Diário dos Açores

A Senhora das Ilhas

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Chamam-lhe Nossa Senhora de Agosto, mas ela personifica todas as invocações que a piedade popular lhe atribui desde os tempos mais remotos.
Na ilha do Pico, na data de 15 de Agosto, também se celebra a Ascensão sob invocações diversas: Mãe de Deus, na paróquia da Silveira - Lajes do Pico, Senhora da Ajuda, na Prainha do Norte e Senhora da Ascensão em São Caetano, também conhecida por Prainha do Sul. Mas não se ficam por aqui as invocações que a piedade popular associa à Virgem: Senhora da Boa Viagem, em Santa Cruz das Ribeiras; Senhora da Piedade, na freguesia da Piedade; Imaculada Conceição, na Ribeirinha; Senhora do Carmo, em Santo Amaro; Senhora do Livramento, no Cais do Pico; Senhora da Boa Nova, nas Bandeiras; Senhora das Candeias, na Candelária; Senhora da Alegria, em São Mateus; Senhora do Rosário, em São João e Senhora de Lourdes nas Lajes.1
Segundo Manuel Fidalgo2 “actualmente [1990] existem nas nove ilhas 171 igrejas e ermidas dedicadas a Nossa Senhora”, número bastante inferior ao publicado em Angra, em 1943, pelo picoense Dr Garcia da Rosa no seu livro Maria Santíssima e as Belas Artes.
Seja como for, de Santa Maria ao Corvo e, nomeadamente na Ilha do Pico, “em todas as paróquias há uma muito especial devoção a Nossa Senhora” 3

Devoção a Nossa Senhora de Lourdes

As aparições da Imaculada Conceição a Bernardette Soubirou ocorridas em 1858, entre 11 de fevereiro e 16 de julho, na gruta de Massabielle, em Lourdes, no sul da França, cedo se propagaram pela Europa.
“A fama de Lourdes cresceu muito nos anos seguintes a 1858, quando mais de 2.000 curas sem explicações foram reconhecidas pelo posto médico instalado no local. Entretanto, a Igreja também reconheceu cerca de sete dezenas destas curas como sendo “milagrosas” e validou oficialmente as “aparições” logo em 1862.” 4
Não admira, pois, que os relatos das curas tenham chegado a estas ilhas e que os feitos prodigiosos tenham entusiasmado a piedade dos fiéis e dos seus pastores.
Segundo José Carlos, citado por E.Avila (opus cit.) “são onze os templos dedicados nestas ilhas à Senhora Aparecida”.
O Bispo D. João Paulino no artigo sob o título “A Imagem” publicado no jornal “Peregrino de Lourdes” de 13/07/1889, escreve: “A 4 de Setembro de 1883 chegou a imagem à vila das Lajes, onde era esperada com impaciente sofreguidão”. (Avila:2016,p.52)
Outra imagem chegou em 16 de setembro de 1883 à paróquia da Feteira, Faial, onde esta semana se realizam também as solenidades em honra da Senhora de Lourdes. No ano seguinte, por influência do Pároco de Santo Antão do Topo, Francisco Xavier de Azevedo e Castro, irmão do lajense D. João Paulino, Bispo de Macau, a terceira imagem da Virgem de Massabielle foi introduzida na paróquia de Santo Antão do Topo.
A devoção foi crescendo e, em 1901, a igreja da Criação Velha recebe uma imagem da Senhora de Lourdes e um ano depois a paroquial da Madalena.
Anos depois, a devoção estende-se à Prainha do Norte (ver foto) e, na bonita e imponente igreja paroquial é dedicada à Virgem de Massabielle um altar lateral do lado norte. O mesmo aconteceu na paroquial da Piedade.
    
Lourdes nas Lajes
    
As tradicionais festas em honra de Nossa Senhora de Lourdes, nas Lajes, estiveram, desde sempre ligadas à atividade marítima e baleeira. Foi ali o principal centro baleeiro dos Açores, atividade que conheceu até à sua extinção, em 1982, um apreciável desenvolvimento.
O primeiro bote baleeiro, como hoje o conhecemos foi obra de Francisco José Machado - o Experiente (ver foto).
Aqui foi construída a Fábrica da SIBIL para transformação dos cetáceos em óleo, farinhas e adubos. Aqui existiu uma apreciável frota de embarcações a remos, à vela e a motor, a que estava associada uma interessante atividade de construção e reparação naval.
Ainda no decorrer da atividade baleeira, algumas antigas embarcações foram transformadas em traineiras da pesca do atum, aproveitando-se o saber e experiência dos construtores locais.
A atividade baleeira, através das várias armações, desde sempre, suportaram os encargos com o fogo e festejos externos, nomeadamente as regatas a remos e à vela que ainda perduram. Havia mesmo uma confraria dos marítimos que integravam as cerimónias religiosas.
Ainda hoje, na tradicional procissão do Domingo, os últimos baleeiros e seus descendentes, à proa dos botes, com velas armadas, passam uma corda em redor do andor da Virgem, sinal de ligação à Senhora que, em momentos tormentosos, sempre protegeu os seus antepassados.
Não é correto dizer-se que a devoção à Senhora de Lourdes mantém a mesma dimensão de outros tempos, pese embora as celebrações terem integrado uma procissão de velas e no sábado, uma procissão marítima pela Baía das Lajes.
As circunstâncias alteraram-se e a tradicional religiosidade popular confronta-se com o desinteresse e indiferença da juventude e de muitos adultos. Outros fatores e valores os movem que geram a apatia face ao fenómeno religioso.
Há, no entanto, uma identidade e cultura religiosa que não se apaga, a par de questões pertinentes a que importa dar resposta. Saiba a Igreja compreender essas inquietudes, indo de encontro às preocupações mais profundas do ser humano.
O povo fiel e simples mantém a Fé dos seus antepassados e não se deixa levar por propostas tentadoras que surgem por aí acenando com novos céus e nova terra.
Neste final de agosto, que a Senhora das Ilhas nos traga saúde, alegria e paz!

1 Cfr ÁVILA, Ermelindo, Culto Mariano na Ilha do Pico, Companhia das Ilhas,2016
2 FIDALGO, Manuel, Açores, Estudos de Sociologia Aplicada, Angra do Heroísmo, 1990, p.272
3 ÁVILA, Ermelindo, Culto Mariano na Ilha do Pico, Companhia das Ilhas,2016,p.42
4 https://observador.pt/2017/04/14/santuario-de-lourdes-recusa-concorrer-com-fatima-e-defende-complementaridade/

José Gabriel Ávila*

*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com

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