Diário dos Açores

Desafiar o desconhecido faz parte da coragem civica?

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Memorandum

O universo planetario navega numa experiência em trânsito rumo ao desconhecido...
Nas comunidades pensantes nem sempre há espaço ideológico para o eterno descanso das exactidões. A humanidade continua a coexistir com as “aproximações” que lhe são facultadas, preferindo ser empurrada contra o arame farpado das probabilidades tangenciais à verdade. Ora como a verdade amedronta os incautos, foi preciso inventar a ‘palavra’ para mascarar as confissões intempestivas do pensamento. Daí que as gerações ditas modernas nem sempre resistem ao hábito de iniciar as suas narrativas com a seguinte precaução: “era uma vez a ‘palavra de honra”...   
A existencia humana não tem sido um exemplo de paz: imagino que os indivíduos (estou na lista!) são meros pingos no infinito; a humanidade vai ‘descobrindo’ o seu percurso à maneira que avança. Se o mundo fosse criado perfeito não haveria sentido em optar pelo ‘itinerário’ da relatividade, porque estaria tudo muito ‘bem-feitinho’ à nossa espera...  
Entretanto, a palavra ‘democracia’ continua a ser esfrangalhada pela algazarra dos feirantes da opinião. Quase nos apetece esticar a conversa até ao pensamento do filósofo cristão, Francis Schaeffer, que gostava de dizer que ‘a democracia é a ditadura dos 51 por cento’...  Os chamados fundadores dos E.U.A. (há 246 anos) temiam que a ‘virgem’ democracia fosse canonizada pela escravatura, depois de Jefferson ter fechado o famoso negócio da ‘Louisiana Purchase’.  Em finais do século XVIII, por uma questão de pragmatismo pós-colonial, os inventores dos Estados Unidos d’América apostaram no tipo de ‘república constitucional’. (Vamos oferecer uma breve olhada ao Artigo IV, Secção 4, da Constituição norte-americana: há ali uma posição clara que recomenda “cada Estado manterá a forma republicana de governo”).
       
2 – Viva a diversidade: nada de confundir igualdade com uniformidade...
 “Igualdade” é outra palavra mágica muito em voga no léxico do sermão político alusivo ao constitucionalismo norte-americano. O perigo está na pressa de confundir (ou misturar) “igualdade com uniformidade”. O conceito de santidade continua equiparado ao ‘primeiro-prémio’ da lotaria da bondade! Continuo convencido de que prémio da ‘igualdade’ e lotaria da santidade são crendices de recurso para suavizar a precaridade existencial da natureza humana. Todavia, aceito que ambas noções possam funcionar como percursos alternativos para enfrentar o tenebroso ‘encontro’ com a Verdade...
 Ora, face à circunstância de me considerar ainda vivo (embora desafiado pela  proximidade cada vez mais perto da ponta final da existência humana) talvez não seja arrogante dizer que a morte é porventura um instrumento indispensável ao serviço da democracia radical. Ou seja, nada mais eficaz do que a morte(?) para vazar a confusão das diferenças individuais no oceano universal da uniformidade. Entretanto, antes de me despedir do seculo XX, arrisquei manifestar publicamente o seguinte desejo: “...gostaria de  caminhar o resto da existência com um cravo vermelho no cano da palavra.”
 
3 – Oh! que bom ser aprendiz da Vida a caravelar no oceano da sabedoria...
 Desde o início da década de 1960 (sobretudo, a partir de Abril, 1974) tive a boa-sorte de usufruir da proximidade com mestres valiosos que me ensinaram a táctica de comparar ideias com a arte de compreender noções básicas da ciência politica. Felizmente, a minha ignorância (involuntária) nunca foi factor escondido na algibeira da vaidade. No tempo em que assentei praça na bancada do PS, na Assembleia da República, fui depressa aceite como caloiro faminto do saber: Mário Cal-Brandão, Igrejas Caeiro, António Guterres, Medeiros Ferreira, Teófilo Carvalho dos Santos (para mencionar apenas o grupo que se sentava na mesma área parlamentar) todos tiveram pontual conhecimento do nível secundário da minha preparação escolar.
Conclusão: há pouco dizia uma frase que me fora ensinada: “o Universo é uma experiência em trânsito”. Vejamos, naquele tempo – 1974-80, os mais jovens socialistas açorianos eram considerados “peixinhos vermelhos a nadar em água benta”. Depois houve a chegada do conhecido slogan “Autonomia na Constituição”, logo seguido do conhecido projecto “Europa Connosco”...  
Entretanto, seja-me permitido avivar uma recordação singela: no dia 18 de Outubro,1980, cheguei a Boston com a voz ainda rouquenha devido aos ecos & suspiros de Abril, sempre! Abril, sempre! Todavia, desde a alvorada do século XXI, resolvi manter o “jejum do silêncio”. Nos Açores, a alegria abrilista continua a navegar rumo ao desconhecido. Temos de aprender a ser bons gestores da incerteza.
Enfim, vamos juntar a nossa voz ao coro sensato da autenticidade civica: “quando os melhores vencem, toda a gente ganha”.
                                                      
                João-Luís de Medeiros *                                 
 
 (*) o autor não aderiu ao recente acordo gráfico.

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