Diário dos Açores

Um mapeamento dos erros na formação profissional e no emprego (Parte 1)

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1. Da recessão da formação profissional à não execução de financiamento comunitário

Minha história, minha relação com as políticas de formação profissional e emprego e a situação que se atravessa, obrigam-me a tomar posição sobre esta questão. Tenho perante os Açores este dever, bem como tenho, perante os açorianos e perante mim mesmo, o dever de lucidez.
Há, desde logo um erro central: O Governo Regional deveria estar a conduzira sua ação para que tivéssemos uma expansão da formação profissional, a dar respostas – que deveriam já estar implementadas - às necessidades urgentes das pessoas e das empresas dos Açores. As empresas necessitam pessoas qualificadas e há um importante número de desempregados, alguns até oriundos de programas ocupacionais, que deveriam ser formados para profissões que apresentam manifestas faltas demão de obra, através de ações que os valorizem e lhes deem empregabilidade. Dentro disto, há um erro no tratamento da diminuição dos programas ocupacionais que é o de proceder a esta diminuição sem implementar antes um leque de cursos que forme as pessoas que destes programas saiam, para que elas sejam encaminhadas para as necessidades das empresas.
Quanto à formação profissional inicial de jovens, com equivalência ao 12ºano,as hesitações, as poucas, e precárias, soluções de financiamento, atabalhoadas e muito tardias, deixando avolumar a ideia de instabilidade e de fragilidade deste tipo de ensino, nada têm ajudado a angariar formandos.
Acresce que a criação de programas como o Reconverter Pro, admitindo jovens com o 9ºano, sem qualificação, desvia, de facto, do sistema educativo, aqueles que deveriam estar a ser encaminhados para uma formação que lhes trouxesse uma qualificação profissional ao mesmo tempo que lhes desse o 12ºano. É um erro lançar para um dito estágio pessoas sem qualificação, fazendo crer que elas vão qualificar-se aí, espontaneamente. Ou seja, está a ser feito exatamente o contrário do que deve ser feito.
Tudo isto leva a que não se tenha, de facto, jovens no ensino profissional. Não é só uma questão demográfica.
Quanto aos jovens que não se encontram nem a trabalhar nem em formação / educação, os NEET, é absolutamente necessário que se abram cursos para eles. Neste contexto é incompreensível não se abrir cursos Reativar, que visavam dar uma qualificação àqueles que não tinham concluído o 12ºano, em particular os que ficaram pelo caminho com o 10º ou 11ºano, que é o grande problema de abandono escolar e de frustração de um projeto de vida. Estes cursos foram abandonados. Para que soluções estão a ser encaminhados os jovens NEET se não há cursos para eles?
Sem cursos para dar resposta, um Gabinete de orientação vocacional cuja ação deveria ser a de detetar competências ou a ausência delas, construir um projeto profissional e, neste projeto, encaminhar a pessoa para formação profissional, é inútil e é frustrante.
Na formação de trabalhadores seria necessário o Governo estar a ajudar as empresas, implementando ações de formação para os 5.000 trabalhadores que anualmente são obrigados pelo Código do Trabalho (e pela necessidade de se formarem)a que pelo menos 10% dos trabalhadores de uma empresa tenha pelo menos 40h de formação. Isto não está a ser feito, de modo algum.
Estão, assim, as pessoas e as empresas entregues à sua sorte.
Em suma, neste ano de 2023 - já o 3º ano do Quadro financeiro do Fundo Social Europeu -, devíamos estar a formar entre 10.000 e 15.000 pessoas. Estamos a níveis muitíssimo abaixo, 90% abaixo do que seria necessário. 
Ou seja, por sua inação, inoperância e profunda incompreensão do que deve ser feito, o Governo está a provocar uma recessão da formação quando – por necessidade das pessoas, por necessidade das empresas e por necessidade da economia –deveríamos estar em plena expansão da formação profissional.
Certamente que o Governo dirá – a culpa é sempre dos outros! – que tudo isto é porque ainda não teriam arrancado os financiamentos comunitários. Nada mais falso. Na transição entre quadros comunitários anteriores da responsabilidade dos governos do PS, a saber a transição para os quadros 2000-2006, 2007-2013 e 2014-2020, com os mesmos constrangimentos, o financiamento da formação profissional foi sempre assegurado. No resto do país, hoje, o financiamento da formação profissional encontra-se assegurado e a decorrer com normalidade. Nos Açores, encontra-se praticamente parado. Nada impede que o Governo garanta o que devia estar a ser executado com verbas do FSE, onde há 540 milhões de euros, cuja elegibilidade é a partir de 1 de janeiro de 2021.Veja-se, por exemplo, o que aconteceu no início do quadro comunitário para 2007-2013: nos dois primeiros anos daquele quadro, entre 2007 e 2008, repito, perante os mesmos constrangimentos que os de agora, a formação profissional foi apoiada em 43 milhões de euros contra um número que deve rondar zero euros, agora, nos dois primeiros anos do quadro atual (2021 e 2022). 43 milhões de euros contra zero. No terceiro ano do atual quadro financeiro comunitário (2023), perante a quarentena de novos cursos de formação inicial anunciados como uma grande coisa, e nenhum para desempregados ou trabalhadores, os valores para o terceiro ano(2009) do então quadro 2007 – 2013, falam por si e mostram a diferença: estiveram, em 2009, 4.133 jovens em 482 cursos de formação inicial e4.601 desempregados e trabalhadores em 438 cursos de aperfeiçoamento de competências. E o Quadro financeiro de então (2007-2013) tinha 190 milhões de euros, um terço do atual. 
Estamos, assim, há três anos sem execução, quando as dotações do Programa Operacional ultrapassam os 200 milhões de euros para estes três anos. Vejo, pois, com apreensão, o risco que corremos, pela primeira vez desde que há fundos comunitários, de não executarmos verbas que a Comissão Europeia colocou à nossa disposição. Triste perspetiva se vislumbra, sobretudo se, por infelicidade, esta coligação se mantiver.
É mesmo incompreensível. Já não estamos só na discordância, estamos no plano da incompreensão. Como é que no contexto atual de falta de mão de obra qualificada, que deve ser motivada e preparada para um emprego, o Governo não consegue arrancar com o financiamento do Quadro Financeiro e prefere canalizar os recursos próprios para apoiar a contratação e não para formar desempregados? 
E a escolha do Governo, sendo clara, é má: mais de 50 milhões de euros foram para o apoio à contratação. Não estou a dizer que não se deva alavancar com financiamento público a atividade em alguns setores económicos estratégicos, a implementar ou a reforçar (se for preciso di-lo-ei 10 vezes), mas neste momento de muita falta de mão de obra, é um grave erro não canalizar, prioritariamente, os apoios públicos, sejam comunitários ou não, para as pessoas, para as qualificar e para as preparar para os empregos que estão a aparecer. Resumindo tudo isto com dados concretos: em vez de formar açorianos canalizando-os para o emprego que as empresas estão a criar (há empresas que não estão a funcionar em pleno por falta de pessoal), o governo está a fomentar financeira mente uma suposta criação de “novos postos de trabalho” e uma suposta “estabilidade laboral”. Resultado, segundo o INE: há um ano tínhamos 116.400 trabalhadores nos Açores, sendo 83.900 em contratos estáveis e temos agora, 27 milhões de euros gastos depois, 116.100 trabalhadores, sendo 83.700 em contratos estáveis. 27 milhões para nenhum efeito e nenhum financiamento consistente na formação que teria tido efeito.
Tudo isto tem a ver com a inoperância do Governo Regional que não consegue desenhar, implementar e executar o que deve ser uma política de formação profissional e emprego, que devia ser central e deveria ser a sua missão principal.
Perante isto, este Governo não pode – não pode mesmo – dizer algum dia que aposta na qualificação profissional.
Rui Bettencourt

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