Diário dos Açores

Cenários em Saúde. A medicina e a saúde do futuro (IV)

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Conselhos de médico

1 - Do 24º Congresso da Ordem dos Médicos saiu uma publicação intitulada Cenários em Saúde para 2040. Nostrêsartigosanteriores abordei alguns aspetos que irão condicionar o nosso futuro na saúde, hoje vamos falar de outros.
2 – Um grande investimento na saúde pública será necessário para que medidas de preparação e resposta aos surtos de doenças infetocontagiosas sejam mais rápidas e mais eficazes.
3 - A avaliação custo benefício das ações de saúde deverá ser um ponto chave para evitar o “desperdício” com ações pouco eficazes ou até mesmo dada eficazes. A aposta em medidas que visem ganhos em saúde no curto prazo (como medidas de regulação central) e no médio/longo prazo (como medidas de educação e promoção da literacia em saúde). O meu esforço com a publicação destes Conselhos de médico visa especificamente o aumento da literacia em saúde para que os cidadãos possam tomar decisões responsáveis e conscientes.
4 – A promoção da saúde e a prevenção da doença deverá ser uma área estruturante da gestão do sistema de saúde no horizonte 2040 – a par das novas tecnologias e da alteração dos Hospitais para tratar essencialmente doentes agudos e não “toda a gente”.O aumento no investimento em saúde será fundamental.
5 - A decisão política deve fazer-se guiar pela melhor evidência científica disponível. É isso que nos assegura os melhores resultados. O anúncio de medidas eleitoralistas, pouco eficazes em resultados em saúde, deverão deixar de existir. A evidência científica deverá ser sempre a linha de rumo.
6 – O papel do médico, tal como ele é visto hoje, será profundamente alterado. A saúde à distância e a evolução tecnológica irão alterar em muito a atividade médica. Cada vez mais, os meios de diagnóstico, equipamentos e algoritmos vão substituir ou alterar algumas tarefas atuais dos médicos, desde o diagnóstico ao tratamento. Algumas destas tarefas poderão passar a ser desempenhadas por outros profissionais de saúde, libertando o médico para situações e tarefas mais complexas. Novas tendências como a automação e a robotização poderiam levar a uma redução do papel do médico, mas tudo indica que não será esse o caminho, os robots não vão operar sozinhos e os médicos vão manter-se indispensáveis. Mas terão de se adaptar a novas formas de trabalhar. Uma forte aposta no conhecimento clínico será a chave para melhores médicos. A profissão de médico poderá passar a ser exercida a uma escala global. Recorrendo a novas tecnologias como a robótica e a automação, potenciadas pela Inteligência Artificial e pelas redes de última geração (5G e 6G), os médicos poderão exercer a sua profissão dentro ou fora do seu país, sem as barreiras físicas atuais. Por outro lado, os doentes poderão escolher o melhor médico da especialidade independentemente da sua nacionalidade e do sítio onde viva e exerça. Esta flexibilidade vai criar uma maior “concorrência” entre médicos, competências e níveis de especialização. A formação e atualização contínua, sendo já a prática dominante, será ainda mais determinante no futuro.
7 - Os hospitais vão ser locais diferentes, mais tecnológicos e centrados na doença aguda, na medicina especializada e personalizada. Por seu lado, os cuidados básicos serão prestados próximo de cada doente, muitas vezes em casa e nos centros de saúde, potenciados pelo digital, pela saúde à distância e pela monitorização remota de doentes, com novos atores na prestação de cuidados, tais como os “gestores de saúde”, comunidades de doentes e cuidadores, etc...
8 - A realidade é que vamos ter de, inevitavelmente, mudar os hábitos de saúde da população. Neste momento já devíamos ser mais ativos e ter como prioridade a formação e educação das novas gerações em hábitos de vida saudáveis e ambientalmente mais responsáveis, quer por questões que se prendem com o planeta, mas especialmente pela saúde das pessoas. Se não o fizermos, vamos ter tecnologia que nos vai permitir viver até mais tarde, mas o enorme peso das doenças no sistema, porá em causa a sua sustentabilidade. Aliás, esta será a única forma eficaz de se atingir o equilíbrio do sistema, reduzindo a pressão da doença e motivando para a prevenção através de uma mudança de estilos e de hábitos de vida.
9 - A capacidade de se autodiagnosticar (ou pelo menos estar mais capacitado para dialogar com o seu médico sobre o seu estado de saúde) já está a aumentar. Mas, no futuro, este tema será levado a um outro nível. A informação de perfis genéticos completos irá proporcionar aos pacientes a capacidade de fazerem melhores e mais personalizadas escolhas sobre a sua saúde e bem-estar. As pessoas compreenderão que irão viver por muitos mais anos e passarão a assumir uma maior responsabilidade pelas escolhas que fizerem e pelo impacto que estas terão nas suas vidas. Esta mudança de mentalidade do paciente conduzirá a uma mudança significativa no papel do médico: de “instrutor/diretivo”, dizendo aos pacientes o que eles precisam de fazer para um papel de “guia/orientador”, ajudando-os a tomar decisões informadas sobre os seus próprios cuidados.
10 – O futuro é já ali... Estamos quase em 2040… É necessário pensar nestas extraordinárias evoluções que o futuro nos vai trazer. Navegar à vista sem definir um rumo não nos pode trazer nada de bom. Quem não se adaptar vai ficar para trás.
Notas: 1 – Continua. Ler “cenas dos próximos capítulos”.
2 - Haja saúde. Haja saúde. Haja saúde.

António Raposo*
* Médico fisiatra  e especialista em medicina desportiva

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