Diário dos Açores

A Natália Correia Em preito de homenagem (100 anos)

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13 de Setembro de 1923 -16 de Março de 1993

mais que ave doce eras a águia


mais que ave
foste voo em céu pardacento
e pousavas sobre os ombros das nuvens
para entoares o teu canto
que encantava a fala do vento
espalhando a tua palavra

quantos deuses te libertaram
para que não tivesses máscaras nem a vil duplicidade
para que a tua voz fosse ouvida
entre o dedilhar de uma lira
a razão que te assistia e que não podias calar

acusando quem te quis usar ou atingir
entre a tua força e a tua fragilidade

o teu único medo era estar só
- só   a noite   o vazio e a muda solidão

medo de não agarrar a vida
que na soma dos anos te fugia
sem que a pudesses agarrar

como agarra a águia mesmo do ar
apanhar a sua presa na pomba a esvoaçar no céu
sem cair em terra ou no mar

eras lira     e eras ira
doce no afagar   dura com quem te ‘’picava’’

foste bruxa    e foste fada     pitonisa
amante   lua cheia   corda de guitarra
a trinar em noite de versos e acordes de piano
num diálogo entre Chopin e Mozart

sobre o teclado   os teus dedos
fizeram emudecer as teclas num orgíaco silêncio
e partiste como se fosses o último raio de sol num fim de tarde
e fosses o derradeiro  solfejo
que a noite guardou na esperança
de ressuscitares no leito onde adormeceste para a vida

se te levaram da ilha
monja de luto embarcada
que ilha nunca esquecida
as cinzas     fruto do teu corpo

- de novo à ilha voltaram


Victor de Lima Meireles

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