Diário dos Açores

Alguns antecedentes históricos do presente conflito israelo-árabe

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Opinião

Foi durante a minha estadia em Israel, em finais de Março de 1976, que ouvi falar pela primeira vez de Theodor Herzl. Num museu que então visitou a delegação da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa em que estava integrado, foi-nos mostrada a viatura em que ele se deslocava na Palestina, comprando terrenos para a futura instalação de colonos judeus. Isso passava-se nos últimos anos do século XIX, quando a Palestina, tal como todo o Médio Oriente, fazia parte do Império Otomano, com capital em Constantinopla, que os turcos tinham passado a chamar Istambul.
Theodor Herzl era um judeu de nacionalidade húngara, cidadão do Império Austro-Húngaro, nascido em Budapeste e com estudos de Direito feitos em Viena. Não tendo sido admitido, como pretendia,  e ao que parece por puro preconceito anti-semita, na magistratura, dedicou-se ao jornalismo e esteve me Paris cobrindo o julgamento do caso Dreyfuss, que apaixonou a opinião pública europeia e se saldou por ferozes manifestações de anti-semitismo. Dreyfuss, recorde-se, era também judeu e o escândalo originado pela sua condenação com provas falsas e por mero preconceito foi denunciado por Zola no seu famoso artigo “J’accuse”,  do qual resultou a novo julgamento e a total reabilitação do condenado.
Foi a partir daí que Theodor Herzl lançou o Movimento Sionista, tendo em vista a reconstituição do Estado de Israel, com a ideia de que os judeus, espalhados por diversos países do Mundo desde os tempos da destruição de Jerusalém pelo exército do Império Romano, ainda no século I depois de Cristo, pudessem ter uma pátria que os acolhesse e protegesse contra as perseguições de que eram vítimas habituais.
Acontecia, porém, que a Palestina não tinha ficado deserta durante todos esses séculos, mas estava habitada por povos que lá se fixaram e foram sobrevivendo a diferentes guerras e dominações. A maioria eram árabes e de religião islâmica; mas depois do fim das Cruzadas e do Reino Cristão de Jerusalém, ainda ficaram por lá árabes cristãos e alguns pequenos núcleos de judeus. Ainda hoje na Palestina há cristãos e eu pude conhecer alguns, até com representação dentro da Autoridade Nacional Palestiniana, um dos quais, no decurso de uma reunião realizada em Lisboa, me pediu que o levasse a Fátima, o que fiz com muito gosto para uma Missa de Domingo na esplanada do Santuário, pouco tempo antes de deixar o Parlamento.
O Movimento Sionista defendia o regresso dos judeus á Terra de Israel, prometida por Jeová aos seus longínquos antepassados, Abraão, Isac e Jacob, segundo consta da Sagrada Escritura, nos livros do Antigo Testamento. Outros destinos que lhes foram apontados pelos altos dirigentes contactados foram sempre rejeitados. Lembrei já Angola, mas também Madagáscar foi considerado para tal fim.
Como quer que seja, foi em plena Grande Guerra que o então Ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, Lord Balfour, fez publicar uma declaração da qual se podia deduzir o apoio da então grande potência dominante aos projectos do Movimento Sionista. O desmembramento do Império Otomano, como aliás dos outros impérios dados por derrotados, o Alemão e o Austro-Húngaro, resultou na atribuição da Palestina ao Reino Unido, a título de mandato da Sociedade das Nações. Mas, talvez por conhecer a oposição dos potentados árabes, a verdade é que o Governo de Londres não fez avançar o projecto sionista. E mesmo já depois da II Guerra Mundial e da resolução da Assembleia Geral da ONU contendo a partição da Palestina, os britânicos mantiveram-se inamovíveis, tendo os líderes sionistas de recorrer a diversos atentados terroristas para correr com os antigos ocupantes do poder. Várias das bombas então lançadas explodiram no Hotel King David, onde residiam os altos responsáveis britânicos, e passei em frente dele várias vezes durante a minha permanência em Jerusalém no caminho do meu hotel para a Porta de Damasco, por onde entrava na Cidade Velha, para visitar e rezar nos Lugares Santos.
A proclamação do Estado de Israel foi pois um acto revolucionário e provocou a imediata invasão do território pelas forças armadas dos países vizinhos, que foram repelidas de armas na mão pelos novos habitantes, muitos deles sobreviventes dos campos de concentração e extermínio implantados pelo regime nazi, que dominou a Alemanha e provocou a guerra e tinha também a intenção, reconhecida nos tribunais, de aplicar a milhões de judeus pacíficos residentes na Europa e cruelmente perseguidos a “Solução Final”, que era, nem mais nem menos, matá-los com malvadez e aplicando métodos industriais.
A História do Estado de Israel tem sido de resistencia sempre armada face a uma vizinhança hostil. São-lhe imputados abusos tremendos sobre as populações árabes que vivem no seu território. As violências em curso são infelizmente apenas mais um episódio, com a agravante de serem transmitidas em directo através da televisão e para todo o Mundo. Todos reconhecem a Israel o direito de ripostar face aos atentados terroristas do Hamas; mas ninguém quer ver uma resposta em excesso de legítima defesa e o que nos vai chegando das destruições em curso na Faixa de Gaza e das muitas vítimas, incluindo mulheres, jovens e até crianças, é já por si suficientemente chocante e até mesmo repugnante.
Convinha muito que os apelos à contenção de parte a parte fossem ouvidos e que os acordos internacionais sobre a situação fossem por ambas as partes integralmente respeitados. Israelitas e Palestinianos têm direito a viver ambos em paz, em estados independentes, à sombra das suas respectivas bandeiras. Os extremismos fundamentalistas de ambas as partes devem ser banidos, por mais difícil que tal seja. A palavra aos moderados, de ambos os campos, para construírem uma situação duradoura de Paz.

João Bosco Mota Amaral*

* (Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo 
Ortográfico)     

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