Diário dos Açores

Os nossos bomboios

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Diário Inconveniente

O Governo de António Costa acaba de proceder ao saneamento financeiro da CP (Comboios de Portugal), que tinha uma dívida histórica a rondar os 2 mil milhões de euros.
É uma compensação pelas obrigações de serviço público, dos últimos 17 anos, conforme estava previsto no Orçamento de Estado de 2023, as mesmas obrigações de serviço público, no valor de 10 milhões de euros, também inscritos no Orçamento de Estado de 2023, que o Estado não paga à SATA por efectuar as rotas deficitárias do Faial, Pico e Santa Maria.
Dois pesos e duas medidas do governo de António Costa.
Mas há mais: o ministro do ferro velho, João Galamba, acaba de anunciar a vinda de 117 novos comboios, no valor de 819 milhões de euros!
Tudo somado, limpeza da dívida e aquisição de mais comboios, é praticamente a dívida bruta de todos os Açores.
Ao contrário dos comboios, no caso da SATA, o Estado não se importa que os prejuízos se acumulem, porque quem vai pagar aquelas rotas de Serviço Público é o Orçamento da Região, ou seja, os contribuintes açorianos, quando é uma obrigação do Estado.
Por aqui já se pode aquilatar a malvadez política do governo central.
Ao saneamento financeiro da CP juntam-se os mais de 3 mil milhões de euros já enterrados na TAP e se somarmos as dívidas das maiores 17 empresas públicas portuguesas, temos um fardo de endividamento que ascende a 19,5 mil milhões de euros.
Se formos ver as dívidas de entidades públicas reclassificadas e não reclassificadas como, por exemplo, a Águas de Portugal (1,7 mil milhões de euros), a Infraestruturas de Portugal (cerca de 5 mil milhões de euros), o Metro do Porto (cerca de 4 mil milhões de euros), Metropolitano de Lisboa (3, 4 mil milhões de euros) e por aí fora, ficamos com uma ideia de arrepiar face aos 3 mil milhões da dívida bruta dos Açores.
Não satisfeito com o sufoco financeiro que anda a impor às Regiões Autónomas, qual faixa de Gaza no Atlântico, António Costa fez saber esta semana que não vai pagar a substituição do anel interilhas de telecomunicações, empurrando para os nossos bolsos, contribuintes açorianos, mais esta despesa que é obrigação do Estado.
Ainda esta semana, outra má notícia do Governo da República: afinal a famigerada cadeia de bagacina vai começar a ser construída... mas talvez lá para 2027!
A ministra dos protocolos veio a Ponta Delgada anunciar que volta tudo ao princípio. Só não volta o monte de bagacina porque o buraco já está concluído. A culpa agora é dos tribunais.
É assim que se vai empurrando com a barriga o investimento do Estado na Região.
Tudo isso são sinais claros de má fé de um governo que pretende ver a nossa Região asfixiada.
Se não nos pagam 10 milhões de euros pelas OSP da SATA e mais umas dezenas de milhões pelos estragos do furacão Lorenzo, é justo pensar que este governo central jamais se comprometerá em partilhar com a nossa região os custos da Saúde e da Educação, dois sectores universais da nossa Constituição, para os quais o Estado português não contribui com nada.
Ambos são os nossos comboios ou a nossa CP regional, que contribuem, sobremaneira, para o avolumar das despesas orçamentais da região.
Educação e Saúde são áreas que não se recusam a ninguém, mas o seu financiamento está longe de poder ser assegurado, integralmente, pela região, quando as receitas são cada vez menores e os encargos maiores.
Fruto da nossa dívida galopante, ficamos cada vez mais limitados no nosso projecto de desenvolvimento, pelo que se torna urgente proceder a uma revisão das nossas fontes de receitas e transferências, o que se espera da tão aguardada revisão da Lei de Finanças Regionais.
Mas há, também, que proceder a uma reflexão interna sobre prioridades de investimentos e não entrar em loucuras megalómanas, como é habitual nos políticos, sobretudo em ciclos eleitorais.
Só em três rubricas orçamentais temos ao pescoço encargos financeiros de muitos anos que vamos deixar aos nossos filhos e netos: 64 milhões de euros só em juros da dívida, 40 milhões de euros das SCUT de S. Miguel e mais 15 milhões de euros da Parceria Público Privada do Hospital de Angra.
Juntem a isso o peso gigantesco da nossa administração pública regional, a manutenção do nosso património regional e os encargos sociais de uma população cada vez mais envelhecida, e temos como resultado uma galáxia de pagamentos sem efeitos reprodutivos que deixam pouca margem para criarmos riqueza.
Os nossos deputados, que agora vão discutir o Plano e Orçamento para 2024, deviam pensar nisto e projectar os Açores, no seu todo, para outros patamares mais longínquos e promissores.
Em vez disso, vamos assisitir às capelinhas do costume, com todos a proporem mais dívida para contentar as suas clientelas eleitorais, como aqueles partidos que, por estes dias, num dia falam mal do nosso brutal endividamento, e a seguir propõem integrar na administração pública dezenas de pessoas que ficaram sem trabalho, como o caso da autarquia da Praia da Vitória, ou seja, mais dívida.
Com esta mentalidade política os Açores não vão longe.
Não temos comboios, mas temos muitas carruagens carregadas de encargos que só vão prejudicar as futuras gerações.
Ou criamos riqueza ou nos afundamos.
E para nos afundar já basta o centralismo de Lisboa, que, para além de não nos ajudar, ainda nos quer roubar a riqueza do nosso mar.

Osvaldo Cabral
osvaldo.cabral@diariodosacores.pt

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