Diário dos Açores

A Pobreza trava o desenvolvimento

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As belezas naturais e o singular viver ilhéu são um cenário idílico para um número crescente de visitantes nacionais e estrangeiros. 
De janeiro a agosto, nos Açores, o número hóspedes atingiu os 825 mil e as dormidas ascenderam aos 2,6 milhões, o que revela um aumento significativo deste setor da economia regional.
Esta realidade não significa que muitos Açorianos vivam, hoje, dignamente, tal como aconteceu na década de 60, no auge da emigração para EU e depois para o Canadá. 
Onésimo T.Almeida, traduziu assim a situação social desses tempos os quais, “mutatis mutandis” se podem aplicar aos de hoje: “De maravilhas e sonhos/ dizem que as ilhas são/ É sim p’ra olhos jantados, mas p’ra meu povo ‘inda não.” 
De então para cá, registaram-se progressos significativos em todos os setores económicos e sociais. A construção de infraestruturas fundamentais ao processo de desenvolvimento nas áreas da habitação, da educação, da formação profissional, da agricultura e pescas, do comércio e dos serviços permitiram criar nos jovens perspetivas de emprego, melhoria de salários e padrões de vida até então desconhecidos da maioria dos cidadãos. Negar estas evidências não é sério, nem ajuda a perspetivar soluções para os problemas sociais que o arquipélago continua a viver, apesar de todos os esforços, nem sempre bem sucedidos, para os contrariar. 
 E não é por falta de meios financeiros. 
A União Europeia definiu para a próxima década a estratégia económica “Europa 2030”, visando a redução do número de pessoas em risco de pobreza ou exclusão social. Acontece, porém que em 2022, segundo o INE, nos Açores a taxa de pobreza ou exclusão social atingia 29,6% da população, enquanto no continente se situava nos 16,4%1.
E não se pense que os 2 milhões de portugueses pobres estão desempregados. 40% são trabalhadores, mas 10% estão em risco de pobreza, vivendo em agregados com intensidade laboral per capita muito reduzida ou em situação de privação material e social severa.
Por isso, o Professor Carlos Farinha Rodrigues, afirmou ao jornal “Público” que “Só conseguiremos reduzir a pobreza, se conseguirmos passar a mensagem que a pobreza não é um problema dos pobres, mas de todos” E acrescentou: “Os níveis de pobreza que temos são um travão ao desenvolvimento económico, põem em causa a qualidade da democracia, a coesão social.”
O problema é de tal forma grave que programa do Governo Regional para 2023 reconhece que “A criação de riqueza e a coesão territorial e social continuam a ser um problema nos Açores [ de tal modo que] “Entre 2010 e 2020, o PIB per capita em paridade de poder de compra (PIBpc PPC) diminuiu de 75 % para 67,3 % (dados de 2020 provisórios) em relação à média da União Europeia.” 2 
A situação persiste relativamente ao referencial nacional pois o PIB por habitante dos Açores é de 17.121 euros – o mais baixo de Portugal- enquanto no país ele atinge os 19.431 euros. 
É com base nestes dados pouco animadores que se delineiam as políticas sociais, nomeadamente o combate ao abandono e insucesso escolares, às baixas qualificações profissionais, à promoção dos cuidados de saúde, à política salarial, ao índice de desenvolvimento humano, ao bem estar social, etc.
Acresce a tudo isto que os Açores têm a esperança média de vida mais baixa do país. À nascença, os açorianos esperam viver 78 anos, enquanto em todas as regiões de Portugal continental a esperança de vida à nascença é superior a 80 anos.
As consequências desta discriminação negativa traduzem-se nos índices de bem-estar, pelo que mereciam ser minuciosamente estudadas. Está em causa o Direito à Vida, aos cuidados de Saúde e a uma Velhice mais saudável. 
Já em 2012 se afirmava que “Viver mais tempo implica envelhecer. Maior longevidade não é um fatalismo ou uma ameaça. É uma vitória da humanidade e uma oportunidade de potenciar o «património imaterial» que significa o contributo das pessoas mais velhas.” 3
Esta é uma perspetiva nova que, passada uma década sobre as comemorações do “Ano Europeu do envelhecimento ativo e da solidariedade intergerações” merece ser tida em conta nas políticas sociais e económicas.
Não é diminuindo a idade da reforma que os açorianos vão viver mais tempo. Pelo contrário. Se não melhorarem os salários (normalmente mais altos que as reformas) e os cuidados de saúde, a esperança media de vida diminuirá ainda mais.
O recurso ao permanente mas inconsequente assistencialismo, traduzido em apoios sociais avulsos, é uma solução que não dignifica nem liberta as pessoas, não promove a justiça, nem os direitos fundamentais, entre os quais destaco o direito ao trabalho, à habitação, a salários e reformas justas e dignas.
Daí os governos recorrerem a subvenções sociais que geram dependências, discriminação e incompreensões de toda a ordem e não desenvolvem estratégias de combate à pobreza. 
No Dia Internacional dedicado a este tema, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou: “Convém recordar que são necessárias mais do que medidas ou apoios avulsos que, sem a devida monitorização e avaliação, nunca se constituirão como estratégicos.”
O apelo lançado pelo Presidente da República não deixou de fora a Região. 
Os Açores têm a mais alta taxa de pessoas sem-abrigo do país, mais de 370 (cerca de 70%) só em Ponta Delgada, segundo dados de 2020. 
Tardam promessas de mais habitações integradas no programa “Housing First” e as IPSS que se dedicam a acompanhar o problema social, com o mérito que todos reconhecem, parece não terem metas temporais, talvez por carecerem de mais meios, apoios e estratégias governamentais concertadas. 
“A pobreza não se resolve com sobras, nem com medidas avulsas. Mitigar a pobreza não chega, é necessário que se tomem medidas estruturais e não pensos rápidos.”- afirma uma carta assinada por membros dos conselhos locais dos 18 distritos continentais e um da Madeira, pertencentes a à Rede Europeia Antipobreza, no Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. Uma data, a que o Governo Regional não deu o relevo devido. 
Ficam, ao menos, as boas intenções manifestadas no programa do GRA: “promover políticas de efetiva justiça e solidariedade social, por forma a criar uma região mais justa, com menos assimetrias sociais, o que implica um forte compromisso social com os mais pobres e mais vulneráveis, nomeadamente os reformados e pensionistas.”
No final do mandato, os açorianos julgarão o dito e o feito. Espero, no entanto, que algo tenha mudado para reduzir a pobreza.


1 Jornal PÚBLICO, 17/10/2023, pg 6
2 DR N.º 10, 13 de janeiro de 2023 Pág. 25
3 PROGRAMA DE AÇÃO do “Ano Europeu do Envelhecimento Ativo e da Solidariedade entre Gerações”, 2012 | Portugal Janeiro, 2012

José Gabriel Ávila*

*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com

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