Diário dos Açores

A violência na sociedade tem muitas faces

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Opinião

A violência societal constitui um tema controverso devido às diferenças internacionais na perceção do crime e normas culturais que definem padrões de conduta individual e coletiva. Há crimes, todavia, que em termos jurídicos como nas experiências individuais e num contexto social recebem uma interpretação universal devido às consequências e implicações morais. Na década de 1950,um etólogo americano, John Calhoun, conduziu um experimento no qual encontrou uma covariância positiva entre o alargamento da população e o aumento do comportamento agressivo.
As cobaias eram os inescapáveis ratos de laboratório, mas extrapolando para a nossa espécie, este fenómeno é comum em muitas cidades à escala mundial. Ao crescimento na densidade populacional corresponde um incremento quantificável na taxa de criminalidade. No entanto, a correlação entre aquelas variáveis não implica necessariamente causalidade.
Em 2021o Afeganistão, o Iémen, a Síria, o Sudão do Sul, a Somália, o Iraque, a República Democrática do Congo, a Líbia, a República Centro-Africana, a Rússia e o Sudão encimavam uma lista de países nos quais as populações corriam o mais alto risco em termos de agressão multímoda.  
A carência de um processo democrático, frequentemente, impede a discussão transparente da situação. Os governos opressivos promovem a censura ou a proibição de informação e opinião que põem em causa a sua competência e métodos ilícitos de repressão dos dissidentes. Nestas condições, a resolução do problema assume uma complexidade que principia com a falta de liberdade individual e de associação.
O relatório do Índex Global da Paz, uma organização sediada na Austrália com agências em vários países, mencion avinte e três categorias criminais reunidas em três domínios: Conflito Doméstico e Internacional Atual, Segurança Societal, e Militarização. Cada uma destas categorias possui indicadores mensuráveis que permitem a padronização com implicações sociológicas e jurídicas.
Nos Estados Unidos, o incremento saliente no número e intensidade dos atos de violência assume aspetos ideológicos no debate político. O racismo latente no processo societário agravou a controvérsia que em alguns aspetos retarda a capacidade de intervenção governamental. Uma faceta desta questão relaciona-se com o acesso a armas de fogo por gangues, alguns consistindo de indivíduos menores e outros de perigosas quadrilhas empenhadas na distribuição de drogas controladas e o roubo, e até milícias privadas fomentando o uso de meios ilegítimos para a resolução de obstáculos políticos. Em 2021 existiam quase quatrocentos milhões de armas de fogo na posse da população civil dos EUA. No mesmo ano, cerca de cinco mil menores de idade morreram vítimas de incidentes envolvendo tais instrumentos letais.
Na análise da violência societal os delitos referem-se a tipos específicos de criminalidade. Na opinião popular, porém, a insegurança das pessoas expressa-se na ansiedade relacionada coma ocorrência de occídios, tiroteios, e ataques terroristas entre muitos outros tipos de agressão. No ano letivo de 2021-22, houve 188 episódios violentos nas escolas públicas e privadas americanas, nos quais se registaram cerca de 70 fatalidades.
O estupro de mulheres até há pouco tempo era ignorado, tanto em países do terceiro mundo como nas nações industrializadas. A preponderância masculina na administração, serviços policiais e funções afins manifestava-se numa ideação machista agravada pela falta de sensibilidade nos tribunais. O abuso sexual de crianças em instituições religiosas não aumentou, mas os agressores perderam a imunidade que a função pastoral, e por vezes as hierarquias clericais, lhes proporcionavam.
Nos EUA, a violência tem sido uma característica persistente da sua história desde a fundação colonial. A dinâmica inevitável na visão do mundo que caracteriza o processo cultural promoveu a mudança observável nos padrões e na perceção das hipóteses causais — umas reais, outras imaginárias —, no enquadramento temporal. Há semelhanças nestas situações complexas com outras sociedades que se constituíram num ambiente colonial e diversidade étnica.  
No tecido demográfico dos Estados Unidos nem todos os atos criminosos se manifestam de feição evidente, como se verifica outros sim noutros países. O chamado “crime de camisa branca”, caracterizado pela corrupção das elites e burocracias, influencia o processo social, frequentemente, coma colaboração oculta das autoridades e de políticos comprometidos. A violência nestes contextos prejudica a participação ativa do povo de muitas maneiras menos óbvias. Alguns efeitos projetam-se na economia, na competência e justiça na administração e operações das infraestruturas. O resultado mais abrangente expressa-se no incremento da pobreza, uma variável covariante com a criminalidade.
A colonização da América do Norte envolveu o deslocamento e extermínio de nativos americanos que resistiram à invasão das suas terras e culturas. Na exploração sistemática e opressão dos escravos, as vítimas eram submetidas a punições brutais, abuso sexual e trabalho forçado. Na guerra civil perderam a vida mais de um milhão de americanos.
O papel da violência nas sociedades reduza qualidade de vida. Tem sido um fenómeno constante e complexo que neste momento assume proporções horríficas em várias partes do mundo. Mobile (Alabama), Memphis (Tennessee), e Detroit (Michigan) são as três cidades mais perigosas nos Estados Unidos. A liberdade da imprensa, consagrada na Primeira Retificação Constitucional, garante contudo a discussão minuciosa e clara do problema, facilitando a intervenção das autoridades judiciais.

Manuel S. Leal

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