemento deste sistema de acompanhamento. Outras ferramentas tais como a Carta de Competências podem permitir construir com cada jovem o seu projeto profissional, assente numa avaliação da sua situação individual e na trajetória desejada. Nossa pequena dimensão permite ousar um acompanhamento de todos e de cada um dos jovens, dos desempregados, dos trabalhadores e dos inativos.
Tudo isto exige conhecimentos técnicos a aprofundar. Mas, a monte de tudo isto, encontra-se algo que condiciona o sucesso deste processo: a liderança política.
Ainda nas Políticas para a Empregabilidade, referíamos: “Aparece no desempenho deste novo papel do Estado uma diferente postura e novos conhecimentos técnicos, mas a complexidade que obriga os conhecimentos técnicos para a conceção e pilotagem das políticas para a empregabilidade não dispensa, antes exige, a liderança política. Antes de se colocar a questão, necessária, da tecnicidade (…) os políticos devem propor e liderar escolhas e opiniões, em função dos seus valores”.
É verdade que existirão bloqueios, dificuldades e desafios na conceção, implementação e pilotagem desta política e destas ferramentas, na governança desta equipa multissetorial e na monitorização e avaliação desta abordagem. Mas, estou convicto, esta abordagem, havendo liderança política e demonstrada sua eficácia, pode suscitar uma forte adesão na sociedade açoriana e nas empresas, porque abre perspetivas, coloca as pessoas a serem co-autores de um projeto de vida e fará, não tenho dúvidas, aumentar o sucesso de cada um, bem como trará às empresas os recursos humanos de qualidade que elas precisam para funcionarem convenientemente.

Rui Bettencourt*
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