Diário dos Açores

Educação, Filosofia, Religião (II)

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Opinião

Em Homenagem à minha Mãe 
                              Leontina Maria Oliveira Medeiros,
E em especial neste dia de Nossa Senhora 

(Continuação do texto publicado no dia 7 deste mês, 
Diário dos Açores, p. 8)

É um eixo central para a Ontoteologia. No livro Levantai-vos! Vamos! Autobiografia, afirma Karol Woytyla/João Paulo II: “A minha conceção filosófica pessoal move-se, digamos assim, entre dois pólos o tomismo aristotélico e a fenomenologia. Interessava-me de modo especial pelo pensamento de Edith Stein, uma figura extraordinária inclusive pelo seu percurso existencial: judia nascida em Wroclaw, encontrou Cristo, batizou-se, entrou para o convento das carmelitas, permaneceu certo tempo na Holanda, de onde os nazis a deportaram para Auschwitz. Morreu numa Câmara de gás e o seu corpo foi transformado em cinzas num crematório. Havia estudado com Husserl e fora colega do filósofo polaco Ingarden. Tive a alegria de a beatificar em Colónia e depois canonizei-a em Roma.”(João Paulo II, (2004. pp: 83-84). E em plena sintonia e coerência, em Verdade, no livro “Memória e Identidade”, João Paulo II  refere-se à “Filosofia de São Tomás de Aquino” como “a filosofia do esse” e a “fenomenologia realista como Roman Ingarden”. ( João Paulo II, 2005, p. 18). De facto, aqui está Arte, Beleza e Verdade. 
João Paulo II foi um Papa que tem marcado muito a minha vida. Tinha eu treze anos de idade quando foi eleito Papa, de modo que a sua Voz potente, de Fé Ecoante e Penetrante, ficou-me, para sempre: “Não tenhais medo”, e acrescentou: “Não tenhais medo de ser santo”. Foi no meu Berço, materno e paterno que bebi o Cristianismo. Ser Cristão e Católico é uma Profunda Identidade, também na secularidade e na laicidade. 
João Paulo II marcou muito a minha adolescência, a minha juventude e a maior parte da minha vida adulta. Depois foi Bento XVI, que continua muito marcante, em vivências e leituras, e, também Francisco.  
Aprofundando o Pensamento filosófico e teológico de João Paulo II vemos que o homem, compreendido à luz de uma fenomenologia que busca a sua essência, o seu ser, é um caminho para Deus. Esta é uma conceção e dinamismo transversal no seu pensamento e ação, como Homem e como Papa, como Teólogo, Filósofo e Sumo Pontífice, também apoiado por um Joseph Ratzinger, facto que para mim se tornou só conhecido após a eleição de Joseph Ratzinger como Sucessor de Pedro, imediatamente a João Paulo II. Por isso disse, logo em fevereiro de 2013, de que estava convencido de que se ao lado de Bento XVI houvesse outro Joseph Ratzinger, Bento XVI não teria renunciado. E ainda estou convencido disso, não pelo tempo relativamente longo após a sua renúncia mas porque a Genialidade de Bento XVI exige um braço direito férreo e de aço, para haver a docilidade do Divino Espírito Santo, “O paráclito, o Consolador o Espírito da Verdade”. Já tenho dedicado vários escritos aos estudos de S. João Paulo II e Bento XVI, bem como a Francisco, mas muito e muito – uma imensidão – há a investigar, ler, estudar, escrever e publicar. Tenho aliás escritos sobre o tema deste artigo com base nestes três papas. Mas neste artigo o registo tem outra modelação e modulação, entre outra melodia e sinfonia. 
Considero que é de potenciar uma Fenomenologia da Religião, mas no sentido dessa compreensão estar ao serviço da própria consciência e vivência religiosa. 
No livro Memória e Identidade, afirma João Paulo II: 
“Com o método fenomenológico, por exemplo, podem-se examinar experiências como as da moralidade, da religião ou mesmo do ser humano, daí recebendo um significativo enriquecimento do nosso conhecimento, mas não se esqueça que todas estas análises pressupõem a realidade do ser humano, isto é de um ser criado, e também a realidade do Ser Absoluto. Se não parte de tais pressupostos “realistas”, acaba-se por girar no vazio.” (João Paulo II, 2005, p. 21). 
Ora, pela via de uma antropologia fenomenológica o homem encontra um caminho para Deus, não se fechando-se, de modo algum, mas numa hermenêutica aberta, questionada e compreensiva do que é e quem é o homem, essa indagação dá-se, sempre, numa transcendência do homem que, conhecendo-se, supera-se, para além de si, (seria a transcendência na imanência?) mas no Horizonte que abre o homem para além de si mesmo, dos seus umbrais, e o coloca da dimensão da Transcendência, da Consciência, como um relativo e um absoluto (mas com a pequeno), lançando-se nas Mãos e nos Braços de Deus, da Transcendência, à qual aspiramos, também como a “Nostalgia de Deus”, para aqui usarmos uma expressão bíblica, na sua máxima potência de e na Busca de ser, na procura de Deus, do Absoluto que nos habita – o nosso Corpo é “templo do Espírito Santo” – mas também do Absoluto que está no “outro totalmente outro” (Levinas), no Outro, que jamais o próprio, o seu semelhante, o seu próximo, Deus, jamais deixa que haja uma colonização, uma apropriação, uma coisificação. Só olhando o Outro como Mistério percorremos, mais e mais, para nos encontrarmos, dentro e fora de nós. Só O Mistério nos abarca.
No livro Na Rota do Mistério. Viver, Saber, Amar, (2018), afirma o Professor José Ribeiro Dias. “(…), através do mûe do latim arcaico mu, levam-nos a remontar ainda mais longe, à raiz onomatopeica mu, caracterizada pelo fechamento dos lábios e que pode reduzir-nos simplesmente a nos mantermos mudos, ou apenas a procurarmos imitar o murmúrio de uma corrente suave, ou a mugir – um! mu! – como as vacas, ou a balir – mé! mé! – como as cabras e as ovelhas.
É destas últimas fontes linguísticas que chegam até nós as palavras místico e mistério. 
A palavra místico emprega-se para designar o ser humano que, esforçando-se por ultrapassar o nível da razão e recorrer a todas as dimensões mais profundas da sua inteligência, procura entrar em comunhão com o Transcendente. 
A palavra mistério, na aceção parcial, atribui-se a qualquer realidade oculta ou secreta apenas acessível aos iniciados, na aceção global que aqui nos interessa, aponta para o Set Infinito, indesvendável e inacessível aos seres finitos. 
Dito de outro modo, na linguagem que temos andado a utilizar: o místico é a parte à procura do Mistério que é o Todo.
Consequentemente, o místico, à medida que tenta aproximar-se do Mistério e ao sentir-se incapaz de ver por ficar ofuscado, fica também incapaz de falar, não indo além de balbuciar, taramelar ou tratamudear sobre Ele, ao jeito de S. João da Cruz: 
“Que bem sei eu a fonte que mana e correr.
 Mesmo sendo noite”. 
Por sua vez, o Mistério, porque se mantém inatingível na sua Transcendência, continua a ser para nós invisível e inefável e não ser que Ele próprio nos envie Alguém que nos fale por Ele (Profesta) ou, enfim, que Ele próprio se digne falar.” 
    
                  (Dias, 2018, pp: 17-18). [negritos nossos]

No livro, também de síntese, ainda mais síntese, - diria síntese de Orientação ou Sentido de Educação – o Professor José Ribeiro Dias publicou em 2021 o livro Educar é Amar. Se olharmos para a afirmação ressalta dois verbos: Educar e Amar. Mas afirmando Educar é Amar, o verbo ser está presente como origem, fundamento e sentido. Parafraseando Vergílio Ferreira, em tudo o que afirmamos, interrogamos, escrevemos, escutamos, falamos, admiramos, et, etc, etc, está o verbo ser, nas suas várias formas, formulações, em tudo, em nós, está, ou é expresso, de modo implícito, ou explícito, o verbo ser. Por isso, digo eu, há que problematizar a gramática e a sintaxe, à luz da semântica, da significação, do sentido. Sabemos, de cor, ensina-se, sem se questionar, o que exige uma Filosofia da Educação e da Linguagem, o que, são, afinal, os verbos auxiliares. Listam, para os alunos decorarem, mesmo que nada entendam, porque, lá no fundo, o que muitos professores – não os de vocação – o que querem é despachar, “dar a matéria”, como na Alfândega. E há que registar, no Caderno de Apontamentos, os verbos auxiliares: Ser, estar, ter, haver. Que disparate, diria, talvez, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva: Ser, Haver, Estar, Ter, não constituem Verbos fundamentais de composição? Não são apenas auxiliares porque auxiliam – pleonasmo -, ajudam, “a conjugação de outros verbos”. Deus, no Antigo Testamento, apresentou-Se, em Voz, a Moisés, como “Eu Sou”, “Eu Sou Aquele que Sou”. Ser abarca o todo da realidade a analisar, a decompor, a compor, a compreender, etc. Não será a Compreensão a Capacidade de fazer sínteses, e é possível sínteses sem o Verbo Ser? No Ser está Tudo, está o Todo. Para onde quer que olhemos há Ser. Por isso o zero não é um número natural mas um número inventado. A Criação é da Ordem Divina e do Ser, também do Ser Humano, a invenção pode ser letal. Na Natureza não há o nada, nada é já um mínimo de ser, é nadificar, tal como a possibilidade, em termos de ser (em termos ontológicos), é já um mínimo de ser, o ser das possibilidades de que tão profundamente fala Viktor Frankl, para além das possibilidades do ser. Quando perguntamos: é possível? Estamos a sondar, previamente, a eventualidade de algo, que (ainda) não é poder vir a ser. É, no fundo, o sentido da Utopia, como muito bem esclarece o Professor Manuel Ferreira Patrício. Utopia é o que (ainda) não há. Haver Ser, o belo poema de Fernando Pessoa que nos leva para o maravilhamento de Haver o Ser e não o nada. A interrogação traz implícita a potência do ser. O ser que mesmo não sendo já é alguma coisa. Por isso estamos sempre na Habitação do Ser. 
Vergílio Ferreira, embora dê um salto, fundamental, e em autenticidade, para a sacralidade fica na sacralidade do humano, é um passo decisivo, na ordem Metafísica, mas ainda incompleta porque não avança para busca do Ser pleno, para a Transcendência, para Deus. 
Afirma Vergílio Ferreira no seu livro Pensar (1992): 
“O retorno ao sagrado deve ter que ver fundamentalmente com a recuperação da sacralidade do homem, da vida, da palavra, do mundo. A sacralidade está no que suspeitamos de mistério nas coisas, a força original de tudo o que espera o nosso olhar limpo, a nossa atenção humilde, a divindade que há em nós. O grande acontecimento do nosso tempo, que é sinal do nosso desastre, é a profanação de tudo (…)”. (Ferreira, 1992. P. 278). 
Ora um certo imanentismo da sacralidade põe o homem a girar sobre si mesmo, numa sacralidade fratura porque cortou com o Absoluto, “voltou as costas a Deus”, como afirmou – e escreve – Bento XVI. Sem Deus até a antropologia humana vacila, cede, cai, desmorona-se. O homem, só, cai na tentação do “desastre”, que é a “profanação de tudo”. O Homem desrespeita-se, quebra a sua Dignidade, que não carece de reconhecimento, porque é uma Prerrogativa divina. Deve-se ao Cristianismo – também em termos históricos –  a conceção, mais, o Sentido Sacral da Pessoa Humana. No nosso Sacrário Interior ninguém toca, só Deus. 

Referências bibliográficas: (A explicitar, de modo completo, no último texto) 
* Universidade dos Açores/Centro de Estudos Humanísticos da UAç

Observação: 
Este texto (II) é um excerto do artigo, Original, publicado na Revista Nova Águia, nº 32, 2º Semestre de 2023.  

Emanuel Oliveira Medeiros 
Professor Universitário*
 *Doutorado e Agregado em Educação e na Especialidade de Filosofia  da Educação 

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